quarta-feira, 29 de abril de 2009

ANACRUSA

Acaba de ser editada pela COSMORAMA a 2º edição (1º edição das edições etc, 1983 ) de "ANACRUSA 68 sonhos", de Ana Hatherly. Deste excelente livro, os dois poemas abaixo:

26/11/60
O terror materializa-se sob a forma de uma pequena luz lilás que se dirige a grande velocidade para a minha janela aberta. Estendo as mãos e colho-a no seu caminho. Afinal era uma pequena e estranha ave violeta e azul marinho. Entretanto queima-me a perna direita. É um sofrimento intenso. Para me aliviar alguém dá-me um golpe e logo imenso sangue começa a jorrar.
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Janeiro de 1963
Um número incontável de mulheres de todas as idades seguindo em fila indiana, entre as quais me encontro. Somos todas prisioneiras e somos conduzidas involuntariamente através de corredores e escadas, deslizando por elas abaixo como que dormindo. Todas sabemos que somos prisioneiras mas estamos mais ou menos serenas. Eu penso: agora sou prisioneira mas um tempo virá em que serei liberta, eu e todas elas. Entretanto estendo a mão para trás procurando trazer a minha filha para junto de mim, para acelerar a sua libertação.
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.......................................Carlos Mendes - A festa da vida

domingo, 26 de abril de 2009

Flores

..........Abril

E o sol desce como um falcão,
um relâmpago ígneo celebra-se
no presságio, atalha-se o silêncio
o visível e o invisível das súplicas
que dormem a perversa inocência,
.
no cume das bocas as flores murchas
como incautas candeias adormecidas.
.................................João Rasteiro

quarta-feira, 22 de abril de 2009

A liberdade da sílaba

Olvido


calaram a tua boca

mas certamente
esqueceram uma pequena sílaba
somente semente
em algum canto

nos recantos de um país
de mim
uma flor livre
sob a terra obsessiva e sagrada
do jardim.

*

calaram a tua voz

mas certamente
esqueceram o odor fresco
semente somente
das rosas e do jasmim.

........................Manuel de Cenáculo

sábado, 18 de abril de 2009

Lugares II

A poeta, ensaísta e investigadora Maria Estela Guedes é membro da A.P.E. - Associação Portuguesa de Escritores, da secção portuguesa da Associação Internacional de Críticos Literários, do Centro Interdisciplinar da Universidade de Lisboa, do Instituto São Tomás de Aquino e Directora do site/plataforma TriploV, depois de em 2008 ter publicado o seu mais recente livro de ensaios e/ou critica literária: A Poesia na óptica da Óptica, prepara-se para publicar o seu novo livro de poesia, intitulado: Chão de papel. Poemas que vislumbram o âmago carnal e sensorial da Guiné-Bissau, a fragrância odorífica do refluxo em espiral do coração (dos corações?). Como refere Nicolau Saião no prefácio ao livro: "Neste livro/poema, cujas jornadas incessantemente se questionam tanto quanto se afirmam — pois que é esse o movimento perene da poesia, ir e vir como se fossem as ondas de um mar na noite ou na claridade — a penumbra ilumina-se a dado passo para ganhar um sentido além da devastação e da amargura. Trata-se duma legítima e nostálgica evocação mas igualmente, ou principalmente, duma transfiguração". Independentemente das neblinas que a amizade por vezes oferece, para além de uma excelente crítica literária (essencialmente sobre a poética Herbertiana), Maria Estela Guedes possui uma poética que urge começar a ser olhada com mais atenção. (P.S. - No final do post, "todas as ligações/links à/para a Maria Estela Guedes").

(...)
Espera a tua morte como se tivesse o tempo todo
À frente para nele se banhar em incenso
Era ali que devias ser sepulta
Com a tua carga de afectos e ondas pesadas
As lembranças
O coração fechado num búzio
A murmurar palavras sabe ao ouvido
Era ali
No fundo das águas a tocar
O lodo verde e menstrual do Geba…
Vai morrer à Guiné se te apraz
Num dia de neblina fria sobre as águas
Na linha imperceptível que separa a lua
Da luz
Vogando para o Oriente Eterno
Na barca de Rá
Depois de passar pela ilha entre ilhas
Bolama
A saber a mangos e a melancolia.
..............Maria Estela Guedes

