domingo, 30 de dezembro de 2007

Surrealismo I

Vírgula

Eu menino às onze horas e trinta minutos
a procurar o dia em que não te fale
feito de resistências e ameaças — Este mundo
compreende tanto no meio em que vive
tanto no que devemos pensar.

A experiência o contrário da raiz originária aliás
demasiado formal para que se possa acreditar
no mais rigoroso sentido da palavra.

Tanta metafísica eu e tu
que já não acreditamos como antes
diferentes daquilo que entendem os filósofos
— constitui uma realidade
que não consegue dominar (nem ele próprio)
as forças primitivas
quando já se tem pretendido ordens à vida humana
em conflito com outras surge agora
a necessidade dos Oásis Perdidos.

E vistas assim as coisas fragmentariamente é certo
e a custo na imensidão da desordem
a que terão de ser constantemente arrancadas
— são da máxima importância as Velhas Concepções
pois
a cada momento corremos grandes riscos
desconcertantes e de sinistra estranheza.

Resulta isto dum olhar rápido sobre a cidade desconhecida. Mais
E abstraindo dos versos que neste poema se referem ao mundo humano
vemos que ninguém até hoje se apossou do homem
como frágil véu que nos separa vedados e proibidos.

ANTÓNIO MARIA LISBOA
http://poesiaseprosas.no.sapo.pt/antonio_maria_lisboa/poetas_antoniomarialisboa01.htm

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Traduções para o Finlandês


Acabam de ser traduzidos alguns poemas meus para o Finlandês pela poeta Rita Dahl e publicados no seu Blog: ARGENTOLA. Brevemente serão publicados alguns poemas meus na revista literária "Tuli & Savu".
Em homenagem ao POETA o poema (com tradução Finlandesa de Rita Dahl): Encontro com Herberto Helder


Há algures uma cidade interrompida onde a luz
já se vai perdendo prostrada entre as âncoras
como estiletes arejados enjaulados nas palavras,

deves ir pela tarde mágica das trovoadas ávidas
quando Cascais vai morrendo um pouco menos
apesar de o miolo da carne infindável ser sangue
emergindo como fungos atiçados junto à pele
em ciclos de intempéries e migrações filicídias,

vai procurá-lo nos jardins embora não te fale
(esquecerás que transportas o contágio das dores
as manhãs ressuscitarão secas sobre os espigões
ao longo das vozes aguçadas a cidade coagulada
ardendo nas candeias sob o ritual dos êmbolos),

pergunta na praça das súplicas enxutas dos velhos
por aquele homem que menstruou a sílaba nua
quando na cidade passava o ar odorífero das ilhas
ele que lutou nos campos da cal contra as cobras
para que a escassa estria ainda se ouça torrencial,

no absurdo da busca na casa do espectro da areia
reside a transparência materna os últimos dias
senta-te sob os salgueiros com a cabeça inclinada
ouve o vento e cheira as entranhas certas da morte
o corpo estilhaçando-se em múltiplas direcções,

pára não digas nada ao ouvido das nascentes
(enquanto escutas as patas frágeis da magnólia
bebe a cidade pelo sexo aberto das fêmeas azuis
guelras por onde resfolega toda a luz preambular
como se fosse a redentora faísca o corpo vegetal),

aí, junto à água, o engenho das bigornas brancas
o fogo das mãos sagazes ardendo como ofício puro
casulo entre as bilhas onde habita o bafo do poeta.
João Rasteiro

http://arjentola.blogspot.com/search/label/Jo%C3%A3o%20Rasteiro

quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Pós-Natal

Algum dia o teu corpo alastrará

Algum dia o teu corpo alastrará
como cães sem boca e olhos esboroados
serás escondido em toalhas de musgo
um embrulho de carnes malditas
onde os indesejados pernoitam velados
nas noites em que os ecos se dissolvem nus.

Os teus irmãos esquecerão o teu aroma
como no principio divino dos abutres
no silêncio acercará alguém à cidade
para apagar os vestígios desnecessários
nas vozes que habitam os íntimos pomares
os frutos rutilantes nas escoras urbanas

nesse lugar tu estarás na dilatada blasfémia.
João Rasteiro

terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Dia de Natal

DIA DE NATAL

Hoje é dia de ser bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.
É dia de pensar nos outros. coitadinhos. nos que padecem,
de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.
Comove tanta fraternidade universal.
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
numa toada doce,
de violas e banjos,
Entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.
De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu
e as vozes crescem num fervor patético.
(Vossa Excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?
Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.)
Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.
Toda a gente se acotovela, se multiplica em gestos, esfuziante.
Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas
e fazem adeuses enluvados aos bons amigos que passam mais distante.
Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,
com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,
cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,
as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.
Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,
ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.
É como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,
como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.
A Oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.
Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.
E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento
e compra. louvado seja o Senhor!. o que nunca tinha pensado comprado.
Mas a maior felicidade é a da gente pequena.
Naquela véspera santa
a sua comoção é tanta, tanta, tanta,
que nem dorme serena.
Cada menino
abre um olhinho
na noite incerta
para ver se a aurora
já está desperta.
De manhãzinha,
salta da cama,
corre à cozinha
mesmo em pijama.
Ah!!!!!!!!!!
Na branda macieza
da matutina luz
aguarda-o a surpresa
do Menino Jesus.
Jesus
o doce Jesus,
o mesmo que nasceu na manjedoura,
veio pôr no sapatinho
do Pedrinho
uma metralhadora.
Que alegria
reinou naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,
fuzilava tudo com devastadoras rajadas
e obrigava as criadas
a caírem no chão como se fossem mortas:
Tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá.
Já está!
E fazia-as erguer para de novo matá-las.
E até mesmo a mamã e o sisudo papá
fingiam
que caíam
crivados de balas.
Dia de Confraternização Universal,
Dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de Sonhos e Venturas.
É dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória a Deus nas Alturas.

António Gedeão

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

NATAL da Vida

POEMA DE NATAL

Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados,
Para chorar e fazer chorar,
Para enterrar os nossos mortos -
Por isso temos braços longos para os adeuses,
Mãos para colher o que foi dado,
Dedos para cavar a terra.
Assim será a nossa vida;
Uma tarde sempre a esquecer,
Uma estrêla a se apagar na treva,
Um caminho entre dois túmulos -
Por isso precisamos velar,
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito que dizer:
Uma canção sôbre um berço,
Um verso, talvez, de amor,
Uma prece por quem se vai -
Mas que essa hora não esqueça
E que por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre,
Para a participação da poesia,
Para ver a face da morte -
De repente, nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte apenas
Nascemos, imensamente.

