domingo, 28 de março de 2010

GEOGRAFIAS

Na passada quinta-feira, 25/3/10, a Comunidade de Leitores Almedina, dirigida pela Prof Dra. Ana Paula Arnaut, recebeu o escritor (para mim, essencialmente amigo e poeta) Luís Carlos Patraquim. Na sessão dirigida pelo especialista em literatura africana da Universidade de Coimbra, Prof. Dr. Pires Laranjeira (FLUC), a conversa que se desenrolou à volta do percurso da experiência no jornalismo, cinema, teatro, política, até à poesia, a conversa decorreu de forma absolutamente deliciosa e participativa, essencialmente por parte dos estudantes Erasmus que assistiram à sessão.
Ficou-se também a saber uma pequena inconfidência, Luís Carlos Patraquim vai publicar brevemente o seu primeiro romance, embora ele prefira chamar-lhe um cruzamento de romance-novela. A única garantia, será a existência de uma grande paródia e profunda ironia à volta do percurso da personagem principal do romance.
Luís Carlos Patraquim é sem dúvida, depois de Rui Knopfli, Alberto de Lacerda, Sebastião Alba e José Craveirinha, provavelmente o maior poeta moçambicano, tendo contribuído decisivamente para uma viragem na poesia moçambicana (e africana em geral), encerrando o chamado período militante da poesia (aliás, terá sido essa vontade de viragem que lhe veio a trazer alguns problemas, quer no seio político-social, mas também no seio literário moçambicano pós-independência.
Como afirma Pedro Mexia, Luís Carlos Patraquim possui hoje "uma arte poética bem calibrada, capaz de escrever poemas curtos muito expressivos e quase expressionistas, verbalmente densos e imprevisíveis, com uma aposta imagística eficaz. São poemas a que podemos aceder apenas pela sua força verbal, estribada também numa repetição quase ritualística e num sentido rítmico notável".
Para além de poesia inédita (que já tive o prazer de ouvir) e que mostra cada vez mais o poeta que hoje é Luís Carlos Patraquim, aguardemos então com expectativa essa primeira narrativa.
Da colectânea editada em 2009, "Pneuma", dois poemas de Luís Carlos Patraquim:
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AL-GHARB
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Pelo lagar da noite
Estremecem as amendoeiras
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Corre no ar um tropel furtivo
Seus panos de azeite
E madeixas de sangue na corola
Das mulheres
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Ela só lívida de azul e oiro
Ave do mundo
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E a mãe diurna
Boca a boca multiplicada.
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COLAGEM
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Uma girafa com búzios
ao pescoço
os lábios nos ramos altos
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Rilham
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E os espinhos macerados
Concedem à savana
O dorso crepuscular
Em que se fecha
.........................[in Pneuma, Caminho, 2009]

quinta-feira, 25 de março de 2010

ROTAS

...............The Cabo Mondego Section of Portuguese Surrealism
ZEN

A sombra segue o corpo
condenado a viajar.
Terás a minha pele
Terás a minha carne
Terás os meus ossos.
Mas o último guardou silêncio
Terás a minha medula - disse -
Com o pó do caminho
A mão sustinha uma sandália.
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PERICLES ANASTASIADES, circa 1895
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Vagos, são já, os rostos do seu rosto
vaga, também, a forma das suas mãos
longe, está, o seu alento da minha boca
a sua pequena estatura
os seus quinze anos
Apenas um ontem ocupa a minha memória
o nosso pequeno amor
o nosso pequeno mês
à dez luas atrás.
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De repente
na madrugada
os seus olhos, de púrpura vestidos,
os seus lábios
lábios de um amor apressado
os seus cumpridos braços
braços de inolvidável robustez
aparecem
Quanto perdi bom Deus!
Quanto perdi!
.............Harold Alvarado Tenorio
..............................(Tradução: João Rasteiro)

domingo, 21 de março de 2010

21 de Março

escrevo-te a sentir tudo isto
....................Ao V. de S.

Habito nestes livros de poesia por engano,
eu não pertenço à floresta
onde se inventou o fogo
e se troça dos deuses obscuros
domesticando a sílaba dos cavalos
nocturnos
que enrolam as líticas patas do bronze
para além da boca das chuvas,


nada mais desfruto do que a cabeça do tempo,
aí cavo a lucidez dos olhos
da meretriz dos rumores sangrentos
a finitude visceral na injunção do gáudio
em que as mães se extinguem
consanguíneas
sob a abismada ortografia da água
tragando o contágio dos precipícios,


enxerga como o coração fica sombrio e áspero,
o insaciável tacto da separação fervilha
entre livros e coração
o leilão do amor que apazigua a aporia da dor
buscando outra flor outra memória
inominável
a acerba tinta, sangue e corpo
entre formas vulgares e distintas de amar,


