(POESIA,LITERATURA e a CULTURA em geral)»»»»»»»»»»»»»»»» "Só existe o tempo único. Só existe o Deus único. Só existe a promessa única, e da sua chama e das margens da página todos se incendeiam. Só existe a página única, o resto fica, em cinzas. Só existem o continente único, o mar único – entrando pelas fendas, batendo, rebentando correndo de lado a lado". __________ Robert Duncan
domingo, 30 de dezembro de 2007
Surrealismo I
Eu menino às onze horas e trinta minutos
a procurar o dia em que não te fale
feito de resistências e ameaças — Este mundo
compreende tanto no meio em que vive
tanto no que devemos pensar.
A experiência o contrário da raiz originária aliás
demasiado formal para que se possa acreditar
no mais rigoroso sentido da palavra.
Tanta metafísica eu e tu
que já não acreditamos como antes
diferentes daquilo que entendem os filósofos
— constitui uma realidade
que não consegue dominar (nem ele próprio)
as forças primitivas
quando já se tem pretendido ordens à vida humana
em conflito com outras surge agora
a necessidade dos Oásis Perdidos.
E vistas assim as coisas fragmentariamente é certo
e a custo na imensidão da desordem
a que terão de ser constantemente arrancadas
— são da máxima importância as Velhas Concepções
pois
a cada momento corremos grandes riscos
desconcertantes e de sinistra estranheza.
Resulta isto dum olhar rápido sobre a cidade desconhecida. Mais
E abstraindo dos versos que neste poema se referem ao mundo humano
vemos que ninguém até hoje se apossou do homem
como frágil véu que nos separa vedados e proibidos.
ANTÓNIO MARIA LISBOA
http://poesiaseprosas.no.sapo.pt/antonio_maria_lisboa/poetas_antoniomarialisboa01.htm
quinta-feira, 27 de dezembro de 2007
Traduções para o Finlandês
Acabam de ser traduzidos alguns poemas meus para o Finlandês pela poeta Rita Dahl e publicados no seu Blog: ARGENTOLA. Brevemente serão publicados alguns poemas meus na revista literária "Tuli & Savu".
Em homenagem ao POETA o poema (com tradução Finlandesa de Rita Dahl): Encontro com Herberto Helder
Há algures uma cidade interrompida onde a luz
já se vai perdendo prostrada entre as âncoras
como estiletes arejados enjaulados nas palavras,
deves ir pela tarde mágica das trovoadas ávidas
quando Cascais vai morrendo um pouco menos
apesar de o miolo da carne infindável ser sangue
emergindo como fungos atiçados junto à pele
em ciclos de intempéries e migrações filicídias,
vai procurá-lo nos jardins embora não te fale
(esquecerás que transportas o contágio das dores
as manhãs ressuscitarão secas sobre os espigões
ao longo das vozes aguçadas a cidade coagulada
ardendo nas candeias sob o ritual dos êmbolos),
pergunta na praça das súplicas enxutas dos velhos
por aquele homem que menstruou a sílaba nua
quando na cidade passava o ar odorífero das ilhas
ele que lutou nos campos da cal contra as cobras
para que a escassa estria ainda se ouça torrencial,
no absurdo da busca na casa do espectro da areia
reside a transparência materna os últimos dias
senta-te sob os salgueiros com a cabeça inclinada
ouve o vento e cheira as entranhas certas da morte
o corpo estilhaçando-se em múltiplas direcções,
pára não digas nada ao ouvido das nascentes
(enquanto escutas as patas frágeis da magnólia
bebe a cidade pelo sexo aberto das fêmeas azuis
guelras por onde resfolega toda a luz preambular
como se fosse a redentora faísca o corpo vegetal),
aí, junto à água, o engenho das bigornas brancas
o fogo das mãos sagazes ardendo como ofício puro
casulo entre as bilhas onde habita o bafo do poeta.