Vinicius de Moraes

domingo, 23 de dezembro de 2007

NATAL ANTIGO


HISTÓRIA ANTIGA

Era uma vez, lá na Judeia, um rei.
Feio bicho, de resto:
Uma cara de burro sem cabresto
E duas grandes tranças.
A gente olhava, reparava, e via
Que naquela figura não havia
Olhos de quem gosta de crianças.

E, na verdade, assim acontecia.
Porque um dia,
O malvado,
Só por ter o poder de quem é rei
Por não ter coração,
Sem mais nem menos,
Mandou matar quantos eram pequenos
Nas cidades e aldeias da Nação.

Mas,
Por acaso ou milagre, aconteceu
Que, num burrinho pela areia fora,
Fugiu
Daquelas mãos de sangue um pequenito
Que o vivo sol da vida acarinhou;
E bastou
Esse palmo de sonho
Para encher este mundo de alegria;
Para crescer, ser Deus;
E meter no inferno o tal das tranças,
Só porque ele não gostava de crianças.

Miguel Torga

sábado, 22 de dezembro de 2007

NATAL


Deixarei os jardins a brilhar com seus olhos

Deixarei os jardins a brilhar com seus olhos
detidos: hei-de partir quando as flores chegarem
à sua imagem. Este verão concentrado
em cada espelho. O próprio
movimento o entenebrece. Mas chamejam os lábios
dos animais. Deixarei as constelações panorâmicas destes dias
internos.


Vou morrer assim, arfando
entre o mar fotográfico
e côncavo
e as paredes com as pérolas afundadas. E a lua desencadeia nas grutas
o sangue que se agrava.


Está cheio de candeias, o verão de onde se parte,
ígneo nessa criança
contemplada. Eu abandono estes jardins
ferozes, o génio
que soprou nos estúdios cavados. É a cólera que me leva
aos precipícios de agosto, e a mansidão
traz-me às janelas. São únicas as colinas como o ar
palpitante fechado num espelho. É a estação dos planetas.
Cada dia é um abismo atómico.


E o leite faz-se tenro durante
os eclipses. Bate em mim cada pancada do pedreiro
que talha no calcário a rosa congenital.
A carne, asfixiam-na os astros profundos nos casulos.
O verão é de azulejo.
É em nós que se encurva o nervo do arco
contra a flecha. Deus ataca-me
na candura. Fica, fria,
esta rede de jardins diante dos incêndios. E uma criança
dá a volta à noite, acesa completamente
pelas mãos.

Herberto Helder

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

A revisitação dos lúzios

O clarão repercute o movimento
ímpio o trovão batendo por dentro
dos lúzios.ramifica-se a limpidez
imputrescível a luz do instante na
revisitação da ave o lugar sagrado.
os jogos no círculo do presente o
absoluto princípio da construção
ilimitada da memória.na fractura
incisiva a pele em cada espelho no
desejo de excessos.o corpo aberto.
João Rasteiro

PRÉMIOS IX

Pedro Tamen venceu o Prémio de Poesia Luís Miguel Nava para livros publicados em 2006. Este prémio foi atribuído por unanimidade a Pedro Tamen, por «Analogia e Dedos», da Oceanos, chancela da ASA.O júri foi constituído por Carlos Mendes de Sousa, Fernando Pinto do Amaral, Gastão Cruz e Paulo Teixeira.
Analogia e Dedos compõe-se de pessoas, de seres que a sua segura mão trouxe aos leitores que com ele caminharem. Protagonistas dos seus poemas são, por um lado, figuras históricas – passadas ou nossas próximas – e, por outro, personagens do mundo da arte (curiosamente, trata-se aqui de uma divisão artificial, uma vez que Pedro Tamen aborda com a mesma firmeza e sobriedade Moisés, Afonso VI, Raskolnikov, a mosca, ou a lagartixa). Estão no primeiro caso, entre outros, Cleópatra, Herodes, Inês de Castro ou Carlos Paredes; no segundo, Romeu, Ivan Illitch ou Madame Butterfly. Conforme sucedia em muitos dos seus anteriores livros, a tradição católica (e, de uma maneira geral, judaico-cristã) está presente em muitos dos nomes eleitos e em muitas das suas reflexões.
Seja na primeira pessoa, seja sob a forma de breves assaltos narrados por interposta pessoa, Analogia e Dedos percorre um panorama multímodo, um retrato firme e, ainda assim, elusivo de um conjunto de seres que são parte de uma tradição que também nos forma. Da sua boca, ouvimos a inviável luzerna do divino, o abismo humano, a sede terrena, o abandonado terreiro da vida. (Hugo Santos).
Críticas de imprensa: "Analogia e Dedos tem, como sempre, jogos verbais, invenções e inversões, rimas e alterações, vocabulário inesperado e sarcasmo contido ou desabrido. Mas o eixo central é formado por umas escassas dezenas de personagens históricas ou literárias, que Tamen homenageia, interroga ou apouca. Quase todos os poemas levam o nome de uma figura real ou imaginada; mas esta não é uma daquelas galerias solenes e fleumáticas. Desde logo, os poderosos deste mundo têm o tratamento que a História lhes conferiu e que o poeta acentua: a depravação em Alexandre VI, a desgraça vergonhosa em em Afonso VI, a traição feita a César pelo seu amado Brutus. Com Cleópatra, símbolo de sedução, Tamen é particularmente mordaz." (Pedro Mexia).
Do livro Analogia e Dedos, o poema HERZOG:

A minha desforra são palavras.
Levanto-me de manhã amarrotado
pelo peso inclemente das mentira
se vazo no real outro real
das letras que ninguém vislumbrará.
O pássaro que canta é uma palavra,
é uma carta escrita a este, àquele,
que me saiu do lápis da amargura;
tudo se refaria se jamais feita fosse
alguma coisa que a minha mão não desse.
Desforro-me sem gosto. Desforro-me sem gasto,
acorrentado ao que me vem de trás
e ao que virá e que não sei se quero.
Pedro Tamen

domingo, 16 de dezembro de 2007

de "Visitação"

Já lentamente sofro a tua água, o sopro
da memória nas colinas.
deste-me um corpo, a casa
onde acordar o vento, e a terra, e a paz
desconhecida.
nesta cave de pele te implorei os dias
o óleo da manhã nas mãos desertas.
a cada instante me devora o gume
embotado da tua
luz sonora.

