sábado, 26 de março de 2011

GEOGRAFIAS


O salto do peixe

I

Enquanto desaba a última gota do dilúvio
a árvore despida é o centro do mundo

Entre as raízes um peixe nada
e imagina um mar vertical
que nasce em suas escamas

Entre cada escama guarda
uma onda e nas barbatanas nasce
a espuma do mar


Entre as folhas mortas um peixe salta
e sonha com o rio
que lança suas águas
no céu dos homens

Entre cada salto o peixe assoma
e observa o seu efémero reflexo
desvanecer-se no ocaso das ondas

II


É outono e a árvore não fala
as suas ramadas frias reflectem-se na água
seguem em silêncio o sonho
de um peixe que busca
tocar o coração da árvore

A última folha caiu:

Já é inverno e a árvore cala-se
e as suas raízes estendem-se
até tocar os sonhos
de um peixe que escreve versos
sobre as páginas da
sua crosta.
.................Juan Armando Rojas Joo
In, de Lluvia de lunas, Feta, 1999
Tradução: João Rasteiro
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http://library.stmarytx.edu/pgpress/authors/juan_armando/index.html

http://experts.owu.edu/expertSourceGuide/experts/rojasJuanArmando.html

quinta-feira, 17 de março de 2011

sábado, 12 de março de 2011

REINVENÇÕES


Foi recentemente editado o nº 8, da VI Série, da Centenária Revista Via Latina. A revista teve uma apresentação no dia 01 de Março, durante a Sessão Solene Comemorativa do Aniversário da Universidade e, no dia 5, nas Galerias Bar de Santa Clara. Relembre-se que o primeiro número da revista Via Latina foi publicado em 28 de Novembro de 1889. 
O tema da revista tem sido, invariavelmente, subordinado ao tema da semana cultural da Universidade de Coimbra. Este ano, o mote dado foi o da reinvenção da cidade - "Reinventar a Cidade" -, o que levou os responsáveis pela revista, a romper com a linha gráfica que tinha vindo a ser seguida ao longo desta série VI.

Nesta "reinvenção da cidade", foi publicado um poema meu, onde mais do que uma reinvenção, o que fiz foi uma glosa (ou brincadeira) ao poema "Não posso eu, meu amigo" de D. Dinis. 
Até como já referi, pelo novo grafismo, a descoberta de uma "nova" Via Latina recomenda-se.