João Rasteiro
http://arjentola.blogspot.com/search/label/Jo%C3%A3o%20Rasteiro
quarta-feira, 26 de dezembro de 2007
Pós-Natal
Algum dia o teu corpo alastrará
como cães sem boca e olhos esboroados
serás escondido em toalhas de musgo
um embrulho de carnes malditas
onde os indesejados pernoitam velados
nas noites em que os ecos se dissolvem nus.
Os teus irmãos esquecerão o teu aroma
como no principio divino dos abutres
no silêncio acercará alguém à cidade
para apagar os vestígios desnecessários
nas vozes que habitam os íntimos pomares
os frutos rutilantes nas escoras urbanas
nesse lugar tu estarás na dilatada blasfémia.
João Rasteiro
terça-feira, 25 de dezembro de 2007
Dia de Natal
Hoje é dia de ser bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.
É dia de pensar nos outros. coitadinhos. nos que padecem,
de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.
Comove tanta fraternidade universal.
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
numa toada doce,
de violas e banjos,
Entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.
De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu
e as vozes crescem num fervor patético.
(Vossa Excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?
Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.)
Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.
Toda a gente se acotovela, se multiplica em gestos, esfuziante.
Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas
e fazem adeuses enluvados aos bons amigos que passam mais distante.
Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,
com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,
cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,
as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.
Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,
ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.
É como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,
como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.
A Oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.
Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.
E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento
e compra. louvado seja o Senhor!. o que nunca tinha pensado comprado.
Mas a maior felicidade é a da gente pequena.
Naquela véspera santa
a sua comoção é tanta, tanta, tanta,
que nem dorme serena.
Cada menino
abre um olhinho
na noite incerta
para ver se a aurora
já está desperta.
De manhãzinha,
salta da cama,
corre à cozinha
mesmo em pijama.
Ah!!!!!!!!!!
Na branda macieza
da matutina luz
aguarda-o a surpresa
do Menino Jesus.
Jesus
o doce Jesus,
o mesmo que nasceu na manjedoura,
veio pôr no sapatinho
do Pedrinho
uma metralhadora.
Que alegria
reinou naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,
fuzilava tudo com devastadoras rajadas
e obrigava as criadas
a caírem no chão como se fossem mortas:
Tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá.
Já está!
E fazia-as erguer para de novo matá-las.
E até mesmo a mamã e o sisudo papá
fingiam
que caíam
crivados de balas.
Dia de Confraternização Universal,
Dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de Sonhos e Venturas.
É dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória a Deus nas Alturas.
António Gedeão
segunda-feira, 24 de dezembro de 2007
NATAL da Vida
Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados,
Para chorar e fazer chorar,
Para enterrar os nossos mortos -
Por isso temos braços longos para os adeuses,
Mãos para colher o que foi dado,
Dedos para cavar a terra.
Assim será a nossa vida;
Uma tarde sempre a esquecer,
Uma estrêla a se apagar na treva,
Um caminho entre dois túmulos -
Por isso precisamos velar,
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito que dizer:
Uma canção sôbre um berço,
Um verso, talvez, de amor,
Uma prece por quem se vai -
Mas que essa hora não esqueça
E que por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre,
Para a participação da poesia,
Para ver a face da morte -
De repente, nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte apenas
Nascemos, imensamente.
Vinicius de Moraes
domingo, 23 de dezembro de 2007
NATAL ANTIGO
HISTÓRIA ANTIGA
Era uma vez, lá na Judeia, um rei.
Feio bicho, de resto:
Uma cara de burro sem cabresto
E duas grandes tranças.
A gente olhava, reparava, e via
Que naquela figura não havia
Olhos de quem gosta de crianças.
E, na verdade, assim acontecia.
Porque um dia,
O malvado,
Só por ter o poder de quem é rei
Por não ter coração,
Sem mais nem menos,
Mandou matar quantos eram pequenos
Nas cidades e aldeias da Nação.
Mas,
Por acaso ou milagre, aconteceu
Que, num burrinho pela areia fora,
Fugiu
Daquelas mãos de sangue um pequenito
Que o vivo sol da vida acarinhou;
E bastou
Esse palmo de sonho
Para encher este mundo de alegria;
Para crescer, ser Deus;
E meter no inferno o tal das tranças,
Só porque ele não gostava de crianças.
