sábado, 28 de março de 2009

Rotas Reinventadas II

.................................Imagem de MIUKI

Cérebro quando poesia
.....................Tive de descrever a tua grandeza, ó meu cérebro,
.....................corola macerada pelo poder da cultura.
................................Fiama Hasse Pais Brandão


.água poesia da largura em si mesmo
a estuar o animal das línguas dos balidos
como espáduas ambas em seu perfil único
de margem flanco poesia outra para corpo,

coração do fragmento ao longo das lascas
palavras nervura que se desfralda frontes
o equilíbrio fugidio das actínias feições
contra o pó poesia entre pedra e silêncio,

abelha ofusca desnuda sombra no tronco
muro poesia ou hortos alvuras dos campos
extensos um olhar do detrás pulsos de luz,

deus usurpando o verbo inicial de Platão
espaço se pétalas e madrugada de astros
geme a magnólia poema em murcha sílaba,

demónios nus do cosmos das comparações
místicas chamas da barbárie a nova ordem
no círculo aberto como se única contrição,

poesia flor - uma como cérebro do eco, poços
ou uma força inacessível em secretos cicios,
odores em distâncias mortas vincadas hélices,

centelhas nuas – mas que dobram áleas, poesia
e nas costas do metal uma figura nova desova,
animais que só procriam a activação das forças,

hoje, da não promessa pragas de eternidade sob
o diluído âmago de profundos centros, a poesia
de múltiplas mortes, gotas do renascer acto pó
formas de fluidas formas da sentença – quando,

em si mesmo da largura poesia água – silêncio.
João Rasteiro
.................................
Blind Zero - Tree

quarta-feira, 25 de março de 2009

Da terra à luz

Eu, com Seamus Heaney, no Palácio de S. Marcos, após um "grandioso repasto" - 2004
O prémio Nobel de 1995, o irlandês Seamus Heaney acaba de receber o prémio David Cohen, atribuído de dois em dois anos a grandes nomes da literatura, como V.S. Naipaul (1993), Harold Pinter (1995) ou Doris Lessing (2001). Poeta presente em Coimbra, como figura principal dos V Encontros Internacionais de Poetas (2004), organizados de três em três anos pelo Grupo de Estudos Anglo-Americanos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, foi sem dúvida um dos mais "simples, gentis e disponíveis" dos poetas presentes, não parecendo a ninguém estarmos em presença de um Nobel da Literatura. Daí, ficar muito satisfeito por mais este importante prémio que lhe foi atribuído. Seamus Heaney é um poeta grandioso e magestoso como as sublimes planícies de seu país, é contado e cantador da área rural, dos dias nebulosos, da nostalgia familiar, dos antepessados, da visão arqueológica da própria Irlanda em sua magia, com muitas histórias, épicas ou não, para contar. Aliás, muitos de seus poemas são narrativos - alguns curtos, como A Musa Gutural; outros, mais longos, como a Ilha das Estações. Em baixo dois poemas:
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"O Fragmento"

"Veio a luz do oriente", cantava ele,
"radiosa garantia de Deus, e as ondas aquietaram-se.
Eu podia ver línguas de terra e rochedos acossados.
Muitas vezes, pela coragem mostrada, o fado poupa o homem
se não o marcou já."
.
.
E quando a objecção deles lhe foi dita -
em especial que a sua obra se fizera em fragmentos,
que já não podiam dizer onde estavam com ele,
que já não distinguiam primeira linha ou última linha -
respondeu com uma questão.
"Desde quando", perguntou,
a primeira e a última linha de qualquer poema
são onde o poema principia e termina?"
............................Tradução - Vasco Graça Moura
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"PARA BERNARD E JANICE MCCABE"
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Leito do rio, seco, cheio de folhas quase.
Nós, a escutar um rio nas árvores.
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.................Tradução - José Antonio Arantes
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........................................U2 - BAD Live Aid, 1985

sábado, 21 de março de 2009

POESIA 21

Hoje é o dia mundial da poesia. Para assinalar o acto, a Fnac comemora-o em todas as suas lojas fazendo uma homenagem a vários poetas (cada loja fnac homenageará um poeta), tais como, Alexandre O'Neill, Sophia de Mello Breyner, Herberto Helder, Mário Cesariny, António Aleixo, etc. Em Coimbra, o poeta homenageado será Fernando Assis Pacheco. Para tal acção foi convidada a Oficina de Poesia da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, que também aproveitará para lançar os dois últimos números da sua revista. Assim, lá estarei com mais alguns membros da Oficina de Poesia para lermos poesia e bebermos um copo com quem aparecer. São todos bem vindos. Lá vos esperamos pelas 21h30. Apareçam!
A Profissão Dominante
.
Meu Deus como eu sou paraliterário

