sábado, 30 de janeiro de 2010

DESTINOS

......................João Cutileiro ("Desenho 33*35")
O júri dos Prémios de Revelação APE/Guimarães Editores – 2008, constituído por Ana Marques Gastão, Miguel Real e Serafina Martins, deliberou, por unanimidade, não premiar nenhum dos trabalhos inéditos concorrentes, nas modalidades de Poesia e de Ensaio Literário.
Neste júri, onde apenas "temos" uma poeta, o mesmo entendeu não existir qualidade, ou a sua exigência de poesia (de leitura, não de escrita!!!) para atribuir o prémio Revelação APE/Guimarães Editores é muito grande. Coisas da Poesia, da APE, ou até da Guimarães Editores?
Assim, publico o poema de Ângela Canez, uma jovem poeta (sem livro publicado) que integra a "OFICINA de POESIA da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
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perdidamente o rastro
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perdidamente o rastro
o que fica da ausência rasgada nos aquedutos
na pele voltada à estéril lembrança
de mulheres que caminham sobre as águas
e não se afundam não tornam a amanhecer
nem se consomem nas chamas
porque é tarde. demais e acrescentam à vida
uma réstia de silêncio. pouco mais
uma réstia de artefactos objectos comuns
para violentar a dor o que dói e fica
e alastra e é ainda maior porque anoitece
no quarto vazio onde já não vivem
nem se abrigam da chuva
que os homens plantam ou fazem cair na memória
baixinho. assim inteira
retirando aos poucos o acaso
o vazio que é e aumenta a certeza de que ninguém virá
lá onde o corpo dói e funda
e aumenta e afunda um pouco mais. porque é tarde
e já deviam ter voltado da incursão
ao centro das águas. dos corpos depostos
onde já não dormem
ninguém vive
onde já não se vive
.............fartos de lembrar
..............................Ângela Canez
...............The Legendary Tiger Man - Route 66

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Espaço Sagrado

Negação de Ulisses e Teseo

Se alguma vez tivesses que aguardar entre fio
e tecidos, não sejas Penélope que tece
e destece os bordados assim que anoitece.
Ulisses não existe, foi verso fugidio.

Se alguma vez tivesses que aguardar entre fio
e tecidos, não sejas Ariadna que oferece
sair do labirinto mortal a quem a esquece.
Teseo não existe, só sobra o desafio.

Se alguma vez eu tiver de partir como Odiseo
prefiro voltar sempre vencido a Compostela.
Não me importa a derrota se tu me identificas.

Se alguma vez eu tiver de marchar como Teseo
não há-de ser Artemisa fluxo do meu Sarela.
Não me importa ser lama se tu me purificas.
............................................MIRO VILLAR
In, EQUINOCCIO DE PRIMAVERA (Tradução: João Rasteiro)


http://gl.wikipedia.org/wiki/Miro_Villar

sábado, 23 de janeiro de 2010

Espaço Sagrado

No início de 2010 este "Aula de Poesia" é já uma das agradáveis surpresas literárias, nomeadamente no que à poesia/poetas diz respeito. Eduardo Pitta, embora talvez de forma mais ligeira, que não aligeirada, do que em "Metal Fundente" de 2004, traz-nos estas excelentes crónicas sobre, entre outros: Eugénio de Andrade * Adília Lopes * Camilo Pessanha * Judith Teixeira * Jorge de Sena * Manuel Gusmão * Joaquim Manuel de Magalhães * Carlos Drummond de Andrade * Manuel de Freitas * Carlos de Oliveira * Gonçalo M. Tavares * Rui Knopfli * Fernando assis Pacheco * Mário Cesariny * Sophia de Mello Breyner * Herberto Helder * VGM * António Botto * Cesário Verde», para além de alguns períodos e livros/antologias marcantes da poesia portuguesa.
Sendo certo que Eduardo Pitta já nos habituou, ao nível da crítica, ensaio ou recensão crítica, não só através dos livros, do blogue "Da Literatura", mas essencialmente através da regular colaboração em revistas e jornais, à forma acutilante, objectiva e incisiva com que se pronuncia, e apesar de muitos destes autores já terem em outras ocasiões sido alvo da sua análise, esta "Aula de Poesia" é sem dúvida um livro que merece uma leitura imediata e de um só fôlego (até porque a escrita que nos apresenta e a forma curta das crónicas, assim o pede e permite).
De um dos poetas que Eduardo Pitta nos fala, Manuel de Freitas, o poema: "Quando sós à boleia do crepúsculo"
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Quando sós à boleia do crepúsculo

Não mais a literatura, os seus
fúteis e imperiosos desígnios
- julgamos dizer, insistindo
numa ourivesaria do terror
e em gestos que sabem o quanto
chegam tarde. Quando sós,
à boleia do crepúsculo, dizemos
coisas assim, mentimos com
os dentes todos que não temos.