e não podendo guardar todas as promessas
sacrificar-me-ei como o cordeiro
em base de alabastro sagrado
com meus ais de guelras inclinadas
sob a inexequível amplitude do verbo
entre a metáfora do relâmpago,


pois livros e mães jazerão então inaudíveis
em sua feroz melancolia
tresmalhados nos seios da tempestade
como sulfurosa fragrância de infindas concubinas.
..........................................João Rasteiro - 2010

quinta-feira, 18 de março de 2010

DESTINOS

“Mutação”
1.
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O homem recosta a garganta
nas imagens da astúcia
numa ferocidade própria dos sons e dos sopros
um mergulho no fluído da luz
que possa conceder o privilégio de profanar
o templo das máscaras oblíquas
a boca cheia de corpo
onde o coração se consome agachado e devagar
uma sincera cegueira
desde a respiração palpitante entre as bocas
e as guelras onde levita a carne.
.....................In, A Respiração das Vértebras, 2001

sábado, 13 de março de 2010

"É Nosso o Solo Sagrada da Terra"

Faleceu recentemente (n. 30/04/1926 - m. 09/03/2010) em Luanda, a poeta Alda Espírito Santo, aquela que no entender de alguns, terá sido a figura mais materna - por isso tão solidária e carismática - do movimento emancipador contra a opressão colonial nas possessões africanas portuguesas.
Alda Espírito Santo foi um dos esteios da implantação do ensejo da "reafricanização dos espíritos", como dizia o seu camarada Amílcar Cabral quando ambos fundaram em Lisboa, com Mário Pinto de Andrade, Francisco José Tenreiro, Marcelino dos Santos e outros, o CEA-Centro de Estudos Africanos, que conjuntamente com a Casa dos Estudantes do Império, se transformou num instrumento de formação das jovens consciências que se foram emancipando no início da década de 50.
"Perde a literatura de língua portuguesa uma grande figura e perdemos todos no campo dos afectos", afirmou o escritor angolano Pepetela, quando soube da sua morte. Pepetela recorda a autora do hino nacional de São Tomé como alguém que "através da sua poesia" soube "apontar o caminho aos mais novos": "O caminho da luta, da dignidade dos povos, da independência." Depois de publicar O Jogral das Ilhas, em 1976, editou em 1978 É Nosso o Solo Sagrado da Terra, o seu trabalho mais importante. "A sua poesia teve importância em todo o movimento anticolonial e em todos os países de expressão portuguesa", recordou o poeta Manuel Alegre.
Para além de ter nascido, vivido e morrido poeta, foi ainda Ministra da Informação e Cultura e Ministra da Educação e Cultura de S. Tomé e Príncipe, e presidente da Assembleia Nacional. Exerceu o cargo de presidente da União Nacional dos Escritores e Artistas de São Tomé e Príncipe, em acumulação com a presidência do Fórum da Mulher. Dela escreveu a sua conterrânea e também poetisa Conceição Lima, num texto recente na revista África 21: “Alda Espírito Santo é igual à transparência da casa que a habita, a casa que nos habita. Pelos nomes próprios nos distingue e nos chama".
Como referiu ainda Pepetela, "a Alda Espírito Santo foi, num determinado momento (anterior às independências dos países de língua portuguesa), das poucas pessoas que já sabia o caminho a seguir, porque, sobretudo através da poesia, ia indicando aos mais novos qual era o caminho, o caminho da luta, da dignidade dos povos, da independência".
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Ilha nua
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Coqueiros e palmares da Terra Natal
Mar azul das ilhas perdidas na conjuntura dos séculos
Vegetação densa no horizonte imenso dos nossos sonhos.
Verdura, oceano, calor tropical
Gritando a sede imensa do salgado mar
No deserto paradoxal das praias humanas
Sedentas de espaço e de vida
Nos cantos amargos do ossobô1
Anunciando o cair das chuvas
Varrendo de rijo a terra calcinada
Saturada do calor ardente
Mas faminta da irradiação humana
Ilhas paradoxais do Sul do Sará
Os desertos humanos clamam
Na floresta virgem
Dos teus destinos sem planuras...
.............................Alda Espírito Santo
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quarta-feira, 10 de março de 2010