afasta do meu rosto a tua vã promessa. deixa
que seja brando o sono sem lembrança,
um chão de terra nua.
do teu jardim de chamas me despeço.
António Franco Alexandre

LIVROS

A editora COSMORAMA acaba de editar o excelente livro Cabeças de Pedro Marqués de Armas, com tradução do poeta Jorge Melícias. Pedro Marqués de Armas [Havana, 1965]. Poeta e ensaísta. Publicou os livros de poesia Fondo de ojo [1988], Los altos manicomios [1993] e Cabezas [2001] e o ensaio Fascículos sobre José Lezama Lima [1994]. Foi redactor da revista alternativa Diásporas, publicada em Cuba entre 1997 e 2003. Poemas e ensaios seus saíram no Diario de Poesía, Crítica, Tsé-tsé, Encuentro de la Cultura Cubana, Lichtungen ou Oficina de Poesia. Entre 2005 e 2007 residiu em Coimbra, ao abrigo do projecto Rede Internacional de Cidades Refúgio. Actualmente reside em Barcelona onde é médico psiquiatra.
Aquando da sua partida para Barcelona, Pedro Marqués de Armas afirmou que «Coimbra será sempre para mim lugar de escrita», garantindo que na sua mente levaria sempre o sentimento de que estaria «a perder algo, o Mondego, as ruas estreitas da Baixa» e especialmente o contacto com os muitos amigos que fez. De Coimbra, como afirmou, levou as melhores recordações culturais. «É, sem dúvida, uma cidade de cultura, embora lhe falte intensidade a nível cultural», constatou, recordando os escritores portugueses que teve oportunidade de ler, de conhecer e até de viver, inspirando-se neles para enriquecer uma vida literária dividida entre livros sobre a História da Psiquiatria em Cuba e a poesia.
Coimbra inspirou a sua escrita e marcou a sua vida, de tal maneira que promete voltar em breve, e várias vezes. «Barcelona não fica assim tão longe…» e afinal, tal como havia prometido em Abril de 2005, quando chegou, não só fez vários amigos em Coimbra, e especialmente na Oficina da Poesia, na Faculdade de Letras, a que aderiu logo em 2005 e que hoje considera «o lugar mais acolhedor para a minha escrita e para interagir com os poetas da cidade», não só se dedicou a vários projectos culturais da cidade, como também escreveu aqui dois livros que pretende lançar em breve, na cidade que o acolheu durante um período importante da sua história enquanto escritor e pessoa.

Não sei se é exagero, mas o poeta brasileiro Régis Bonvicino afirmou recentemente, ser Pedro Marqués de Armas, não só um belíssimo poeta, mas estar entre os melhores poetas jovens da actual poesia mundial.
Do livro Cabeças (Cabezas, vencedor do prémio UNEAC de Poesia 2001, em Cuba) o poema:

Mandrágora

Na margem interior da fronteira, que outros preferem chamar beco sem saída, - B. matou-se.

Claro que todas as fronteiras são mentais, e no caso de B. melhor seria falar de duas.

De modo que B. se matou entre a margem interior e a crista de um pensamento que já não se desviava dele.

Para capultar-se, tomou aquelas raízes de um alcalóide que tinha classificado, e, lançando-se sobre a enxerga de troços fusiformes, encontrou por fim o que buscava: rua de uma só direcção em que todos os números estão apagados, e os brancos pedúnculos mentais desvanecem-se numa matéria de sonho.

Pedro Marqués de Armas

(Tradução de Jorge Melícias)

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Poderias deter as tuas garras

Poderias deter as tuas garras
entre as veias espantadas
dos corpos
quando a morte desce pelas mãos
os gumes do deslumbramento,

a voz fende os olhos
do homem que te escuta
a razão do efémero
no instantâneo beijo do punhal
odores perfumando a despedida
a indómita orgia sísmica e aromática.

Disposto o corpo à sua contrição
só o luar é humano
escasso foi o fulgor das vozes
depois o cheiro do sangue inebria
o abismo irrompendo das têmporas
um turbilhão de sulcos víboras urbanas
como monstros em labaredas genuínas
.

João Rasteiro


quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Epístola para Dédalo

Porque deste a teu filho asas de plumagem e ceras
e o sol todo-poderoso no alto as desfaria?
Não me ouviu, de tão longe, porém pensei que disse:
todos os filhos são Ícaros que vão morrer no mar.
Depois regressam, pródigos, ao amor entre o sangue
dos que eram e dos que são agora, filhos dos filhos.
Fiama Hasse Pais Brandão

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Rita Dahl vai estar no dia 13 de Dezembro em Coimbra, no TAGV - Teatro Académico de Gil Vicente pelas 18h00, onde falará da sua relação com Portugal, bem como lerá os seus poemas, nomeadamente os poemas sobre Portugal.
A apresentação estará a cargo de Graça Capinha, e a Organização estará a cargo da Oficina de Poesia da FLUC e do Projecto de investigação “Novas Poéticas de Resistência”.
Rita Dahl (n. 1971 - Vantaa, na Finlândia) é uma escritora e organizadora de volumes literários em regime freelancer. Formou-se em Ciências Políticas e tem também uma licenciatura em Literatura Comparada. O seu primeiro livro de poemas, "Kun luulet olevasi yksin", foi publicado em 2004 (Loki-Kirjat), a que se seguiu "Aforismien aika" (Poesia), na primavera de 2007. Foi também publicado, na mesma altura, o seu livro de viagens sobre Portugal, "Tuhansien Portaiden lumo - kulttuurikierroksia Portugalissa"(Avain). Foi responsável pela revista de poesia Tuli & Savu, em 2001 e também da revista cultural Neliö (www.page.to/nelio), que teve um número especial sobre Portugal, cuja versão impressa também esteve a cargo de Rita Dahl. Vai publicar um retrato do poeta finlandês Jyrki Pellinen (Poesia) e está a preparar uma antologia de escritoras da Ásia central e outras regiões do mundo (Like), que inclui também os discursos oficiais e os textos de ficção apresentados no Encontro de Escritoras da Ásia central. O evento é organizado pelo PEN CLUB da Finlândia, do qual Rita Dahl é Vice-Presidente. Prepara ainda uma antologia de poesia portuguesa contemporânea, que será editada em 2008. Em Maio de 2007, Rita Dahl foi poeta convidada dos VI Encontros Internacionais de Poetas de Coimbra - Grupo de Estudos Anglo-Americanos, FLUC, Universidade de Coimbra.
De Rita Dahl, o poema, O inferno, inserido na revista brasileira "Confraria do Vento".
O inferno
Uma estrutura concreta afunilada, com nove entradas
ao todo. O inferno é a contínua repetição de tudo,
.
sem que seja possível avançar. O inferno é gelado.
Para onde vão todos os gulosos macerados depois da morte?
.
O inferno está solto, um filme de ação ordinário,
os cristais fluindo das almas miseráveis que se agarram pelas mãos.
.
Talvez o inferno seja belo apesar de tudo.
Durante anos cheguei à conclusão
.
de que não há a igualdade nesse país.
Soa a campainha. Atrás da porta
.
dois mórmons bem trajados.
O inferno era gelado sobre a terra.
.
A caixa de comentários foi deslacrada naquele instante.
O inferno da família ou do paraíso, em qual
.
você pretende passar a eternidade? Tentei tolerar
a mim mesma e entender porque tenho saudades do
.
inatingível. O inferno verdadeiro dos anti-capitalistas
foi deixado de lado. O que acontece depois disso?
.
Sacrificamos seis garrafas, nada
acontece e temos de encher lingüiça.
.
Não se esqueça de que para um masoquista o paraíso é o inferno.
E é impossível saber se é quente ou frio.
.
Se o inferno está cheio, é preciso sentar-se e
esperar. Qual o problema com você?
.
Não sabia? Se o inferno é gelado,
a Finlândia ganhou o concurso de música da Eurovision.
Rita Dahl