E a mentira (a literatura)
é ainda a improvável derrota
de que não nos salvaremos
nunca. Tão igual à vida, portanto:
pouso o copo, recupero o fôlego,
fumo uma silepse. Sei que vou morrer.

E isso que - talvez - nos diz
é uma evidência que escurece
(tivemos por amigo o desconforto).

Quanto ao mais, vamos andando.
Casados ou sozinhos. Mortos.
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...........In, "SIC", Manuel de Freitas
...........................................................CARLOS PAREDES

http://www.eduardopitta.com/index.html

http://daliteratura.blogspot.com/

domingo, 17 de janeiro de 2010

ECOS

Miguel Torga, pseudónimo de Adolfo Correia Rocha, (São Martinho de Anta, 12/08/1907 — Coimbra, 17/01/1995) foi um dos mais importantes escritores portugueses do século XX e da literatura portuguesa em geral.


Elegia do esquecimento

..................................Ao Miguel Torga

Não te conhecerá a víbora ou as oliveiras
nem os cães e os escorpiões da tua carne
nem as renovadas crias ou a sílaba álgida.

Não te conhecerá a fêmea nem a aurora
porque como cometa fulminante já só és pó.

Não te conhecerá o dorso da argila viva
nem o linho onde assentou o sangue aceso
nem a memória mutilada da primeira labareda.

A memória é espessa de sangue nas arestas
e até ao gume só homens da torre de Babel.

As trovoadas em breve cantarão as chuvas
o pó subirá às árvores abrigar-se-á nos lúzios
a noite onde te habituarás a fruir a única noite.

O espaço em que se finge ter tido um destino
as constelações palpáveis dos dias dos animais.

Não te recordará ninguém nas pérfidas vozes
como todos os mortos que se olvidam perdoados
entre as vísceras orgulhosas de abutres apagados.

Em ti começa o descanso dos odoríficos pomares
onde as candeias resguardam o silêncio indecifrável.

Minha ânsia de voz está diante de tua voz possessa
mesmo que não trespasse as lascas da minha garganta
a nua saliva sobre a terra dos inundáveis actos de deus.

Está diante de ti no esquecimento que embevece o sonho
de que as palavras vivas ainda bordam um coração outro.

Os poetas dormem, o esquecimento é um bálsamo sagrado,
e toda a ilusão é cruel porque se dilui voz na musa herdada.
......................João Rasteiro (In, Comemorações Miguel Torga 2005-2007, CMC, 2008)

http://www.astormentas.com/torga.htm

http://pt.wikipedia.org/wiki/Miguel_Torga

http://www.citador.pt/poemas.php?poemas=Miguel_Torga&op=7&author=1360

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

HAITI (desígnios?)

Explicação de deus enquanto pedra


Fulmina-me, atravessa o meu corpo com as tuas lâminas
o amor não és tu, nunca o serás no mundo das rupturas!
Não te compadeças de mim, escuta o meu desafio justo
que vai subindo irado no reverso corpóreo das bocas,
olha-me nos olhos húmidos dos cães raivosos de frechas.

Ao pé do teu divino reflexo a tua covarde indiferença,
olha estas incisões esquivas como monstros em chamas
entre as cidades invisíveis e a morte discerne da sílaba.

Já contra a carne para embeber as tuas dúvidas, a loucura,
a mentira, a injúria, vozes num espaço opaco, cuja traição
só tu serias capaz de moldar como tributo em todos nós
- digo que todo o teu santo nome é repudiado sob as algas.

Se as tuas generosas dádivas se fincassem como ofício puro
a tua memória seria amaldiçoada esconjurada entre o pó
como um eco, pesadelo longínquo dos homens primitivos.

Ergue-se por fim a nuvem a melancolia intangível do verbo
a hegemonia transitória da sombra que te oculta dos mortos.
E agora é o aperto dos dedos que abatidos se acorrentam.