http://www.triplov.com/estela_guedes/index.html

http://www.triplov.com/estela_guedes/2009/Chao-de-Papel/Nicolau-Saiao.html

http://www.triplov.com/estela_guedes/2009/Chao-de-Papel/index.html

http://fitei.blogspot.com/2008/03/boba-de-maria-estela-guedes.html

http://www.artepoetica.net/Maria_Guedes.pdf

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Lugares

...........................Alfredo Luz
Quem me refrescará antes da morte sob as fontes? Quem perfumará o meu corpo extinto de vida nos jardins odoríficos? Quem atulhará a minha boca de pedras no coração do barro? A mim, lugar, quem me chorará os olhos apagados de Primavera? Quem me sepultará impuro no coração dos amieiros? E as madrugadas acordarão como se a aldeia não fosse o lugar bastante, o coração como a terra inclina o rosto à vida? A luz da chama?
.
Apesar de tudo continuam a existir as palavras fincadas aos pulmões que nos embebem medo ao rosto do coração. Abro a passagem e invado o teu espaço, aldeia. Palavras, memória, sopros, a frescura do mundo, um corpo, um outro espaço que irrompe da aldeia, das abrigadas ruas, da Rua da Fonte, do passado, de múltiplas e doídas constelações de outras existências, de outros sabores. E sou todas essas realidades inaudíveis, abertas, expostas, incompletas, em movimento por entre as humanas vozes que em mim florescem. Este ainda é o segredo que o amieiro me revelou.
........................................................João Rasteiro
In, O BÚZIO de ISTAMBUL, 2008 (Palimage)
..................................Verdes são os campos - Zeca Afonso

domingo, 12 de abril de 2009

Parte do Arco-Íris

Roxana Crisólogo (Peru), eu e o Zé Luis (Casino da Figueira da Foz).
O livro Lisbon Blues, do meu amigo e poeta cabo-verdiano José Luís Tavares, é um dos candidatos ao "VII Prémio Portugal Telecom", destinado a livros em Língua Portuguesa publicados no Brasil em 2008. Este livro de José Luís Tavares, lançado na 8ª Bienal Internacional do Ceará, integra a colecção Ponte Velha (criada pelos poetas Carlos Nejar - Brasil e António Osório - Portugal) incluida na editora brasileira Escrituras. Em Maio, o livro deverá ser apresentado na Cidade da Praia. Refira-se que já em 2008, o Ministério da Educação Brasileiro atribuiu a José Luís Tavares o prémio "Literatura para Todos" pelo inédito "Os Secretos Acrobatas". É sem dúvida o merecido reconhecimento de um excelente poeta da língua portuguesa, um dos poetas aliás, que já hoje começa a ter uma das mais relevantes obras do panorama literário cabo-verdiano. De Lisbon Blues o seguinte poema:
.
3.
Quem te disse adeus quando a manhã
se incendiou para o lado das searas?
Mar ao fundo, pobre horizonte de turista,
agora que a borrasca interdita
o polimento da alma nas escadarias do passado

— fica o hálito, um rumor de véspera,
que não chega para acender no coração
o clarão da culpa, pois onde o látego
é consorte e o desterrado sonha
uma pátria improvável, não chegam
dos deuses o juízo e o preceito.

Quem pode, caminha até ao largo
onde o mundo arde em penas virtuais.
Mas tu não precisas de razões
para saber que nenhum cromado
polimento ilude a tua salitrada vocação
para a queda, desígnio que ombreia
com o tremendo rasgão do vento
desacoitando os óxidos embutidos à nascença.

Mesmo se tudo é cinza e passagem,
a ti, negro lázaro, que para uma segunda
morte hás-de nascer, oferto estes frutos
do fraco engenho, mudável reflexo
da vã alegria, fogo que ardesse
do princípio ao fim do mundo.
.............................José Luís Tavares
In, Lisbon Blues, S. Paulo, 2008

quinta-feira, 9 de abril de 2009

O silêncio de deus

Para os meus amigos italianos, em particular para todos os da cidade de Aquila e da região de Abruzzo, uma pequena (embora impotente) homenagem. Em nome de todos um poema "Enquanto o silêncio durar", traduzido pelo amigo Alberto Sismondini.

Mentre il silenzio perdura

Nel centro docile dell’attesa
cattedrali sanguinano gli occhi mordenti la calma.
E l’olio e il vino, sciolsero
il seme in bozzoli dorati, che
gli alberi fendettero.
Il corpo, lo divorano i metalli incendiati
nella danza dei polmoni, che bambini
rinnegarono nell’eclissi.
Forse nel marmo calcificato di promesse
l’orto si purifichi, cercando nel candore
della luce, il puro tatto dei suoni.
E l’uomo strazia il respiro, lapidato nella
saliva delle unghie, dove uccellini volano tra le dita
curvate sul volto di acacie.
Nel sale di questo pianto, l’apprendista segreto
di sogni e luce.
Su queste vetrate dal veder passar
le parole, dalla polvere che si scuote,
accetto il silenzio come un amante.
............................................... João Rasteiro
In, Antologia Poesie Sulle Piastrelle - Zacem, 2001
----------(Tradução: Alberto Sismondini)
...................................Pavarotti - Ave Maria (Schubert)

