sábado, 25 de junho de 2011

ROTA IMPRESCINDÍVEL

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""Vivemos num momento em que a sociedade iluminista ( aqui uma referência e um cinismo) perde sua maior conquista: o controle e a racionalidade sobre as emoções - e também a decadência e o inicio de uma crise nas instituições humanas e seus símbolos. Nota-se isto, por exemplo, no crescimento da violência em nosso país e mundo, e vindo disto a discussão dos valores humanos e a busca por uma solução. Neste momento de grande violência vozes e mais vozes levantam-se na poeira pedindo Paz! Paz pedida aos governos e seus representantes, paz pedida às famílias, Paz gritante e clamorosa, paz supliciada e vinda da dor de muitos. Recentemente, vivenciamos - ou, assistimos -, ao massacre ocorrido numa escola municipal do estado do Rio de Janeiro, no bairro de Realengo. A dor vista, a dor sentida, a dor sufocante, levou a muitas vozes se unirem e pedirem paz vinda da dor humana sentida diante da barbárie feita por aquele jovem, outra vitima e por sua vez um assassino. Desta dor compartilhada surgiu o projecto "REALENGO POETAS PEDEM PAZ", uma antologia criada em homenagem às vitimas e suas famílias. O projecto feito em parceria com o site Germina e o escritor Mariel Reis convocou poetas no Brasil e no Mundo para darem suas vozes em favor da Paz. Recebemos mais de 50 poemas, em sua maioria do Brasil, e outros do Japão e Portugal, o que nos deixou felizes e reflexivos  de que a empatia é um sentimento que leva a uma acção, de fato, profundamente transformadora.  Este projecto hoje se realiza com a publicação no site Germina como uma edição extraordinária (os links seguem abaixo).  Como autor do projecto, dedico a antologia a meu filho Ângelo e minha mulher, - pois foi a lembrança deles, quando presenciei tal calamidade, a decidir por essa acção - e às famílias do massacre de Realengo. A todos que recebem este email, peço que divulgue esta homenagem e se usem de suas vozes para pedir Paz." - (Anderson Fonseca).
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Eu contribuí para esta antologia, mas essencialmente para este propósito - PAZ -, com o poema "É urgente o amor", que foi ligeiramente modificado, ele que já tem alguns aninhos e que "bebe" nesse grande poeta português que se chama António Ramos Rosa. Que todos, nem que seja através desta aparente e inútil voz da poesia, consigamos contribuir um pouco para esse desígnio absolutamente imprescindível a este nosso belo planeta: a PAZ!
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             É urgente o amor
               Amor é fogo que arde sem se ver
                              Luís de Camões


O amor ferve de uma ferida exangue
de foles de corpos frescos
de caminhos e sonhos dilatados
de vertigem de ser só sede
de espaços que se tornam pele
de palavras de gume branco,
o rumor azul.


Há amor carregado de sol e águas cegas
e há amores como lágrimas fulgurantes
como um eco de um princípio inacessível.


O amor vem de corações fragmentados
de um sabor para além de tudo
de uma disseminação de vozes
de bocas e fogo unido à terra
de uma força feroz na paz dos pulmões
de torres de sílex negro,
animais insólitos.


Há amor aberto de imensas pedras cruas
e há amores entre a parede e o silêncio
como linhas paralelas de pequenos círculos.


O amor forma cúpulas diáfanas
de livros ilegíveis na sombra
de arcos sob grandes gargantas ocultas
de um corpo côncavo em luz
de um tempo concreto no respirar do verbo
de profunda ausência das raízes,
a chama da terra.


O amor dilata-se e dilata-nos de veias ateadas,
invoca e insufla a pele sagrada de sal aceso na água,
é serpente que morde a própria cauda diurna,
dilacera palavras nuas por outras palavras desnudas,


mas, não se pode adiar mais o amor indivisível
que rasga o mundo feérico na dobra aberta dos dedos,
eles, íngremes no cintilante jade onde nasceu a magnólia.