Miguel Torga
sábado, 22 de dezembro de 2007
NATAL
Deixarei os jardins a brilhar com seus olhos
Deixarei os jardins a brilhar com seus olhos
detidos: hei-de partir quando as flores chegarem
à sua imagem. Este verão concentrado
em cada espelho. O próprio
movimento o entenebrece. Mas chamejam os lábios
dos animais. Deixarei as constelações panorâmicas destes dias
internos.
Vou morrer assim, arfando
entre o mar fotográfico
e côncavo
e as paredes com as pérolas afundadas. E a lua desencadeia nas grutas
o sangue que se agrava.
Está cheio de candeias, o verão de onde se parte,
ígneo nessa criança
contemplada. Eu abandono estes jardins
ferozes, o génio
que soprou nos estúdios cavados. É a cólera que me leva
aos precipícios de agosto, e a mansidão
traz-me às janelas. São únicas as colinas como o ar
palpitante fechado num espelho. É a estação dos planetas.
Cada dia é um abismo atómico.
E o leite faz-se tenro durante
os eclipses. Bate em mim cada pancada do pedreiro
que talha no calcário a rosa congenital.
A carne, asfixiam-na os astros profundos nos casulos.
O verão é de azulejo.
É em nós que se encurva o nervo do arco
contra a flecha. Deus ataca-me
na candura. Fica, fria,
esta rede de jardins diante dos incêndios. E uma criança
dá a volta à noite, acesa completamente
pelas mãos.
Herberto Helder
quarta-feira, 19 de dezembro de 2007
O clarão repercute o movimento
ímpio o trovão batendo por dentro
dos lúzios.ramifica-se a limpidez
imputrescível a luz do instante na
revisitação da ave o lugar sagrado.
os jogos no círculo do presente o
absoluto princípio da construção
ilimitada da memória.na fractura
incisiva a pele em cada espelho no
desejo de excessos.o corpo aberto.
João Rasteiro
PRÉMIOS IX
A minha desforra são palavras.
domingo, 16 de dezembro de 2007
Já lentamente sofro a tua água, o sopro
da memória nas colinas.
deste-me um corpo, a casa
onde acordar o vento, e a terra, e a paz
desconhecida.
nesta cave de pele te implorei os dias
o óleo da manhã nas mãos desertas.
a cada instante me devora o gume
embotado da tua
luz sonora.
afasta do meu rosto a tua vã promessa. deixa
que seja brando o sono sem lembrança,
um chão de terra nua.
do teu jardim de chamas me despeço.
António Franco Alexandre
LIVROS
Não sei se é exagero, mas o poeta brasileiro Régis Bonvicino afirmou recentemente, ser Pedro Marqués de Armas, não só um belíssimo poeta, mas estar entre os melhores poetas jovens da actual poesia mundial.
Do livro Cabeças (Cabezas, vencedor do prémio UNEAC de Poesia 2001, em Cuba) o poema:
Na margem interior da fronteira, que outros preferem chamar beco sem saída, - B. matou-se.
Claro que todas as fronteiras são mentais, e no caso de B. melhor seria falar de duas.
De modo que B. se matou entre a margem interior e a crista de um pensamento que já não se desviava dele.
Para capultar-se, tomou aquelas raízes de um alcalóide que tinha classificado, e, lançando-se sobre a enxerga de troços fusiformes, encontrou por fim o que buscava: rua de uma só direcção em que todos os números estão apagados, e os brancos pedúnculos mentais desvanecem-se numa matéria de sonho.
Pedro Marqués de Armas
(Tradução de Jorge Melícias)
sexta-feira, 14 de dezembro de 2007
Poderias deter as tuas garras
entre as veias espantadas
dos corpos
quando a morte desce pelas mãos
os gumes do deslumbramento,
a voz fende os olhos
do homem que te escuta
a razão do efémero
no instantâneo beijo do punhal
odores perfumando a despedida
a indómita orgia sísmica e aromática.