http://www.revistavialatina.com/

sábado, 5 de março de 2011

POETA=POESIA

Foi recentemente publicado na  Editora Escrituras de São Paulo, o livro A obra ao rubro de Herberto Helder,  da autoria de Maria Estela Guedes. O livro foi publicado na colecção “Ponte Velha”, onde têm sido publicados poetas e escritores portugueses, como António Ramos Rosa, Ana Hatherly, Pedro Tamen, Armando Silva Carvalho,  Luisa Neto Jorge, Fernando Guimarães, Casimiro de Brito, Maria Teresa Horta, Nuno Júdice, Rosa Alice Branco,  Fernando Echevarría, João Barrento, só para citar alguns, e na qual tenho o privilégio de brevemente publicar o meu livro: "Tríptico da Súplica". Refira-se que esta colecção é apoiada pelo Ministério da Cultura Portuguesa e pela Direcção-Geral do livro e das Bibliotecas.
Em A obra ao rubro de Herberto Hélder, Maria Estela Guedes analisa a poesia de Herberto por um prisma ainda não muito aceite e compreendido pelo cânone, principalmente universitário, pois baseia a sua análise, sobretudo, partindo do odor e da força bruta que emana dos artigos e crónicas que Herberto foi publicando em jornais e algumas revistas.
A obra ao rubro reúne ensaios, depoimentos e entrevistas datados de 1977 até o ano passado. Registra uma dedicação permanente ao autor deA faca não corta o fogo (o título de sua mais recente reunião de poemas). Comenta uns primeiros contatos com sua obra ainda na adolescência e reuniões surreais nos cafés lisboetas na década de 1960 (Claudio Willer).
No segmento do livro dedicado a algumas entrevistas, tive a surpresa e simultaneamente algum medo, mas uma enorme honra, em responder a algumas perguntas de Maria estela Guedes sobre Herberto.
São essas (temerosas) perguntas e respostas que integram o livro  A obra ao rubro de Herberto Helder , que se seguem em baixo.
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Maria Estela GuedesJoão, que impacto tem Herberto Helder na poesia actual?
João Rasteiro – O impacto de Herberto, mais do que profundo, é simplesmente aterrador. Principalmente a partir dos anos 80, embora desde o início dos anos 70, a poesia portuguesa de algum modo tenha começado a gravitar entre o magnetismo e a repulsa à poética Herbertiana, esta talvez mais por medo, o desconhecido é sempre explicado por deus ou deuses, só que Herberto para além de ser a sua própria criação e alimento é simultaneamente deus em sua sílaba de verbo. Aliás, tenho a certeza que mais tarde ou mais cedo, teremos uma edição de toda a poesia Herbertiana, que se chamará somente “Herberto Helder”. A sua obra impõe que se cale ou se esqueça o Herberto cidadão, uma vez que “ele” é o próprio poema.
É lógico que para muitos, nos quais me incluo, não é fácil escrever “depois de Herberto”, tal é a forma avassaladora, atómica, com que nos inunda as entranhas, possesso como um vírus genésico-demoníaco que nos sufoca e nos sustenta. E nem sequer a “angústia da influência”, tão explorada por Harold Bloom, se coloca em relação a Herberto, uma vez que não é possível imitá-lo, talvez beber umas gotas frescas da alquimia das “suas” palavras, já seja um grande sentido de representação. É que a quase divina imagética em seu poder visionário, o verbo transfigurador sob a autenticidade cósmica dos sentidos primitivos, em que o poema explode numa lava que alastra alma e matéria, coloca-nos na verdade perante uma gramática que provoca e acarreta um abalamento que é dos mais intrigantes e profundos que a poesia e até a literatura (não nos podemos esquecer desse extraordinário livro ou poema que é “Os Passos em Volta”) portuguesa já sofreu em seu espaço de silêncio. Por isso o impacto feroz e restaurador da sílaba.
Esta mão que escreve a ardente melancolia
da idade
é a mesma que se move entre as nascenças da cabeça,
que à imagem do mundo aberta de têmpora
a têmpora
ateia a sumptuosidade do coração.
MEGDe onde vem a fascinação que exerce em nós?
JR – Naturalmente que a áurea que o mito de poeta obscuro e hermético de Herberto proporciona, quase como referi anteriormente, Herberto igual a poema, poema espelho de Helder, provoca num primeiro olhar uma atracção brutal, uma inclinação absoluta e implacável sobre o obscuro onde procuramos sempre o mórbido e simultaneamente o herói, a eterna atracção pelo desconhecido (e no entanto o Herberto cidadão, por vezes chega ao “estranhamento”, quando responde a cartas de jovens poetas, que apenas lhe escrevem, “pensando que não irão obter qualquer resposta”, confessando-lhe em substituição do padre cura, que admiram de forma grandiosa o(s) deus(es) - da linguagem). E esse “estranhamento” é ainda maior, quando na resposta diz:
Como deve supor, tenho mesmo aqui ao lado montes de coisas para ler, e coisas todas elas reclamando urgência. Como exclamava o outro: - “E eu que ainda não li todos os gregos”.
E já agora, o Herberto cidadão confessa ainda, tendo em conta a carta a que está a responder, algo que será novidade, a sua admiração pelo poeta norte-americano Robert Creeley. Talvez sejam exíguos momentos de manchas no corpus do poema, de lampejos ou ligeiros sopros no exterior como possível explicação do eu-poema.
Mas, a verdadeira fascinação que exerce em nós, nos poetas e nos artistas em geral, resulta de uma poética do maravilhoso que sustenta o corpo, o corpo carnal da linguagem. É uma poética onde o poema, aquele que Herberto começou a escrever nos anos 50 e que como um vulcão se vai transcendendo num só tempo para a absoluta linha de violência, onde os contrários se expandem e anulam. Porque o cosmos onde este corpo-corpus de linguagem é um processo inexequível, perverso e pecaminoso, uma vez que consiste naquilo, eco versus silêncio, que potencia a alquimia do verbo que estando no mundo, escapa às leis da natureza, às leis da linguagem. E Herberto, substitui-se a essas leis, tentando enquanto a respiração lhe permitir, metamorfosear-se de forma ininterrupta poema, metamorfosear a língua, desfigurando-a e mastigando-a, desfigurando-a e vomitando-a. Uma língua dentro da própria língua, um poema dentro do próprio poema. É este trabalho de uma vida, este poder encantatório em seu fluxo verbal, em que o poeta-poema se aniquila e nos aniquila, num processo antropofágico que nos seduz e subjuga, porque ele e nós somos o poema, um só poema, o mundo, um só mundo em seu eterno processo de criação, o sopro “até que Deus é destruído pelo extremo exercício da beleza”, a vida que brota violenta e retemperadora da voz da morte.
E ele morre e passa de um dia para outro.
Inspira os dias, leva os dias
para o meio da eternidade, e Deus ajuda
a amarga beleza desses dias.
Até que Deus é destruído pelo extremo exercício

da beleza
Porque não haverá paz para aquele que ama.
Seu ofício é incendiar povoações, roubar
e matar,
e alegrar o mundo, e aterrorizar,
e queimar os lugares reticentes deste mundo.

                                                                            J.R.


http://triplov.com/willer/2011/herberto_helder/index.htm
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http://www.escrituras.com.br/ponte.htm