(POESIA,LITERATURA e a CULTURA em geral)»»»»»»»»»»»»»»»»
"Só existe o tempo único.
Só existe o Deus único.
Só existe a promessa única,
e da sua chama
e das margens da página todos se incendeiam.
Só existe a página única,
o resto fica,
em cinzas. Só existem
o continente único, o mar único –
entrando pelas fendas, batendo, rebentando
correndo de lado a lado".
__________ Robert Duncan
O júri dos Prémios de Revelação APE/Guimarães Editores – 2008, constituído por Ana Marques Gastão, Miguel Real e Serafina Martins, deliberou, por unanimidade, não premiar nenhum dos trabalhos inéditos concorrentes, nas modalidades de Poesia e de Ensaio Literário.
Neste júri, onde apenas "temos" uma poeta, o mesmo entendeu não existir qualidade, ou a sua exigência de poesia (de leitura, não de escrita!!!) para atribuir o prémio Revelação APE/Guimarães Editores é muito grande. Coisas da Poesia, da APE, ou até da Guimarães Editores?
Assim, publico o poema de Ângela Canez, uma jovem poeta (sem livro publicado) que integra a "OFICINA de POESIA da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
.
perdidamente o rastro
.
perdidamente o rastro o que fica da ausência rasgada nos aquedutos na pele voltada à estéril lembrança de mulheres que caminham sobre as águas e não se afundam não tornam a amanhecer nem se consomem nas chamas porque é tarde. demais e acrescentam à vida uma réstia de silêncio. pouco mais uma réstia de artefactos objectos comuns para violentar a dor o que dói e fica e alastra e é ainda maior porque anoitece no quarto vazio onde já não vivem nem se abrigam da chuva que os homens plantam ou fazem cair na memória baixinho. assim inteira retirando aos poucos o acaso o vazio que é e aumenta a certeza de que ninguém virá lá onde o corpo dói e funda e aumenta e afunda um pouco mais. porque é tarde e já deviam ter voltado da incursão ao centro das águas. dos corpos depostos onde já não dormem ninguém vive onde já não se vive .............fartos de lembrar
Se alguma vez tivesses que aguardar entre fio e tecidos, não sejas Penélope que tece e destece os bordados assim que anoitece. Ulisses não existe, foi verso fugidio.
Se alguma vez tivesses que aguardar entre fio e tecidos, não sejas Ariadna que oferece sair do labirinto mortal a quem a esquece. Teseo não existe, só sobra o desafio.
Se alguma vez eu tiver de partir como Odiseo prefiro voltar sempre vencido a Compostela. Não me importa a derrota se tu me identificas.
Se alguma vez eu tiver de marchar como Teseo não há-de ser Artemisa fluxo do meu Sarela. Não me importa ser lama se tu me purificas. ............................................MIRO VILLAR In,EQUINOCCIO DE PRIMAVERA(Tradução: João Rasteiro)
No início de 2010 este "Aula de Poesia" é já uma das agradáveis surpresas literárias, nomeadamente no que à poesia/poetas diz respeito. Eduardo Pitta, embora talvez de forma mais ligeira, que não aligeirada, do que em "Metal Fundente" de 2004, traz-nos estas excelentes crónicas sobre, entre outros: Eugénio de Andrade * Adília Lopes * Camilo Pessanha * Judith Teixeira * Jorge de Sena * Manuel Gusmão * Joaquim Manuel de Magalhães * Carlos Drummond de Andrade * Manuel de Freitas * Carlos de Oliveira * Gonçalo M. Tavares * Rui Knopfli * Fernando assis Pacheco * Mário Cesariny * Sophia de Mello Breyner * Herberto Helder * VGM * António Botto * Cesário Verde», para além de alguns períodos e livros/antologias marcantes da poesia portuguesa.