domingo, 9 de dezembro de 2007

Ah! não ser eu toda a gente e toda a parte...

Poema
Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.


Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas).

sábado, 8 de dezembro de 2007

Dezembro
Tem sol adentro tem a voz semente,
como se a sílaba pudesse desassombrar a luz
o cheiro espesso e biófilo das coisas esquecidas
bocas como abóbadas sitiando as luminárias
no eixo do relâmpago os rebentos viçosos
perfumes de todos os bálsamos de Jerusalém
vozes em silício dentro do rosto das águas
a paixão do fogo numa última saudação ao sol.

João Rasteiro

Prémios VIII

O poeta argentino Juan Gelman foi o galardoado com o Prémio Cervantes 2007, o mais importante prémio literário concedido a autores de língua espanhola, em reconhecimento do conjunto da sua obra (no ano passado, o galardoado foi Antonio Gamoneda). O prémio, no valor de 90.450 euros é atribuído pelo ministério da Cultura espanhol. Juan Gelman, de 77 anos, já recebeu o Prémio Nacional de poesia, na Argentina, o Prémio de Literatura Latino-Americana e do Caribe Juan Rulfo, o Prémio Ibero-Americano de Poesia Pablo Neruda e o Prémio Rainha Sofia de Poesia Ibero-Americano. Autor de mais de 20 livros desde 1956, quando se estreou com "Violín y otras cuestiones" (violino e outras questões), o escritor concentrou-se primordialmente nos temas do amor, da morte e da dor. A sua poesia foi fortemente marcada pela perseguição que sofreu na ditadura argentina (1976-83). Ameaçado pela Aliança Anticomunista, exilou-se na Itália em 1975. No ano seguinte, o filho e a nora foram seqüestrados pelo regime; ele foi morto e ela desapareceu. Mais de 20 anos depois, Gelman veio a descobriu uma neta no Uruguai. As obras do poeta argentino incluem "Bajo la Lluvia Allena" (debaixo da chuva alheia) e "Amor que Serena Termina.
Em Portugal, poi publicada pela Quetzal Editores, em 1998, uma antologia com poemas de Gelman com o título «No avesso do mundo».
Em Janeiro de 2008 a "A edium editores" procederá ao lançamento do trabalho inédito do recente galardoado pelo prémio Cervantes, da obra "DIBAXU".
Esta obra será apresentada numa edição trilíngue, Sefardita, Castelhano e e traduzida para o Português pelo poeta e ensaísta brasileiro, Andityas Soares de Moura, que em 2007 traduziu(publicação no Brasil) o livro "Com/posiciones".
Do livro "Isso", o seguinte poema:
CHUVA
hoje chove muito, muito,
e parece que estão lavando o mundo.
meu vizinho do lado contempla a chuva
e pensa em escrever uma carta de amor/
uma carta à mulher que vive com ele
e cozinha para ele e lava a roupa para ele e faz amor com ele
e parece sua sombra/
meu vizinho nunca diz palavras de amor à mulher/
entra em casa pela janela e não pela porta/
por uma porta se entra em muitos lugares/
no trabalho, no quartel, no cárcere,
em todos os edifícios do mundo/
mas não no mundo/
nem numa mulher/nem na alma/
quer dizer/nessa caixa ou nave ou chuva que chamamos assim/
como hoje/que chove muito/
e me custa escrever a palavra amor/
porque o amor é uma coisa e a palavra amor é outra coisa/
e somente a alma sabe onde os dois se encontram/
e quando/e como/
mas o que pode a alma explicar?/
por isso meu vizinho tem tormentas na boca/
palavras que naufragam/
palavras que não sabem que há sol porque nascem
e morrem na mesma noite em que amou/
e deixam cartas no pensamento que ele nunca escreverá/
como o silêncio que há entre duas rosas/
ou como eu/que escrevo palavras para voltar
ao meu vizinho que contempla a chuva/
à chuva/
ao meu coração desterrado/
Juan Gelman

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Texto 1

A nodosidade sónica da cidade limítrofe é flanqueada geograficamente

pela salsa-dos-pântanos

onde a mecânica das especiarias liberta as acrobacias do fogo de artificio

sobre os cronómetros das

crises alérgicas

Os cineastas fundadores das espreguiçadeiras de

néons isolam as bandeiras das povoações

nos bastidores mediterrânicos das colheitas

onde as escaladas da coreógrafa coleccionam as dramaturgias das

chuvas que electrificam a basculante da claridade

Os mosaicos-anémonas dos hóspedes desintegram-se nas

sonoridades das máscaras equatoriais

parecem canais de irrigação aos solavancos

entre os

adereços indígenas que radiografam os sismógrafos das fertilizações das comédias

A desdobragem óptica da cronologia estilhaça a quadrícula dos miradouros

e os comboios gráficos computorizam os atlas dos antologiadores

como se encadeassem

copiosamente as colisões do circo botânico

onde os báculos hidromecânicos aperfeiçoam

o borrifo ignescente do mineral

angulómetro sobre as oficinas das homenagens das trompetas

que urdem as ataduras do sul do amendoal dos

pulmões

As fitas dos vídeos arqueiam na marginalidade cerâmica dos emissários

e o resgatamento cartográfico do fotojornalista é liminarmente entoado

entre as papoilas dos

tenores

onde as teclas equestres das partituras julgam

as gralhas das montanhas russas

que as malas das alegorias colonizaram

sobre a nidificação dos ícones do elenco das

paleontólogas.