à quinta-feira véspera do jornal

nadando em papel como num aquário

ejectando a minha bolha pontual

.
de prosa tirada do receituário

onde aprendi o cozido nacional

do boçal fingido o lapidário

- fora algum deslize gramatical-

.
receio que me chamem extraordinário

quando esta é uma prática trivial

roçando mesmo o parasitário

meu Deus dá-me a tua ajuda semanal
.................................Fernando Assis Pacheco
In, A Musa Irregular, 1996

quarta-feira, 18 de março de 2009

António Nobre: n.16/08/1867 - m. 18/03/1900
MEMÓRIA

Aquele que partiu no brigue Boa Nova
E na barca Oliveira, anos depois, voltou;
Aquele santo (que é velhinho e lá corcova)
Uma vez, uma vez, linda menina amou:
Tempos depois, por uma certa lua-nova,
Nasci eu... O velhinho ainda cá ficou,
Mas ela disse: – «Vou, ali adiante, à Cova,
António, e volto já...» E ainda não voltou!
António é vosso. Tomai lá a vossa obra!
«Só» é o poeta-nato, a lua, o santo, o cobra!
Trouxe-o dum ventre: não fiz mais do que o escrever...
Lede-o e vereis surgir do Poente as idas mágoas,
Como quem vê o Sol sumir-se, pelas águas,
E sobe aos alcantis para o tornar a ver!
.
...................ZECA AFONSO - Do choupal até à Lapa

http://pt.wikipedia.org/wiki/Ant%C3%B3nio_Pereira_Nobre
http://www.triplov.com/poesia/antonio_nobre/index.htm

domingo, 15 de março de 2009

Fulgurações

...........................................Susanne S. D. Themlitz

Luz
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A luz que aflui errática das pedras
e anuncia o dia na chama dos corpos
derretendo o aço que nos corta
procura um ninho por entre as mãos
e ramifica-se linguagem entre os dedos.
.
Na perfeição da luz está a poeira
no fundo um templo ou uma garganta
a sombra desfocada em que nos projectamos
o silêncio alumbrado em suas formas nuas,
.
adiro dobrado ao grande segredo da luz
e desenho sobre ela as veias que vão doendo.

João Rasteiro

In, No Centro do Arco - 2003

.........Vinicius de Moraes - Pela Luz dos Olhos Teus

quinta-feira, 12 de março de 2009

RETRATOS

A minha falta de disponibilidade em participar na "Colectiva" do Jornal VAGALUME, dedicada ao poeta Carlos Felipe Moisés, não tendo por isso respondido ao convite da Cida Sepúlveda, fazem-me pedir desculpas aos dois, publicando do meu amigo Carlos Felipe Moisés o poema "Lagartixa", poema que me faz recordar os bons tempos que passámos em 2004 durante os V Encontros Internacionais de Poetas, realizados em Coimbra desde 1992, pelo Grupo de Estudos Anglo-Americanos da Universidade de Coimbra.
.
Lagartixa

O peito é de vidro.
Os olhos, porcelana
delicada e astuta.
Da língua escorre
o néctar sutil.
As patas são de estanho,
mas sabem se mover
imóveis: mal flutuam.
O ventre é quase nada,
pura transparência
onde se escondem
o dorso e seus andaimes.
Não tem entranhas.
A pele
de tão fina já não é:
..........limita
semovente
o nada de fora
e o quase nada de dentro.
.

.
O peito é de vidro
mas às vezes se desmancha
em pétalas.
Dentro
pulsa um coração
que imobiliza tudo em torno.
O rabo, sim,
é feito de algo insuspeitado:
........nuvem
.........algas
milhares de roldanas
........e desejos
enrodilhados na engrenagem
que espaneja o chão
.......e foge
para o céu aberto.
Carlos Felipe Moisés

................................................HUMANOS --- Quero é viver

http://www.revista.agulha.nom.br/cfm.html

http://fotoseliteratura.blogspot.com/2007/11/joo-rasteiro-mrio-lcio-de-sousac.html

http://www.cidasepulveda.com/5201.html

domingo, 8 de março de 2009

Rotas Reinventadas

tratado das veias

É assim o corpo:
como as rosas do metal
em peso sobre as bocas, sangrando devagar,
gota a gota, apocalíptico, inesgotável espaço
pulmonar, sílaba a sílaba como a sagrada perfuração
dos espinhos. O estilo de cantar
a fervura das águas, as gigantes sequóias e
o esquivo beija-flor,
correspondências ébulas
que visam
só uma inviolável e amorosa esfera
de linguagem
nua em suas espécies de verbo,
seu eco de carmesim como teorema biológico:
poesia.