Não se pode adiar mais o coração do amor primordial
que acende o tempo no lume venerável das pirâmides,
essa nudez de memória álgida que nos aflora a boca,
estremecendo de melancolia os corpos inóspitos de Deus,


a conciliação do corpo e da sílaba, desfraldada em sua haste.
                                            João Rasteiro
                                                                                                 

http://www.germinaliteratura.com.br/especialrealengo/realengo_poemas5.htm
http://www.germinaliteratura.com.br/especialrealengo/realengo_capa.htm

sábado, 18 de junho de 2011

SÍLABAS SAGRADAS




LAURA

ninguém te sonha o oiro do cabelo
na tela da manhã à beira-rio
impúbere ninfazinha o tornozelo
mostrando por extremo desfastio.

doente um só poeta te veria
excelsa proibida a seu desejo
descalça caminhando em fantasia
por nuvens a encobrir o próprio pejo.

os sinos de Florença dobrariam
e quatro carpideiras ergueriam
ao toque dos varais o seu lamento.

ideia te tornavas afinal
deitada numa taça de cristal
espírito abraçado pelo vento.
...........................Tiago Veiga


sexta-feira, 10 de junho de 2011

Poesia, Saudade da Prosa


Neste "Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas", refira-se que, para comemorar e testificar a atribuição do "Prémio Camões" 2011 a Manuel António Pina, foi recentemente editado e apresentado pela "Assírio & Alvim" o seu mais recente livro, «Poesia, Saudade da Prosa — uma antologia pessoal». 
Aliás, como referiu Manuel Rosa, editor da Assírio & Alvim, esta, "é uma selecção que ele fez sobre os poemas de sua autoria que considera mais marcantes. São apenas 80 páginas mas permitem um olhar bastante profundo sobre o seu universo poético". 
Este é sem dúvida um excelente volume (auto)antológico da sua obra poética. Prémio merecido, livro a merecer ser lido, Manuel António Pina a merecer ser cada vez mais relido.

A um jovem poeta

Procura a rosa.
Onde ela estiver
estás tu fora
de ti. Procura-a em prosa, pode ser

que em prosa ela floresça
ainda, sob tanta
metáfora; pode ser, e que quando
nela te vires te reconheças

como diante de uma infância
inicial não embaciada
de nenhuma palavra
e nenhuma lembrança.

Talvez possas então
escrever sem porquê.
evidência de novo da Razão
e passagem para o que não se vê
..........................Manuel António Pina


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http://pt.wikipedia.org/wiki/Manuel_Ant%C3%B3nio_Pina

http://www.snpcultura.org/poesia_saudade_da_prosa_manuel_antonio_pina.html

http://assirioealvim.blogspot.com/search/label/Manuel%20Ant%C3%B3nio%20Pina

sábado, 4 de junho de 2011

No coração dos livros

Hoje, 04 de Junho de 2011 estarei pelas 16h30 na inauguração das novas instalações da livraria alfarrabista Miguel Carvalho. Este novo espaço do Miguel [também poeta, artista plástico e o principal dinamizador do Grupo Cabo Mondego Section of Portuguese Surrealism] é sem dúvida extraordinariamente apelativo, não só pelo conteúdo [uma imensidão de livros e manuscritos raros], mas sobretudo, pelo seu design interior e a sensibilidade com que o Miguel relaciona os livros com outras obras de arte e sua disposição interior.
Neste seu novo espaço, situado no Adro de Baixo (junto à praça do comércio) em coimbra, será então celebrada esta inauguração com um momento musical por Álvaro Aroso (guitarra portuguesa), Eduardo Aroso (viola de acompanhamento) e Hugo Aroso (viola de acompanhamento) e  com um momento de poesia do poeta João Rasteiro. Haverá ainda uma exposição de pintura do artista plástico Seixas Peixoto.
Em baixo, um dos poemas que lerei [mais concretamente o meu último poema, de homenagem ao Manuel António Pina, nosso Prémio Camões 2011] que se intitula "A falua do desejo":
A falua do desejo
                     Ao Manuel António Pina


Ousar pensar uma árvore de poemas
é olhá-la e pressenti-la pelo ângulo do anseio
que nos estende os tentáculos,


é comer um corpo
até a boca ficar em chagas maduras
saber-lhe sem limites obscuros
o ocluso estertor do coração
ou a desmedida voltagem do voo do rouxinol
em núbil e puro eclipse,

é beber água e sangue
na paridade dos líquenes e da utopia 
um só tempo uma lembrança
até que a flor em sua triste alegria recomece
nas primeiras gramáticas da aurora
em sua falua de abóbadas abertas ao desejo.

Não brotará e morrerá mais sublime fruto
em mundos de sedutoras abaúlas
do que a demoníaca sílaba
cantando sob a lua a idade dos jovens deuses
que tem raízes de abismos
na melancolia inexpugnável da matéria de um poema.
                                              João Rasteiro