Luís Serguilha

http://www.antoniomiranda.com.br/Iberoamerica/portugal/luis_serguilha.html


domingo, 2 de dezembro de 2007

As mulheres aspiram a casa para dentro dos pulmões

As mulheres aspiram a casa para dentro dos pulmões
E muitas transformam-se em árvores cheias de ninhos - digo,
As mulheres - ainda que as casas apresentem os telhados inclinados
Ao peso dos pássaros que se abrigam.

É à janela dos filhos que as mulheres respiram
Sentadas nos degraus olhando para eles e muitas
Transformam-se em escadas

Muitas mulheres transformam-se em paisagens
Em árvores cheias de crianças trepando que se penduram
Nos ramos - no pescoço das mães - ainda que as árvores irradiem
Cheias de rebentos

As mulheres aspiram para dentro
E geram continuamente. Transformam-se em pomares.
Elas arrumam a casa
Elas põem a mesa
Ao redor do coração.
Daniel Faria
http://poesiaseprosas.no.sapo.pt/daniel_faria/poetas_danielfaria01.htm

sábado, 1 de dezembro de 2007

Caos

Labirinto


Agora o corpo fala de pássaros
anunciando a erosão rente à língua
o presságio que rasga o linho
o derrame da semente ao morrer.

Assusta-me o vidro dos olhos
esmagando-se no vértice da linha
a dormência ávida das águas
na rotação da última palavra.

Esta é a nudez intacta da luz
o ar na vibração do corpo
o cheiro agreste e puro da cânfora
o peso dos dedos sob o espanto.

João Rasteiro

PRÉMIOS VII

Fernando Guimarães vence prémio de poesia APE

O escritor Fernando Guimarães, de 79 anos, venceu o Grande Prémio de Poesia de 2006 da Associação Portuguesa de Escritores (APE) pela obra "Na voz de um nome".Segundo a APE, o poeta portuense foi escolhido por unanimidade pelo júri. Esta é a segunda vez que a APE distingue Fernando Guimarães com o Grande Prémio de Poesia depois de ter sido galardoado em 1992 por conta da obra "O anel débil". Este galardão tem um valor monetário de cinco mil euros. O autor publica regularmente desde a década de 50, sobretudo poesia e ensaio sobre literatura e filosofia da arte. O prémio da APE junta-se a várias distinções que Fernando Guimarães recebeu já pela sua obra poética, entre os quais Prémio D. Dinis (1985), da Fundação Casa de Mateus, Pen Clube (1988) e Fundação Luís Miguel Nava (2003).
Colaborador de algumas publicações estrangeiras, como o Courrier du Centre International d' Études Poétiques, Tijdschript voor Poezie, ou Europe, podem encontrar-se textos seus, de ensaio e crítica de poesia, avulsamente publicados em revistas e jornais portugueses dos últimos quarenta anos. Actualmente é colaborador permanente do Jornal de Letras.
A sua obra entende-a como necessária – “Não para os outros, mas para mim. Mas se ela puder dizer qualquer coisa aos outros, se abrir um caminho de comunicação, então sentir-me-ei feliz. Mais nada”. No entanto, considera que a linguagem poética da poesia contemporânea não tem um reflexo imediato, como teve a poesia do século XIX, talvez por esta ser mais densa e hermética. No seu entender, a poesia é uma “experiência” – “uma experiência da linguagem, naturalmente, e também da imaginação. Realiza-se, assim, um encontro que não é propriamente com os leitores, mas com o espaço literário, com situações de leitura.”

Acerca do sentido [2]

Que limites existem para a luz? Veio alguém acender
esta candeia. À nossa volta, uma pequena chama
principia a erguer-se, mas em vão é que ela se conserva
perto de nós, quando abrimos devagar as leves
páginas cujo sentido se ignora e as fechamos depois
sem esperança, como se fosse este o seu destino no interior
da noite. Estamos ali adormecidos e havemos de encontrar
uma outra luz, maior, que as permita ler.
Lições de Trevas, Quasi Edições, 2002
Fernando Guimarães

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

À beira das salinas os homens declinam

À beira das salinas os homens declinam,
as cabeças como cometas fulminantes.

De longe a longe vêm os filhos,
trazem a solidão como um metal aceso nas costas
trazem um enxame de dardos.
E a memória é um pulso atravessado.

Quando partem fecham atrás de si as portas,
e os homens voltam a sentar-se sobre as estacas
e brilham.
Jorge Melícias

domingo, 25 de novembro de 2007

SALAMANCA


Aguarela do pintor Miguel Elías
Ressurreição
A Antonio Colinas

A ascensão das vozes a cada pancada hirta do sangue
transborda como cântaros de mel à beira do Tormes
os pássaros regressam aos abrigos das cópulas do sol
e os homens voltam a repousar nas estacas e brilham,

no leito incansável da pedra o último choro dos mortos
todos os germes oprimidos eclodindo como açucenas
o espaço da construção em feroz fulgor pois é inacabado,

ressuscita-se hoje das chagas e escreve-se o nome terra
na língua de fogo que abraça os livros que não sonharei.
João Rasteiro