Disposto o corpo à sua contrição
só o luar é humano
escasso foi o fulgor das vozes
depois o cheiro do sangue inebria
o abismo irrompendo das têmporas
um turbilhão de sulcos víboras urbanas
como monstros em labaredas genuínas.
João Rasteiro
quarta-feira, 12 de dezembro de 2007
Porque deste a teu filho asas de plumagem e ceras
e o sol todo-poderoso no alto as desfaria?
Não me ouviu, de tão longe, porém pensei que disse:
todos os filhos são Ícaros que vão morrer no mar.
Depois regressam, pródigos, ao amor entre o sangue
dos que eram e dos que são agora, filhos dos filhos.
Fiama Hasse Pais Brandão
terça-feira, 11 de dezembro de 2007
A apresentação estará a cargo de Graça Capinha, e a Organização estará a cargo da Oficina de Poesia da FLUC e do Projecto de investigação “Novas Poéticas de Resistência”.
domingo, 9 de dezembro de 2007
Ah! não ser eu toda a gente e toda a parte...
Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Como as outras,
Ridículas.
Têm de ser
Ridículas.
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas).
sábado, 8 de dezembro de 2007
Tem sol adentro tem a voz semente,
como se a sílaba pudesse desassombrar a luz
o cheiro espesso e biófilo das coisas esquecidas
bocas como abóbadas sitiando as luminárias
no eixo do relâmpago os rebentos viçosos
perfumes de todos os bálsamos de Jerusalém
vozes em silício dentro do rosto das águas
a paixão do fogo numa última saudação ao sol.
João Rasteiro
Prémios VIII
Esta obra será apresentada numa edição trilíngue, Sefardita, Castelhano e e traduzida para o Português pelo poeta e ensaísta brasileiro, Andityas Soares de Moura, que em 2007 traduziu(publicação no Brasil) o livro "Com/posiciones".
quarta-feira, 5 de dezembro de 2007
A nodosidade sónica da cidade limítrofe é flanqueada geograficamente
pela salsa-dos-pântanos
onde a mecânica das especiarias liberta as acrobacias do fogo de artificio
sobre os cronómetros das
crises alérgicas
Os cineastas fundadores das espreguiçadeiras de
néons isolam as bandeiras das povoações
nos bastidores mediterrânicos das colheitas
onde as escaladas da coreógrafa coleccionam as dramaturgias das
chuvas que electrificam a basculante da claridade
Os mosaicos-anémonas dos hóspedes desintegram-se nas
sonoridades das máscaras equatoriais
parecem canais de irrigação aos solavancos
entre os
adereços indígenas que radiografam os sismógrafos das fertilizações das comédias
A desdobragem óptica da cronologia estilhaça a quadrícula dos miradouros
e os comboios gráficos computorizam os atlas dos antologiadores
como se encadeassem
copiosamente as colisões do circo botânico
onde os báculos hidromecânicos aperfeiçoam
o borrifo ignescente do mineral
angulómetro sobre as oficinas das homenagens das trompetas
que urdem as ataduras do sul do amendoal dos
pulmões
As fitas dos vídeos arqueiam na marginalidade cerâmica dos emissários
e o resgatamento cartográfico do fotojornalista é liminarmente entoado
entre as papoilas dos
tenores
onde as teclas equestres das partituras julgam
as gralhas das montanhas russas
que as malas das alegorias colonizaram
sobre a nidificação dos ícones do elenco das
paleontólogas.
Luís Serguilha
http://www.antoniomiranda.com.br/Iberoamerica/portugal/luis_serguilha.html
domingo, 2 de dezembro de 2007
As mulheres aspiram a casa para dentro dos pulmões
E muitas transformam-se em árvores cheias de ninhos - digo,
As mulheres - ainda que as casas apresentem os telhados inclinados
Ao peso dos pássaros que se abrigam.
É à janela dos filhos que as mulheres respiram
Sentadas nos degraus olhando para eles e muitas
Transformam-se em escadas
Muitas mulheres transformam-se em paisagens
Em árvores cheias de crianças trepando que se penduram
Nos ramos - no pescoço das mães - ainda que as árvores irradiem
Cheias de rebentos
As mulheres aspiram para dentro
E geram continuamente. Transformam-se em pomares.