A Pólis

Maria Helena da Rocha Pereira foi a grande vencedora do prémio Vida Literária da Associação Portuguesa de Escritores/Caixa Geral de Depósitos.
O galardão no valor de 25 mil euros foi atribuído, como referiu o júri, essencialmente tendo em conta o mérito da premiada.
Maria Helena da Rocha Pereira é sem dúvida a maior especialista portuguesa em estudos clássicos (cultura grega e latina) e inclusive, um dos grandes nomes em todo o mundo na área da cultura clássica.
"A sua obra conta com mais de trezentos títulos, entre traduções, monografias e artigos enciclopédicos. É particularmente conhecida pela obra Estudos de História da Cultura Clássica (dois volumes), obra adoptada em Portugal nas licenciaturas da área da literatura e da história. Foi também autora de uma obra sobre os vasos gregos em Portugal, um dos seus campos de estudo. Publicou livros sobre autores clássicos, em especial sobre os gregos Platão, Anacreonte, Píndaro e Pausânias" (in, wikipédia).
Não me esqueço das obras Hélade e Estudos de História da Cultura Clássica (entre os estudantes, o célebre "tijolo") que devorei precisamente na cadeira de História da Cultura Clássica, regida pelo Prof. José Ribeiro Ferreira.
Tendo sido a primeira mulher a doutorar-se na Universidade de Coimbra, veio a solidificar uma trajectória ímpar ao serviço da Universidade e da Cultura Portuguesa, sendo hoje uma das grandes figuras da cultura portuguesa e europeia.
Maria Helena da Rocha Pereira é de facto a “Grande mestra dos estudos gregos e latinos”, tal como referiu Eduardo Lourenço.
Seguem-se algumas traduções de Maria Helena da Rocha Pereira:
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Safo - fr.55 LP
Quando morreres, hás-de jazer sem que haja no futuro
Memória de ti nem saudade. É que não tiveste parte
Nas rosas de Piéria. Invisível, andarás a esvoaçar
No Hades, entre os mortos impotentes.
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Anacreonte Fr.96 D
Não gosto de quem, bebendo vinho junto do crater repleto,
Canta dissensões e guerras cheias de lágrimas,
Mas de quem, misturando das Musas e de Afrodite os dons
esplendorosos,
Celebra a amável alegria.
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Safo- fr. 2 L-P
Há um murmúrio de águas frescas, através
dos ramos das macieiras, as rosas ensobram
todo o solo, e das folhas trémulasescorre o sonho.
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Safo - fr.55 LP
Quando morreres, hás-de jazer sem que haja no futuro
Memória de ti nem saudade. É que não tiveste parte
Nas rosas de Piéria. Invisível, andarás a esvoaçar
No Hades, entre os mortos impotentes.
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Arquíloco - Fr.30W
Deleitava-se se tinha um ramo de mirto
ou a bela flor da rosa.
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Íbico - Fr.22b Page
Quando a gloriosa, insomne madrugada desperta os rouxinóis...
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domingo, 7 de março de 2010

Destinos

Com a morte, também o amor
.........................................Ao valter hugo mãe
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Um dia o excelso dilúvio do sangue
queimará a noite, também os livros
jazerão sós sob as túnicas de Istambul,
com a morte, também o amor devia
acabar
– num único e violento segredo.
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A melancolia esvoaçará dos orifícios
expiando a culpa, as criaturas cinzentas
comover-se-ão pelo calor do tacto,
perecerão sozinhas - como a sua progénie.
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E haverá a celebração dos precipícios
urdindo o beneplácito das heras, pois a flor
é um corpo excessivamente fresco e mortal,
o sangue, na primavera, é mais vermelho
que o barro nu – a terra é um lírio dobrado.
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Porque amor e morte têm existência própria
convertem-se, mas os seus monstros subsistem
e subsistirão recolhidos à agonia do tempo
amando-se pelo ventre - até ao fim do mundo.
...................................................João Rasteiro

terça-feira, 2 de março de 2010

ROTAS

Amanhã, 03 de Março de 2010, pelas 18h30 no TAGV (Teatro Académico de Gil Vicente), no âmbito da XII Semana Cultural da Universidade de Coimbra, serão lançados os nºs 13 e 14 da Revista OFICINA de POESIA.
Conjuntamente com os membros da Oficina de Poesia (onde me incluo), lerão os poetas Anna Reckin (Inglaterra) e John Mateer (África do Sul/Austrália). Estes poetas, encontram-se actualmente no programa Poetas em Residência da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (protocolo com a Câmara Municipal de Idanha-a-Nova).
Refira-se que ambos efectuarão uma nova leitura no próximo sábado na FNAC do Fórum Coimbra, pelas 16h00, integrados nos eventos mensais que a Oficina de Poesia efectua na FNAC/Coimbra.
Já agora, não esquecer no mesmo local pelas 17h00, o lançamento do novo livro do amigo valter hugo mãe, "A máquina de fazer espanhóis". Apareçam por lá, amanhã e sábado, serão momentos bem passados.