PRÉMIOS VI


O poeta, ficcionista e editor valter hugo mãe (na escrita do autor as maiúsculas estão ausentes) venceu a edição de 2007 do Prémio Literário José Saramago com a obra “o remorso de baltazar serapião”.No anúncio a presidente do júri, Guilhermina Gomes, revelou a unanimidade da decisão de um júri "especial e dificilmente alcançável": Maria de Santa Cruz, Nazaré Gomes dos Santos, Manuel Frias Martins, Nélida Piñon, Pilar del Rio, Vasco Graça Moura e Ana Paula Tavares. Ao receber o prémio, valter hugo mãe afirmou: “Estou muito aflito. É profundamente chocante receber este prémio desta forma. Estou habituado a pensar na escrita como um exercício de solidão e hoje sinto-me muito acompanhado”. O escritor que dá o nome ao galardão, José Saramago, classificou o livro como um “tsunami”. Saramago acrescentou que o adjectiva assim “no sentido total, linguístico, estilístico, semântico e sintáctico. Não no sentido destrutivo, mas no sentido do ímpeto e da força”. O premiado garante que a sua “forma de protestar é expôr, e o livro manifesta de uma forma asquerosa o que alguns homens pensam sobre as mulheres”.A obra premiada conta a história de uma família na Idade Média, onde o protagonista, baltazar, que vive entre a pobreza e a violência, descobre que a vaca, animal de estimação, tem tanta importância como a sua mãe. Porém, no meio da escuridão, baltazar vê a luz: Chama-se ermesinda e é a mais bela e ajuizada da aldeia. Os protagonistas casam-se e, pouco tempo depois, o senhor exige a ermesinda que o visite todos os dias pela manhã, antes da sua mulher acordar. O que se passa nos encontros ninguém sabe, mas é o suficiente para baltazar enlouquecer.Escrito numa linguagem que pretende representar a língua arcaica e rude do povo ignorante medieval, “o remorso de baltazar serapião” é um livro sobre o poder sinistro do amor e uma metáfora da violência doméstica.
Alguns dos seus poemas estão traduzidos e editados em espanhol, francês, inglês, checo e árabe.
poema
o conjunto de todos os
nomes é o nome de
deus, enumeramos o diabo
e as suas questões como
dobra do nosso pecado, e não
desperdiçamos palavra alguma,
somos os mais silenciosos
súbditos, uma oferenda
débil como um peixe
ainda turvo fora de água
valter hugo mãe

sábado, 24 de novembro de 2007

O tímpano e a pupila

Num dos pratos o mar, no outro um rio, agora
que o tempo se desossa,
que as pedras
que piso se me enterram na memória e os caminhos
se me aguçam na alma como lâminas, o pão
molhado nas feridas,
o pão
ele próprio já também uma ferida, agora
que o tempo, que já tanto
compararam a um rio, mais
não é do que uma leve exsudação nos muros,
nas mãos, agora
que o céu se encrespa e que pedaços
de mundo arremessados
com toda a força aos olhos revolteiam
na treva antes de se extinguirem,
mais magro do que a neve
caminho, a alma aberta como uma ferida,
ao longo da memória, onde se fundem
o tímpano e a pupila.

Luís Miguel Nava

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Em cada pedra, um epitáfio

À Fiama H.P.Brandão

Enquanto quis Fortuna
que tivesse
um monólogo de fogo voluteando
o frágil labirinto das vozes,
partilhou as fábulas do louvadeus.

Agora, o rosto puro da água
perdeu a casta do sangue
o subtil cortejo da sílaba a queda
contínua a ferocidade de uma outra rosa
no fundo da cabeça do hóspede.

Não te conformaste com este mundo.
Sob a película do ventre cintilante da luz
os ávidos sentidos a chama cortante
voltada outra vez aos primórdios
do sopro mais extenso do que o eco.

E hoje, é este o lugar a branca flor que fulge
.
João Rasteiro
É amanhã, dia 22 de Novembro, pelas 18h00, na Sala de Conferências da Casa Municipal da Cultura (Rua Pedro Monteiro), em Coimbra, que se realiza a sessão de apresentação do último livro do poeta Xavier Zarco: "Variações sobre tema de Vítor Matos e Sá: Invenção de Eros", que foi distinguido com o Prémio de Poesia Vítor Matos e Sá - 2007, certame organizado pelo Conselho Científico da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Esta obra é editada pela edium editores. A apresentação da obra será feita pelo escritor António Vilhena.
Como referiu no prefácio José Félix, "O poema de Xavier Zarco é um corpo textual que permite uma viagem de gestos numa relação amorosa onde a palavra, o verso, inicia o canto musical que o tempo compõe na partitura da "Invenção de Eros".
Este ciclo nasce, tal como o próprio título indicia, de um tema, um poema de Vítor Matos e Sá intitulado “Invenção de Eros”.
1.
Há um lago no rosto da casa
aberta
na face das tuas mãos.
O
Talvez
somente os teus olhos
o desvendem.
O
Talvez o vento
de passagem
em ti recolha
O
a Invenção de Eros.
Xavier Zarco

terça-feira, 20 de novembro de 2007

O POEMA
Poemas, sim, mas de fogo
devorador. Redondos como punhos
diante do perigo. Barcos decididos
na tempestade. Cruéis. Mas de uma
crueldade pura: a do nascimento,
a do sono, a da morte.

Poemas, sim, mas rebeldes.
Inteiros como se de água, e,
como ela, abertos à geometria
de todos os corpos. Inteiros
apesar do barro e da ternura
do seu perfil de astros.

Poemas, sim, mas de sangue.
Que esses poemas brotem do
oculto. Que libertem o seu pus
na praça pública. Altos, vibrantes
como um sismo, um exorcismo
ou a morte de um filho.
Casimiro de Brito

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Amanhã, 20 de Novembro pelas 15h00 estarei no programa VIA CENTRO do Rádio Clube de Coimbra para falar do meu modesto percurso literário. Dos livros publicados, ao livro a editar e denominado ISTAMBUL, da literatura em geral, da cultura em Coimbra e sobretudo falar de poesia. Aos que não possuírem mais nada para ocupar o tempo…então, só têm de ligar a rádio na frequência 98.4…e boa sorte e paciência para todos!!!
João Rasteiro
Mas que sei eu

Mas que sei eu das folhas no outono
ao vento vorazmente arremessadas
quando eu passo pelas madrugadas
tal como passaria qualquer dono?