A pedra está dobrada sobre si mesma, transbordante de luz
como se desabrochasse nos abismos profusos da cegueira.

Quero emergir sob a glória da minha guerra. Mas a pedra
está despida por dentro, o coração – então morrerei solitário.
...........................João Rasteiro (In, "O Búzio de Istambul")
......................................"O HAITI" - Caetano Veloso

http://pt.wikipedia.org/wiki/Haiti
http://www.publico.clix.pt/Mundo/violento-terramoto-deixa-haiti-em-estado-de-catastrofe_1417564
http://dn.sapo.pt/inicio/globo/interior.aspx?content_id=1468295&seccao=EUA%20e%20Am%E9ricas

sábado, 9 de janeiro de 2010

AS ROTAS da DÉCADA


Uma década é muito tempo para emergirem das entranhas do caos, e do tempo, infinitos livros de poesia. Em muitos deles, só um poema já valerá todo o livro, por isso, a dificuldade da escolha. Apesar disso, os meus livros de poesia da década em Portugal, são os seguintes:


A Respiração das Vértebras, 2001, João Rasteiro (**)
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No Centro do Arco, 2003, João Rasteiro
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Os Cílios Maternos, 2005, João Rasteiro
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O Búzio de Istambul, 2008, João Rasteiro
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Pedro e Inês, ou As Madrugadas Esculpidas, 2009, João Rasteiro
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A Faca Não Corta o Fogo - Súmula & Inédita, 2008, Herberto Helder
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Migrações de Fogo, 2004, Manuel Gusmão
Poesia, 2003, Daniel Faria
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ROSA do MUNDO, 2001 Poemas para o futuro, 2001, Assírio & Alvim (Direcção Editorial de Manuel Hermínio Martinho).
Anos 90 e Agora, 2001, Selecção/organização de Jorge Reis-Sá
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BIOGRAFIA, 2000, José Agostinho Baptista
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Ofício Cantante - Poesia Completa, 2009, Herberto Helder
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Obra Breve - Poesia Reunida, 2006, Fiama Hasse Pais Brandão
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Uma Grande Razão - Os poemas maiores, 2007, Mário Cesariny
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Antes que o Rio Seque - poesia reunida, 2006, A.M. Pires Cabral
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DOBRA, 2009, Adília Lopes
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Antecedentes Criminais (Antologia Pessoal 1982-2007), 2007, Amadeu Baptista
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Século de Oiro, Antologia de Poesia Portuguesa do século XX, 2002, Organização de Osvaldo Manuel Silvestre e Pedro Serra
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Portuguesia, Contraantologia, 2009, Selecção/Organização de Wilmar Silva (*)
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Poemas Portugueses – Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI, 2009, Seleção/Organização de Jorge Reis-Sá e Rui Lage

NOTA:

(*) - Livro lançado em primeira mão em Portugal, mas não editado em Portugal, apenas o foi no Brasil.

(**) - Os primeiros cinco livros da lista, indiscutivelmente "os meus livros", terão retirado da lista outros cinco livros, inclusive alguns, de autores ainda jovens.
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terça-feira, 5 de janeiro de 2010

CORRENTES

Já foi divulgada a lista das dez obras finalistas do Prémio Literário Casino da Póvoa, para a edição de 2010 do Correntes d’Escritas ( seleccionada pelo júri, constituído por Carlos Vaz Marques, Dulce Maria Cardoso, Fernando J.B. Martinho, Patrícia Reis e Vergílio Alberto Vieira), que irá decorrer entre 24 e 27 de Fevereiro:

A Eternidade e o Desejo, Inês Pedrosa, Dom Quixote

A Mão Esquerda de Deus, Pedro Almeida Vieira, Dom Quixote

A Sala Magenta, Mário de Carvalho, Caminho


Myra, Maria Velho da Costa, Assírio & Alvim


o apocalipse dos trabalhadores, valter hugo mãe, QuidNovi


O Cónego, A. M. Pires Cabral, Livros Cotovia


O Mundo, Juan José Millás, Planeta


O Verão Selvagem dos teus Olhos, Ana Teresa Pereira, Relógio D’Água


Rakushisha, Adriana Lisboa, Quetzal


Três Lindas Cubanas, Gonzalo Celorio, Quetzal