Elas arrumam a casa
Elas põem a mesa
Ao redor do coração.
Daniel Faria
http://poesiaseprosas.no.sapo.pt/daniel_faria/poetas_danielfaria01.htm
sábado, 1 de dezembro de 2007
Caos
Agora o corpo fala de pássaros
anunciando a erosão rente à língua
o presságio que rasga o linho
o derrame da semente ao morrer.
Assusta-me o vidro dos olhos
esmagando-se no vértice da linha
a dormência ávida das águas
na rotação da última palavra.
Esta é a nudez intacta da luz
o ar na vibração do corpo
o cheiro agreste e puro da cânfora
o peso dos dedos sob o espanto.
João Rasteiro
PRÉMIOS VII
O escritor Fernando Guimarães, de 79 anos, venceu o Grande Prémio de Poesia de 2006 da Associação Portuguesa de Escritores (APE) pela obra "Na voz de um nome".Segundo a APE, o poeta portuense foi escolhido por unanimidade pelo júri. Esta é a segunda vez que a APE distingue Fernando Guimarães com o Grande Prémio de Poesia depois de ter sido galardoado em 1992 por conta da obra "O anel débil". Este galardão tem um valor monetário de cinco mil euros. O autor publica regularmente desde a década de 50, sobretudo poesia e ensaio sobre literatura e filosofia da arte. O prémio da APE junta-se a várias distinções que Fernando Guimarães recebeu já pela sua obra poética, entre os quais Prémio D. Dinis (1985), da Fundação Casa de Mateus, Pen Clube (1988) e Fundação Luís Miguel Nava (2003).
Colaborador de algumas publicações estrangeiras, como o Courrier du Centre International d' Études Poétiques, Tijdschript voor Poezie, ou Europe, podem encontrar-se textos seus, de ensaio e crítica de poesia, avulsamente publicados em revistas e jornais portugueses dos últimos quarenta anos. Actualmente é colaborador permanente do Jornal de Letras.
Acerca do sentido [2]
Que limites existem para a luz? Veio alguém acender
Lições de Trevas, Quasi Edições, 2002
Fernando Guimarães
quarta-feira, 28 de novembro de 2007
À beira das salinas os homens declinam,
as cabeças como cometas fulminantes.
De longe a longe vêm os filhos,
trazem a solidão como um metal aceso nas costas
trazem um enxame de dardos.
E a memória é um pulso atravessado.
Quando partem fecham atrás de si as portas,
e os homens voltam a sentar-se sobre as estacas
e brilham.
Jorge Melícias
domingo, 25 de novembro de 2007
SALAMANCA
Aguarela do pintor Miguel Elías
Ressurreição
A Antonio Colinas
A ascensão das vozes a cada pancada hirta do sangue
transborda como cântaros de mel à beira do Tormes
os pássaros regressam aos abrigos das cópulas do sol
e os homens voltam a repousar nas estacas e brilham,
no leito incansável da pedra o último choro dos mortos
todos os germes oprimidos eclodindo como açucenas
o espaço da construção em feroz fulgor pois é inacabado,
ressuscita-se hoje das chagas e escreve-se o nome terra
na língua de fogo que abraça os livros que não sonharei.
João Rasteiro
PRÉMIOS VI
o conjunto de todos os
sábado, 24 de novembro de 2007
Num dos pratos o mar, no outro um rio, agora
que o tempo se desossa,
que as pedras
que piso se me enterram na memória e os caminhos
se me aguçam na alma como lâminas, o pão
molhado nas feridas,
o pão
ele próprio já também uma ferida, agora
que o tempo, que já tanto
compararam a um rio, mais
não é do que uma leve exsudação nos muros,
nas mãos, agora
que o céu se encrespa e que pedaços
de mundo arremessados
com toda a força aos olhos revolteiam
na treva antes de se extinguirem,
mais magro do que a neve
caminho, a alma aberta como uma ferida,
ao longo da memória, onde se fundem
o tímpano e a pupila.