Eu sei que é vão o vento e lento o sono
e acabam coisas mal principiadas
no ínvio precipício das geadas
que pressinto no meu fundo abandono

Nenhum súbito súbdito lamenta
a dor de assim passar que me atormenta
e me ergue no ar como outra folha

qualquer. Mas eu que sei destas manhãs?
As coisas vêm vão e são tão vãs
como este olhar que ignoro que me olha
Ruy Belo

domingo, 18 de novembro de 2007

O desejo

Antera

o teu corpo
uma seta
acordada em chegadas
mande-o ainda em poemas perversos
de antilira, feito em antiverso

(ou será ele
o meu sopro de metal
que me alimenta
e decepa?)
é natural
poetas e poetas que buscam
o requinte das orquídeas
e também o teu sopro
era a perfeição
e todos os que entravam
te roubavam
um pouco de mim
o frenesim de olhar-te espanto
raiz poema
sobretudo isso – o respirar-te.
João Rasteiro

PRÉMIOS V

O poeta Nuno Júdice, foi o vencedor do Prémio Nacional de Poesia António Ramos Rosa, com o livro "As coisas mais simples". O poeta afirmou-se "satisfeito", tanto mais que distingue um livro de que "gosta particularmente". Nuno Júdice, citado pela agência Lusa, evocou três razões pelo facto de estar "satisfeito" com a distinção. "Antes de mais por ser um livro de que gosto particularmente, depois por ser um prémio da minha terra, e por ter o nome de um poeta tão importante". Referindo-se à sua poesia, qualificou-a de "narrativa, com muitas ligações a objectos, coisas concretas, histórias, personagens". Nuno Júdice contesta a ideia de que a poesia vende pouco em Portugal, considerando que "relativamente a outros países com hábitos de leitura mais sólidos, como Espanha ou França, temos um público muito importante, o que é um estímulo muito forte".
Segundo o júri, Nuno Júdice mereceu o prémio"pela concisão e elegância da sua linguagem que, com despojada narratividade, percorre os mais vastos domínios da Arte Poética em constante diálogo com o quotidiano de "As Coisas Mais Simples".
Na área da poesia, Nuno Júdice referiu ainda a experiência "muito interessante" de ter escrito para um fado tradicional respondendo a um desafio que lhe foi lançado por Carlos do Carmo. Para o próximo ano, Nuno Júdice promete editar um novo livro de poesia. O Prémio Nacional de Poesia, com o valor de 5000 euros, foi entregue na Biblioteca Municipal António Ramos Rosa, em Faro, durante um recital integrado em "Faro, Capital dos Poetas e da Poesia".
Sinopse( LivrosNet):
"O regresso a uma linha de poema narrativo, tratando os grandes problemas da poesia desde a era clássica até hoje. Mas há também um ponto de partida nas “coisas mais simples“ do quotidiano e da realidade, que são o motor do imaginário destes poemas".

Nunca são as coisas mais simples que aparecem
quando as esperamos. O que é mais simples,
como o amor, ou o mais evidente dos sorrisos, não se
encontra no curso previsível da vida. Porém, se
nos distraímos do calendário, ou se o acaso dos passos
nos empurrou para fora do caminho habitual,
então as coisas são outras. Nada do que se espera
transforma o que somos se não for isso:
um desvio no olhar; ou a mão que se demora
no teu ombro, forçando uma aproximação
dos lábios.
Nuno Júdice
Ver Ensaio da minha autoria sobre a poesia de Nuno Júdice:
http://triplov.com/poesia/Nuno-Judice/Bios/index.htm

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

A ROSA

THE SICK ROSE REVISITED AGAIN

Rosa, rosa indolente,
o invisível verbo
que agride na enferma
sílaba do corpo e do branco

entrou nas minhas entranhas
ensandecidas de agonia
e o seu odor dissimulado
preparou a minha morte.


JOÃO RASTEIRO

terça-feira, 13 de novembro de 2007

O Centro do Mundo

Camões dirige-se aos seus Contemporâneos

Podereis roubar-me tudo:
as ideias, as palavras, as imagens,
e também as metáforas, os temas, os motivos,
os símbolos, e a primazia
nas dores sofridas de uma língua nova,
no entendimento de outros, na coragem
de combater, julgar, de penetrar
em recessos de amor para que sois castrados.
E podereis depois não me citar,
suprimir-me, ignorar-me, aclamar até
outros ladrões mais felizes.
Não importa nada: que o castigo
será terrível. Não só quando
vossos netos não souberem já quem sois
terão de me saber melhor ainda
do que fingis que não sabeis,
como tudo, tudo o que laboriosamente pilhais,
reverterá para o meu nome. E mesmo será meu,
tido por meu, contado como meu,
até mesmo aquele pouco e miserável
que, só por vós, sem roubo, haveríeis feito.
Nada tereis, mas nada: nem os ossos,
que um vosso esqueleto há-de ser buscado,
para passar por meu. E para outros ladrões,
iguais a vós, de joelhos, porem flores no túmulo.
Jorge de Sena

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

WILLIAM BLAKE

Os 250 anos de William Blake celebrados com criações de teatro, música, cinema, pintura exposições e multimédia assinalam no Teatro Académico de Gil Vicente em Coimbra, entre 06 e 28 de Novembro, as comemorações dos 250 anos do nascimento de William Blake, poeta e pintor visionário inglês.
O projecto concebido pelo professor universitário e tradutor Manuel Portela, hoje apresentado em conferência de imprensa, desenvolve um diálogo entre diversas disciplinas artísticas com as criações de Blake para destacar a obra de um dos grandes artistas da humanidade, ainda pouco conhecida em Portugal.
O Teatro Académico de Gil Vicente (TAGV), que tem como director Manuel Portela, é o palco escolhido para as realizações programadas e também o produtor desta homenagem, em dois espectáculos, com a colaboração dos grupos de teatro Camaleão e Marionet e a Orquestra Clássica do Centro (OCC).
Entre as várias iniciativas (algumas já realizadas ou inauguradas) amanhã dia 13 realiza-se a segunda mesa-redonda, "Blake poeta", com a presença de Gastão Cruz e Manuel Portela, dois dos principais tradutores para português de William Blake.
Além de versões de William Blake que incorpora nos seus próprios poemas, Gastão Cruz traduziu Doze Canções de Blake (1980), antologia que inclui poemas de Canções da Inocência (1789), Canções da Experiência (1794) e Poemas do Manuscrito Pickering (1803).
O Tigre
Tigre, tigre que flamejas
Nas florestas da noite.
Que mão que olho imortal
Se atreveu a plasmar tua terrível simetria ?

Em que longínquo abismo, em que remotos céus
Ardeu o fogo de teus olhos ?
Sobre que asas se atreveu a ascender ?
Que mão teve a ousadia de capturá-lo ?
Que espada, que astúcia foi capaz de urdir
As fibras do teu coração ?

E quando teu coração começou a bater,
Que mão, que espantosos pés
Puderam arrancar-te da profunda caverna,
Para trazer-te aqui ?
Que martelo te forjou ? Que cadeia ?
Que bigorna te bateu ? Que poderosa mordaça
Pôde conter teus pavorosos terrores ?