Sendo certo que Eduardo Pitta já nos habituou, ao nível da crítica, ensaio ou recensão crítica, não só através dos livros, do blogue "Da Literatura", mas essencialmente através da regular colaboração em revistas e jornais, à forma acutilante, objectiva e incisiva com que se pronuncia, e apesar de muitos destes autores já terem em outras ocasiões sido alvo da sua análise, esta "Aula de Poesia" é sem dúvida um livro que merece uma leitura imediata e de um só fôlego (até porque a escrita que nos apresenta e a forma curta das crónicas, assim o pede e permite).
De um dos poetas que Eduardo Pitta nos fala, Manuel de Freitas, o poema: "Quando sós à boleia do crepúsculo"
. Quando sós à boleia do crepúsculo
Não mais a literatura, os seus fúteis e imperiosos desígnios - julgamos dizer, insistindo numa ourivesaria do terror e em gestos que sabem o quanto chegam tarde. Quando sós, à boleia do crepúsculo, dizemos coisas assim, mentimos com os dentes todos que não temos.
E a mentira (a literatura) é ainda a improvável derrota de que não nos salvaremos nunca. Tão igual à vida, portanto: pouso o copo, recupero o fôlego, fumo uma silepse. Sei que vou morrer.
E isso que - talvez - nos diz é uma evidência que escurece (tivemos por amigo o desconforto).
Quanto ao mais, vamos andando. Casados ou sozinhos. Mortos.
Miguel Torga, pseudónimo de Adolfo Correia Rocha, (São Martinho de Anta, 12/08/1907 — Coimbra, 17/01/1995) foi um dos mais importantes escritores portugueses do século XX e da literatura portuguesa em geral.
Elegia do esquecimento
..................................Ao Miguel Torga
Não te conhecerá a víbora ou as oliveiras nem os cães e os escorpiões da tua carne nem as renovadas crias ou a sílaba álgida.
Não te conhecerá a fêmea nem a aurora porque como cometa fulminante já só és pó.
Não te conhecerá o dorso da argila viva nem o linho onde assentou o sangue aceso nem a memória mutilada da primeira labareda.
A memória é espessa de sangue nas arestas e até ao gume só homens da torre de Babel.
As trovoadas em breve cantarão as chuvas o pó subirá às árvores abrigar-se-á nos lúzios a noite onde te habituarás a fruir a única noite.
O espaço em que se finge ter tido um destino as constelações palpáveis dos dias dos animais.
Não te recordará ninguém nas pérfidas vozes como todos os mortos que se olvidam perdoados entre as vísceras orgulhosas de abutres apagados.
Em ti começa o descanso dos odoríficos pomares onde as candeias resguardam o silêncio indecifrável.
Minha ânsia de voz está diante de tua voz possessa mesmo que não trespasse as lascas da minha garganta a nua saliva sobre a terra dos inundáveis actos de deus.
Está diante de ti no esquecimento que embevece o sonho de que as palavras vivas ainda bordam um coração outro.
Os poetas dormem, o esquecimento é um bálsamo sagrado, e toda a ilusão é cruel porque se dilui voz na musa herdada. ......................João Rasteiro(In, Comemorações Miguel Torga 2005-2007, CMC, 2008)
Fulmina-me, atravessa o meu corpo com as tuas lâminas o amor não és tu, nunca o serás no mundo das rupturas! Não te compadeças de mim, escuta o meu desafio justo que vai subindo irado no reverso corpóreo das bocas, olha-me nos olhos húmidos dos cães raivosos de frechas.
Ao pé do teu divino reflexo a tua covarde indiferença, olha estas incisões esquivas como monstros em chamas entre as cidades invisíveis e a morte discerne da sílaba.
Já contra a carne para embeber as tuas dúvidas, a loucura, a mentira, a injúria, vozes num espaço opaco, cuja traição só tu serias capaz de moldar como tributo em todos nós - digo que todo o teu santo nome é repudiado sob as algas.
Se as tuas generosas dádivas se fincassem como ofício puro a tua memória seria amaldiçoada esconjurada entre o pó como um eco, pesadelo longínquo dos homens primitivos.