Luís Miguel Nava
quarta-feira, 21 de novembro de 2007
À Fiama H.P.Brandão
Enquanto quis Fortuna
que tivesse
um monólogo de fogo voluteando
o frágil labirinto das vozes,
partilhou as fábulas do louvadeus.
Agora, o rosto puro da água
perdeu a casta do sangue
o subtil cortejo da sílaba a queda
contínua a ferocidade de uma outra rosa
no fundo da cabeça do hóspede.
Não te conformaste com este mundo.
Sob a película do ventre cintilante da luz
os ávidos sentidos a chama cortante
voltada outra vez aos primórdios
do sopro mais extenso do que o eco.
E hoje, é este o lugar a branca flor que fulge.
João Rasteiro
terça-feira, 20 de novembro de 2007
Poemas, sim, mas de fogo
devorador. Redondos como punhos
diante do perigo. Barcos decididos
na tempestade. Cruéis. Mas de uma
crueldade pura: a do nascimento,
a do sono, a da morte.
Poemas, sim, mas rebeldes.
Inteiros como se de água, e,
como ela, abertos à geometria
de todos os corpos. Inteiros
apesar do barro e da ternura
do seu perfil de astros.
Poemas, sim, mas de sangue.
Que esses poemas brotem do
oculto. Que libertem o seu pus
na praça pública. Altos, vibrantes
como um sismo, um exorcismo
ou a morte de um filho.
Casimiro de Brito
segunda-feira, 19 de novembro de 2007
João Rasteiro
Mas que sei eu das folhas no outono
ao vento vorazmente arremessadas
quando eu passo pelas madrugadas
tal como passaria qualquer dono?
Eu sei que é vão o vento e lento o sono
e acabam coisas mal principiadas
no ínvio precipício das geadas
que pressinto no meu fundo abandono
Nenhum súbito súbdito lamenta
a dor de assim passar que me atormenta
e me ergue no ar como outra folha
qualquer. Mas eu que sei destas manhãs?
As coisas vêm vão e são tão vãs
como este olhar que ignoro que me olha
Ruy Belo
domingo, 18 de novembro de 2007
O desejo
o teu corpo
uma seta
acordada em chegadas
mande-o ainda em poemas perversos
de antilira, feito em antiverso
(ou será ele
o meu sopro de metal
que me alimenta
e decepa?)
é natural
poetas e poetas que buscam
o requinte das orquídeas
e também o teu sopro
era a perfeição
e todos os que entravam
te roubavam
um pouco de mim
o frenesim de olhar-te espanto
raiz poema
sobretudo isso – o respirar-te.
PRÉMIOS V
Na área da poesia, Nuno Júdice referiu ainda a experiência "muito interessante" de ter escrito para um fado tradicional respondendo a um desafio que lhe foi lançado por Carlos do Carmo. Para o próximo ano, Nuno Júdice promete editar um novo livro de poesia. O Prémio Nacional de Poesia, com o valor de 5000 euros, foi entregue na Biblioteca Municipal António Ramos Rosa, em Faro, durante um recital integrado em "Faro, Capital dos Poetas e da Poesia".
"O regresso a uma linha de poema narrativo, tratando os grandes problemas da poesia desde a era clássica até hoje. Mas há também um ponto de partida nas “coisas mais simples“ do quotidiano e da realidade, que são o motor do imaginário destes poemas".
Nunca são as coisas mais simples que aparecem
quando as esperamos. O que é mais simples,
como o amor, ou o mais evidente dos sorrisos, não se
encontra no curso previsível da vida. Porém, se
nos distraímos do calendário, ou se o acaso dos passos
nos empurrou para fora do caminho habitual,
então as coisas são outras. Nada do que se espera
transforma o que somos se não for isso:
um desvio no olhar; ou a mão que se demora
no teu ombro, forçando uma aproximação
dos lábios.