Quando os astros lançaram os seus dardos,
E regaram de lágrimas os céus,
Sorriu Ele ao ver sua criação ?
Quem deu vida ao cordeiro também te criou ?

Tigre, tigre, que flamejas
Nas florestas da noite.
Que mão, que olho imortal
Se atreveu a plasmar tua terrível simetria ?
Tradução de Ângelo Monteiro
Versão Original:[Leia a versão original desta Poesia: The Tiger, de William Blake - em inglês]

domingo, 11 de novembro de 2007

Criação


Morte significa corpo áureo
umbilical

se

a palavra é uma cicatriz
perfeita
sob o branco aberto do sangue
lúcido
demasiado cru na língua
oferecida

se

a garganta é um fole
chumbado
sob a lava visível da boca
elíptica
sucessivamente árida nos dentes
castrados

se

os animais se cosem ao corpo
insurrecto
mergulhando nas vísceras alquímicas
vozes
sob todos os solos auríferos
ventres

se

em seu cortejo o corpo principia
absoluto
nesse espaço único de tímpano e pupila
vagas
onde a luz não difere da escuridão
o corpo ileso

toda a queimadura intrínseca do eixo dos animais.
João Rasteiro

Prémios IV

João Rasteiro e António Lobo Antunes

Prémio Camões 2007
Antonio Lobo Antunes nasceu em Lisboa, em 1942. Médico psiquiatra, foi convocado pelo exército português para servir na guerra em Angola. É considerado por vários críticos em todo o mundo como o mais importante romancista português depois de Eça de Queirós. António Lobo Antunes tornou-se um dos escritores portugueses mais lidos, vendidos e traduzidos em todo o mundo. Pouco a pouco, a sua escrita concentrou-se, adensou-se, ganhou espessura e eficácia narrativa. De um modo impiedoso e obstinado, esta obra traça um dos quadros mais exaustivos e sociologicamente pertinentes do Portugal do século XX.Em Setembro, no 7.º Festival de Literatura de Berlim, António Lobo Antunes foi longamente aplaudido por centenas de centenas de pessoas que assistiram a uma leitura das suas obras, em Português e Alemão. António Lobo Antunes foi apresentado pelos responsáveis do festival de Berlim 2007 como «o maior escritor lusitano da actualidade». O seu ultimo romance «O Meu Nome é Legião» é já considerado outra das grandes obras do autor. Em 2007 foi galardoado com o Prémio Camões, na sua 19ª edição.Para quem gosta de A. Lobo Antunes aqui fica a entrevista integral no Diário de Notícias, da semana passada. Pode ler-se “alguma coisa” aqui >>.
Este é o novo romance de António Lobo Antunes, Prémio Camões 2007, o mais importante prémio literário de língua portuguesa. Num livro mais pequeno e de menor complexidade do que os anteriores, segue a vida dos jovens de um bairro social da periferia de uma grande cidade, descrita através de um relatório de polícia, o que aproxima a escrita do registo das crónicas. Com este novo romance, António Lobo Antunes inova a sua técnica narrativa de forma muito perceptível, sendo surpreendente a forma como o faz.
«O livro equaciona o problema do mal, manifestando nessa meninice irresponsável a indecidível culpa ou inocência, imputável ao vazio cultural e ao viver carenciado, que mescla consequências demoníacas numa aura de edénica ambiguidade. E com a qualidade de escrita ímpar a que Lobo Antunes nos habituou.»
Maria Alzira Seixo, JL
«"O Meu Nome É Legião" narra-nos um universo povoado de seres dilacerados e estilhaçados, que vivem um conflito interior travado entre as várias facetas das suas personalidades, em luta contra os fantasmas e as obsessões que teimam em surgir e põem a nu fragilidades inconfessáveis e sofrimentos inomináveis.»
Agripina Carriço Vieira, JL
«Não será, porém, a beleza, antes a “palavra justa” que o move. Nessa busca vem António Lobo Antunes construindo uma obra na qual, apesar da crueza das temáticas e da claustrofobia instalada, a compaixão pelas personagens se imprime na sua capacidade para as compreender a todas no desespero comum aos deserdados, que somos todos – aqui: polícias, filhos, putas ou criminosos – , “possessos de vários demónios” que cabe ao escritor dar a ver mas não julgar. À maneira de Tolstoi, porventura, o maior de sempre.»
Ana Cristina Leonardo, Expresso
Excerto da obra:
" (...) e não tenho medo dela, não tenho medo de vocês, não tenho medo de nada, os plátanos do pátio mil plátanos de berma de estrada que vou ultrapassando um a um neste carro roubado com a velha no outro banco a dizer-me- Menino (...)
IN, Webboom.pt

sábado, 10 de novembro de 2007



A magnólia

A exaltação do mínimo,
e o magnífico relâmpago
do acontecimento mestre
restituem-me a forma
o meu resplendor.

Um diminuto berço me recolhe
onde a palavra se elide
na matéria - na metáfora -
necessária,e leve, a cada um
onde se ecoa e resvala.

A magnólia,
o som que se desenvolve nela
quando pronunciada,
é um exaltado aroma
perdido na tempestade,

um mínimo ente magnífico
desfolhando relâmpagos
sobre mim.
Luiza Neto Jorge

O Juízo Final


O território dos anjos


esta é a nascente o horto
dos anjos
a luz interrompida do espigão
velhas falas do jardim do éden
Hebrom entrançado
talhado em línguas de delírio torrente espraiada
o milagre em ti sedento ser rupestre
das acácias tenras no golpe
coroas vermelho-cereja geografias
um jardim flor as entranhas do casulo
florindo o desastre
a reincidência das cobras
a terra do júbilo o sémen demoníaco
sob as luas da velha cidade esférula
tanta chuva vermelha manhãs ausentes de vozes concêntricas

O

o dia os dias das preces
sílabas dos lábios do Mediterrâneo raiado
o metal despojado dobrado fundente
brilho do mar o sal nas veias abertas
os antigos corpos fendas à saída de Khan Yunis
vulcões de roseiras bravas
animais cegos
vagueando em círculos a verdade
na convulsão dos anjos
a extracção do ferrão

O


toda a cegueira os olhos de pedra numa cidade de chumbo feroz
na hora das silhuetas o metal irrompemdo fresco
o coração dos sábios
o sísmico fascínio
do crime indistinto
procurando o equilíbrio sagrado da estocada
no monte das tentações
corpos anjos demónios a respiração
o hálito carnívoro das raízes do mel
um rasgão de asas na súplica do verbo.

João Rasteiro