Poema em português:

http://alapidacaodasilaba.blogspot.com/search/label/Poesia%20de%20Jo%C3%A3o%20Rasteiro%20-%20Italiano

segunda-feira, 6 de abril de 2009

GALA(N)TE(I)A



.......................RAFAEL (n. 6/04/1483 - m. 6/04/1520) - "Galatea"
XIV
.tal como os fungos dos poços de jerusalém a memória sagrada das tábuas é uma crisálida indecisa que se perdeu para sempre no fundo inóspito do próprio ventre de bunho. e parte larva parte meretriz chegaram os novos seres para talhar as cidades em metálicos e encorpados pulmões de cobre. alguns homens que já só rastejam como as ofídias percorrem as cisternas em noites de lua cheia. o violento delírio de se verem reflectidos nos olhos da água. sob o nenúfar as suas escamas repousarão desinquietas pela última miragem. a outra face do pai que tecia argênteas teias de melancolia. é preciso recordar as prefigurações das trevas para se acolherem as metamorfoses. a benévola carícia. a ressurreição hodierna das crias. o eco colorido.
...........................................João Rasteiro
...........L. Pavaroti, J. Carreras, P. Domingo - "Maria, Mari"

quarta-feira, 1 de abril de 2009

LIBERDADE

A obra de Agostinho da Silva estará em debate na sexta-feira no colóquio "O Legado de Agostinho da Silva: quinze anos após a sua morte" organizado pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL) e em que participarão, entre outros, Adriano Moreira e António Braz Teixeira. Organizado pelo Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa e pela Associação Agostinho da Silva, o colóquio tem agendadas diversas sessões ligadas aos estudos desenvolvidos pelo filósofo. Renato Epifânio, docente do Departamento de Filosofia da FLUL, parte da Direcção da Associação Agostinho da Silva e um dos organizadores do colóquio, reconheceu à Lusa a dificuldade em centrar o legado de Agostinho da Silva "num só campo". "Agostinho da Silva teve um pensamento complexo com múltiplas facetas", refere. Numa visão "mais pessoal", o docente descreve o "sentido de uma consciência lusófona" como o legado maior deixado pelos estudos de Agostinho da Silva, particularmente no que refere ao seu impacto enquanto "um dos mentores da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa)". Agostinho da Silva, referenciado como um dos principais intelectuais portugueses do século XX, nasceu no Porto em 1906, tendo vindo a falecer em Lisboa em 1994, aos 88 anos de idade. O colóquio decorre a partir das 10h00 no Anfiteatro I da FLUL e terá ao longo do dia participações de Adriano Moreira, António Braz Teixeira, Paulo Borges e Manuel Ferreira Patrício, entre outros. - (Público Online)

Agostinho da Silva (n.13/2/1906; m.3/04/1994), filósofo, poeta e ensaísta português, é tido por muitos como o nome mais importante da segunda metade do século XX em Portugal - a primeira metade foi mesmo de Fernando Pessoa. Como referiu Romana Valente Pinho, "a idéia agostiniana de um homem em busca de seu próprio sentido e do sentido dos outros – sejam transcendentes ou não-, um “eu” que só é pleno e completo na e pela relação com o outro e disto, da consciência do “eu” através do “outro” (...) Desta “dialética das consciências” conclui-se que não vale a pena separar-se dos outros, pois tal cisão é a quebra do próprio ser. Em outras palavras, não há dialética das consciências sem pluralidade. E como afirmou o próprio Agostinho da Silva, "Do que você precisa, acima de tudo, é de se não lembrar do que eu lhe disse; nunca pense por mim, pense sempre por você; fique certo de que mais valem todos os erros se forem cometidos segundo o que pensou e decidiu do que todos os acertos, se eles foram meus, não são seus. Se o criador o tivesse querido juntar muito a mim não teríamos talvez dois corpos distintos ou duas cabeças também distintas". Um homem e essencialmente uma obra que Portugal tem de redescobrir e não deixar esquecer nos bosques da mediocridade que cada vez mais alastra e nos penetra. De mestre Agostinho da Silva, um poema:

Algum dia

Algum dia um novo Papa

anunciará altivo

que Deus é raiz quadradade

um quantum negativo

*
e o Deus que tanto procuro

em que atingido me afundo

é aquele ser-não-ser

do que acontece no mundo

*
da matéria mais que densa

é que é divertido ser

ali se nada acontece

tudo pode acontecer.

NEY MATOGROSSO - Balada do louco

http://ebicuba.drealentejo.pt/ebicuba/jornal/jornal08/pagina-personalidades/agostinho_da_silva.htm

http://joseeduardolopes.tripod.com/id28.html