Nuno Júdice
Ver Ensaio da minha autoria sobre a poesia de Nuno Júdice:
http://triplov.com/poesia/Nuno-Judice/Bios/index.htm
quarta-feira, 14 de novembro de 2007
A ROSA
terça-feira, 13 de novembro de 2007
O Centro do Mundo
Podereis roubar-me tudo:
as ideias, as palavras, as imagens,
e também as metáforas, os temas, os motivos,
os símbolos, e a primazia
nas dores sofridas de uma língua nova,
no entendimento de outros, na coragem
de combater, julgar, de penetrar
em recessos de amor para que sois castrados.
E podereis depois não me citar,
suprimir-me, ignorar-me, aclamar até
outros ladrões mais felizes.
Não importa nada: que o castigo
será terrível. Não só quando
vossos netos não souberem já quem sois
terão de me saber melhor ainda
do que fingis que não sabeis,
como tudo, tudo o que laboriosamente pilhais,
reverterá para o meu nome. E mesmo será meu,
tido por meu, contado como meu,
até mesmo aquele pouco e miserável
que, só por vós, sem roubo, haveríeis feito.
Nada tereis, mas nada: nem os ossos,
que um vosso esqueleto há-de ser buscado,
para passar por meu. E para outros ladrões,
iguais a vós, de joelhos, porem flores no túmulo.
segunda-feira, 12 de novembro de 2007
WILLIAM BLAKE
O projecto concebido pelo professor universitário e tradutor Manuel Portela, hoje apresentado em conferência de imprensa, desenvolve um diálogo entre diversas disciplinas artísticas com as criações de Blake para destacar a obra de um dos grandes artistas da humanidade, ainda pouco conhecida em Portugal.
O Teatro Académico de Gil Vicente (TAGV), que tem como director Manuel Portela, é o palco escolhido para as realizações programadas e também o produtor desta homenagem, em dois espectáculos, com a colaboração dos grupos de teatro Camaleão e Marionet e a Orquestra Clássica do Centro (OCC).
Entre as várias iniciativas (algumas já realizadas ou inauguradas) amanhã dia 13 realiza-se a segunda mesa-redonda, "Blake poeta", com a presença de Gastão Cruz e Manuel Portela, dois dos principais tradutores para português de William Blake.
Tigre, tigre que flamejas
Nas florestas da noite.
Que mão que olho imortal
Se atreveu a plasmar tua terrível simetria ?
Em que longínquo abismo, em que remotos céus
Ardeu o fogo de teus olhos ?
Sobre que asas se atreveu a ascender ?
Que mão teve a ousadia de capturá-lo ?
Que espada, que astúcia foi capaz de urdir
As fibras do teu coração ?
E quando teu coração começou a bater,
Que mão, que espantosos pés
Puderam arrancar-te da profunda caverna,
Para trazer-te aqui ?
Que martelo te forjou ? Que cadeia ?
Que bigorna te bateu ? Que poderosa mordaça
Pôde conter teus pavorosos terrores ?
Quando os astros lançaram os seus dardos,
E regaram de lágrimas os céus,
Sorriu Ele ao ver sua criação ?
Quem deu vida ao cordeiro também te criou ?
Tigre, tigre, que flamejas
Nas florestas da noite.
Que mão, que olho imortal
Se atreveu a plasmar tua terrível simetria ?
Tradução de Ângelo Monteiro
Versão Original:[Leia a versão original desta Poesia: The Tiger, de William Blake - em inglês]
domingo, 11 de novembro de 2007
Criação
Morte significa corpo áureo
umbilical
se
a palavra é uma cicatriz
perfeita
sob o branco aberto do sangue
lúcido
demasiado cru na língua
oferecida
se
a garganta é um fole
chumbado
sob a lava visível da boca
elíptica
sucessivamente árida nos dentes
castrados
se
os animais se cosem ao corpo
insurrecto
mergulhando nas vísceras alquímicas
vozes
sob todos os solos auríferos
ventres
se
em seu cortejo o corpo principia
absoluto
nesse espaço único de tímpano e pupila
vagas
onde a luz não difere da escuridão
o corpo ileso
toda a queimadura intrínseca do eixo dos animais.