Ergue-se por fim a nuvem a melancolia intangível do verbo a hegemonia transitória da sombra que te oculta dos mortos. E agora é o aperto dos dedos que abatidos se acorrentam.
A pedra está dobrada sobre si mesma, transbordante de luz como se desabrochasse nos abismos profusos da cegueira.
Quero emergir sob a glória da minha guerra. Mas a pedra está despida por dentro, o coração – então morrerei solitário. ...........................João Rasteiro (In, "O Búzio de Istambul") ......................................"O HAITI"-Caetano Veloso
Uma década é muito tempo para emergirem das entranhas do caos, e do tempo, infinitos livros de poesia. Em muitos deles, só um poema já valerá todo o livro, por isso, a dificuldade da escolha. Apesar disso, os meus livros de poesia da década em Portugal, são os seguintes:
A Respiração das Vértebras, 2001, João Rasteiro(**)
.
No Centro do Arco, 2003, João Rasteiro
.
Os Cílios Maternos, 2005, João Rasteiro .
O Búzio de Istambul, 2008, João Rasteiro
.
Pedro e Inês, ou As Madrugadas Esculpidas, 2009, João Rasteiro
.
A Faca Não Corta o Fogo - Súmula & Inédita, 2008, Herberto Helder
.
Migrações de Fogo, 2004, Manuel Gusmão
Poesia, 2003, Daniel Faria
.
ROSA do MUNDO, 2001 Poemas para o futuro, 2001, Assírio & Alvim (Direcção Editorial de Manuel Hermínio Martinho).
Anos 90 e Agora, 2001, Selecção/organização de Jorge Reis-Sá
.
BIOGRAFIA, 2000, José Agostinho Baptista
.
Ofício Cantante - Poesia Completa, 2009, Herberto Helder
.
Obra Breve - Poesia Reunida, 2006, Fiama Hasse Pais Brandão
.
Uma Grande Razão - Os poemas maiores, 2007, Mário Cesariny
.
Antes que o Rio Seque - poesia reunida, 2006, A.M. Pires Cabral
.
DOBRA, 2009, Adília Lopes
.
Antecedentes Criminais (Antologia Pessoal 1982-2007), 2007, Amadeu Baptista
.
Século de Oiro, Antologia de Poesia Portuguesa do século XX, 2002, Organização de Osvaldo Manuel Silvestre e Pedro Serra
.
Portuguesia, Contraantologia, 2009, Selecção/Organização de Wilmar Silva(*)
.
Poemas Portugueses – Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI, 2009, Seleção/Organização de Jorge Reis-Sá e Rui Lage
NOTA:
(*) - Livro lançado em primeira mão em Portugal, mas não editado em Portugal, apenas o foi no Brasil.
(**) - Os primeiros cinco livros da lista, indiscutivelmente "os meus livros", terão retirado da lista outros cinco livros, inclusive alguns, de autores ainda jovens.
Já foi divulgada a lista das dez obras finalistas do Prémio Literário Casino da Póvoa, para a edição de 2010 do Correntes d’Escritas ( seleccionada pelo júri, constituído por Carlos Vaz Marques, Dulce Maria Cardoso, Fernando J.B. Martinho, Patrícia Reis e Vergílio Alberto Vieira), que irá decorrer entre 24 e 27 de Fevereiro:
A Eternidade e o Desejo, Inês Pedrosa, Dom Quixote
A Mão Esquerda de Deus, Pedro Almeida Vieira, Dom Quixote
A Sala Magenta, Mário de Carvalho, Caminho
Myra, Maria Velho da Costa, Assírio & Alvim
o apocalipse dos trabalhadores, valter hugo mãe, QuidNovi
O Cónego, A. M. Pires Cabral, Livros Cotovia
O Mundo, Juan José Millás, Planeta
O Verão Selvagem dos teus Olhos, Ana Teresa Pereira, Relógio D’Água