Pétalas negras de dialecto infinito:
natureza e desejo
de constelações, o gerânio e a libélula,
as crias fervilhando inscritas
com os sexos dentro do movimento,
a percussão violenta e obsessiva
da antecipação das veias, o génesis das fendas
sob a palavra centrífuga.
E, para além das chuvas,
o corpo aberto para quem se afoitar no murmúrio
dos inclassificáveis,
nessa ixicial geografia de oiro
onde se ocultam o bdélio e a pedra de ónix.
E há a criança-magnólia de um poema em seu sal único:
ressureição.


E se os lamentos das aves sobre a arte das anopsias
que cobrem a luz dos abismos
avivam a elisão da caligrafia branca
dos afectos, corpo e poema, sós em seu coito:
If you`ll believe in me, I´ll believe in you. Is that a bargain?
João Rasteiro
.
Hoje é o dia mundial da mulher. A minha simples homenagem é feita com a extraordinária canção do Chico, Geni e o Zeplim.
............................"Geni e o Zepelim" - Chico Buarque

quarta-feira, 4 de março de 2009

POESIA...?

O poeta brasileiro e co-editor da CRONÓPIOS, Edson Cruz, tem estado a questionar uma série de poetas, colocando-lhe três "simples" questões que coloca no blogue "SAMBAQUIS", facto que deverá dar origem a um livro organizado por si. As minhas respostas, actualmente no "ar", podem ser lidas na íntegra em: http://sambaquis.blogspot.com/
.
O que é a poesia para você?
.
Na juventude era sobretudo estranhamento, depois passou a ser brincadeira e prosápia, só que agora é medo e sofrimento. Poderia talvez dizer que a poesia é. Talvez substanciá-la como espanto e descoberta, caos e criação, vida e morte, verbo e substantivo. Poderia até dizer que a poesia é o lugar mais recôndito e primordial da alucinada linguagem em seus mundos e corpus de perplexidade. Poderia talvez, como refere Herberto Helder, dizer que ela é (...)
.
O que um iniciante no fazer poético deve perseguir e de maneira?
.
Ousar pensar/sonhar a palavra outra, a transgressão outra, a linguagem outra. E naturalmente deverá ler, ler, ler – ler incessantemente. Depois, escrever, escrever, escrever – escrever/ver/reescrever/ser. Até se viciar(...)
.
Cite-nos 3 poetas e 3 textos referenciais para seu trabalho poético.
.
Por que destas escolhas?Afinal são duas perguntas numa só. Apontar três poetas é tão difícil como apontar um, seis ou até nove – Homero, Dante, Shakespeare, Camões, Rilk, Lorca, Pound, Breton ou Kavafis. E no entanto atrevo-me, embora por múltiplas e variadas razões, a apontar os seguintes poetas:(...)
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.........................La poesia es... - Paco Ibañez


http://sambaquis.blogspot.com/
http://www.cronopios.com.br/site/default.asp
http://www.germinaliteratura.com.br/ecruz.htm

domingo, 1 de março de 2009

PORNOCRACIA

Gustave Courbet (A Origem do Mundo)

Dorme que eu velo
Sedutora imagem
Terna miragem
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Nada em mim é risonho
Ou anseia viagem.
Quero-te para sonho
Não para gozo e dor.
.
Tua carne psalma
Fria em meu querer.
Os meus desejos são cansaços
Nem quero ter nos braços
............................................
Dorme, filha, dorme,
Vaga em teu sorrir.
Sonho-te tão bem
Que o corpo me vem
E me venho sem ir.
Mário Cesariny

.....Pedro Abrunhosa & Bandemónio - Talvez Foder

http://jn.sapo.pt/Domingo/Interior.aspx?content_id=1157101

http://users.isr.ist.utl.pt/~cfb/VdS/cesariny.html