João Rasteiro
Prémios IV
Antonio Lobo Antunes nasceu em Lisboa, em 1942. Médico psiquiatra, foi convocado pelo exército português para servir na guerra em Angola. É considerado por vários críticos em todo o mundo como o mais importante romancista português depois de Eça de Queirós. António Lobo Antunes tornou-se um dos escritores portugueses mais lidos, vendidos e traduzidos em todo o mundo. Pouco a pouco, a sua escrita concentrou-se, adensou-se, ganhou espessura e eficácia narrativa. De um modo impiedoso e obstinado, esta obra traça um dos quadros mais exaustivos e sociologicamente pertinentes do Portugal do século XX.Em Setembro, no 7.º Festival de Literatura de Berlim, António Lobo Antunes foi longamente aplaudido por centenas de centenas de pessoas que assistiram a uma leitura das suas obras, em Português e Alemão. António Lobo Antunes foi apresentado pelos responsáveis do festival de Berlim 2007 como «o maior escritor lusitano da actualidade». O seu ultimo romance «O Meu Nome é Legião» é já considerado outra das grandes obras do autor. Em 2007 foi galardoado com o Prémio Camões, na sua 19ª edição.Para quem gosta de A. Lobo Antunes aqui fica a entrevista integral no Diário de Notícias, da semana passada. Pode ler-se “alguma coisa” aqui >>.
«"O Meu Nome É Legião" narra-nos um universo povoado de seres dilacerados e estilhaçados, que vivem um conflito interior travado entre as várias facetas das suas personalidades, em luta contra os fantasmas e as obsessões que teimam em surgir e põem a nu fragilidades inconfessáveis e sofrimentos inomináveis.»
«Não será, porém, a beleza, antes a “palavra justa” que o move. Nessa busca vem António Lobo Antunes construindo uma obra na qual, apesar da crueza das temáticas e da claustrofobia instalada, a compaixão pelas personagens se imprime na sua capacidade para as compreender a todas no desespero comum aos deserdados, que somos todos – aqui: polícias, filhos, putas ou criminosos – , “possessos de vários demónios” que cabe ao escritor dar a ver mas não julgar. À maneira de Tolstoi, porventura, o maior de sempre.»
Excerto da obra:
IN, Webboom.pt
sábado, 10 de novembro de 2007
A magnólia
A exaltação do mínimo,
e o magnífico relâmpago
do acontecimento mestre
restituem-me a forma
o meu resplendor.
Um diminuto berço me recolhe
onde a palavra se elide
na matéria - na metáfora -
necessária,e leve, a cada um
onde se ecoa e resvala.
A magnólia,
o som que se desenvolve nela
quando pronunciada,
é um exaltado aroma
perdido na tempestade,
um mínimo ente magnífico
desfolhando relâmpagos
sobre mim.
Luiza Neto Jorge
O Juízo Final
O território dos anjos
esta é a nascente o horto
dos anjos
a luz interrompida do espigão
velhas falas do jardim do éden
Hebrom entrançado
talhado em línguas de delírio torrente espraiada
o milagre em ti sedento ser rupestre
das acácias tenras no golpe
coroas vermelho-cereja geografias
um jardim flor as entranhas do casulo
florindo o desastre
a reincidência das cobras
a terra do júbilo o sémen demoníaco
sob as luas da velha cidade esférula
tanta chuva vermelha manhãs ausentes de vozes concêntricas
O
o dia os dias das preces
sílabas dos lábios do Mediterrâneo raiado
o metal despojado dobrado fundente
brilho do mar o sal nas veias abertas
os antigos corpos fendas à saída de Khan Yunis
vulcões de roseiras bravas
animais cegos
vagueando em círculos a verdade
na convulsão dos anjos
a extracção do ferrão
O
toda a cegueira os olhos de pedra numa cidade de chumbo feroz
na hora das silhuetas o metal irrompemdo fresco
o coração dos sábios
o sísmico fascínio
do crime indistinto
procurando o equilíbrio sagrado da estocada
no monte das tentações
corpos anjos demónios a respiração
o hálito carnívoro das raízes do mel
um rasgão de asas na súplica do verbo.
João Rasteiro