sexta-feira, 28 de agosto de 2009

O Desequilibrista Definitivo

.......................M.S. LOURENÇO - (1936-2009)
A morte da literatura

Entretanto, cem anos de perplexidade chegaram para mostrar que Deus não morreu, uma vez que a todo o momento os deuses ressuscitam. A segunda prognose também ainda não se realizou e, embora pendurado à beira de um abismo, o homem ainda não morreu. Ambos, Deus e o homem, são uma criação da Literatura, do Logos, que é o princípio por meio do qual as coisas passam a ser. Assim a morte da Literatura é o Apocalipse.
......................................In, Os Degraus do Parnaso
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“O Sutra de Patricia Rimpoche”
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(...)
Assim,
Tudo é novo debaixo do Sol,
Único, livre de passado, presente e futuro,
Na outra onda do tempo.
O choque da inspiração global,
A descarga contínua da corrente,
Rasga o cérebro em carne viva.
Instantânea, pois, a descoberta.
Mas o milagre é cagar de manhã,
Espontâneo, e limpar o cu à relva
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domingo, 23 de agosto de 2009

BIG ODE nº 7


Foi lançado em Julho o nº 7 da revista BIG ODE – Poesia & Imagem, a qual integra dois poemas meus. Os coordenadores da mesma, Rodrigo Miragaia e Sara Rocio dedicaram este número ao “sublime" e o que se pode dizer é que resultou num excelente conjunto de trabalhos.

A revista inclui desta vez um DVD com pequenos vídeos de 28 artistas internacionais, o que lhe vem dar uma outra dimensão - entre eles, Alberto Guerreiro, Angelo Ricciardi, Antonia Valero, Gustaf Almlof, Jaanika Peerna, Mikey Peterson, Mohamed Ezoubeiri, Patrich Gofre, Sara Rocio ou Steven Hoskins.

A secção que neste número é dedicada à mail art acentua igualmente esse aspecto, com as participações de Arturo Accio, Clemente Padin, Hilda Paz, John Helder Jr., Vittore Baroni, Luc Fierens, Reed Altemus, Maria Arcieu, Rod Summers e Serge Luigetti, entre outros.

Quanto ao “corpo principal" da revista, constituído por poemas, fotografia, desenhos, textos e poemas visuais, tem como alguns nomes Angelo Mazzuchelli, A. Da Silva O., Constança Lucas, Fernando Aguiar, João Rasteiro, Rui Costa, Roberto Keppler, Rodrigo Miragaia, Rui Tinoco e Sérgio Monteiro de Almeida.
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Como um mausoléu
Como um mausoléu enorme e sem ninguém
frágil é a revolução difusa das constelações
que abriram de corola em corola a madrugada
o sentido heróico e excelso da sílaba de oiro
um país inclinado sobre a lírica de Camões.
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A criança e os cravos, um sopro alucinado
no nevoeiro fatigado da espera dos pássaros
os que se foram nus com as primeiras chuvas
emigrantes de outros sonhos que o tempo urde
e há clarões no céu que nunca acendem a terra.
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Talvez ainda regresse o grande guerreiro da luz
o fogo e abril nos marejados olhos das gaivotas
e mulheres transformar-se-ão em pórticos de sal
a grande flor perfumada deleitando-se primavera,
não chegará seu tempo para enlouquecer o meu.
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Como um mausoléu geométrico e sublime dor
o golpe incide na língua que molha minha voz
ó soluço de palavras maternais e azul profundo
e se esta é ainda a ditosa pátria amada de Afonso
porque como uma concha está meu coração vazio?
................................................................João Rasteiro

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

"O Indesejado"

A Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) decidiu atribuir a Medalha de Honra a título póstumo a Jorge de Sena. O poeta falecido em 1978 nos Estados Unidos e cujos restos mortais serão agora trasladados para o cemitério dos Prazeres na primeira quinzena de Setembro, sem dúvida "um dos maiores nomes da poesia portuguesa de todos os tempos e uma das figuras mais marcantes da nossa vida cultural do século XX", "vê" passado 21 anos(!!!) ser-lhe hipocritamente atribuida esta "honraria" - para ele, ou para a SPA?

Esta considera que "o regresso definitivo de Jorge de Sena a Portugal encerra um longo ciclo de desencontro e afastamento que tão profundamente marcou a sua vida e a sua obra, e que tão profundamente marcou a cultura portuguesa do século XX". Desencontros e afastamentos, na verdade foram bastantes, neste país já estamos habituados, não é fácil conviver com (os poucos) os "grandes" que misteriosamente por vezes surgem na cultura e sociedade portuguesa.


Relativamente à sua poesia, Jorge Sena afirmou um dia que ela representava "um desejo de independência partidária da poesia social, um desejo de comprometimento humano da poesia pura, um desejo de expressão lapidar, clássica, da libertação surrealista, um desejo de destruir pelo tumulto insólito das imagens qualquer disciplina ultrapassada e sobretudo um desejo de exprimir o que entende ser a dignidade humana - uma fidelidade integral à responsabilidade de estarmos no mundo". Saberão estes senhores, saberá Portugal, o que isto quer dizer?

Um Epílogo
Quando estes poemas parecerem velhos,

e for risível a esperança deles:

já foi atraiçoado então o mundo novo,

ansiosamente esperado e conseguido

- e são inevitáveis outros poemas novos,

sinal da nova gravidez da Vida

concebendo, alegre e aflita, mais um mundo novo,

só perfeito e belo aos olhos de seus pais.

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E a Vida, prostituta ingénua,

terá, por momentos, olhos maternais.

........................Jorge de Sena, in 'Coroa da Terra'


http://cvc.instituto-camoes.pt/figuras/jdesena.html

http://www.astormentas.com/din/poemas.asp?autor=Jorge+de+Sena

http://www.jornaldepoesia.jor.br/sena.html

http://www.citador.pt/poemas.php?poemas=Jorge_Sena&op=7&author=1110

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

PORTUGUESIA

PORTUGUESIA – Minas entre os povos da mesma língua / antropologia de uma poética”, é a contraantologia organizada pelo poeta brasileiro Wilmar Silva (recentemente foi editada pela Cosmorama uma antologia da sua poesia - "Yguarani"), lançada no passado dia 10 de Julho na Casa de Camilo Castelo Branco, em S. Miguel de Seide, Vila Nova de Famalicão, conforme aqui referi anteriormente e na qual tive a honra de participar (antologia e debates).
Esta enorme e ambiciosa obra , congrega 485 poemas de 101 poetas de Portugal, Brasil (Minas Gerais), Cabo Verde e Guiné-Bissau, com uma particularidade bastante interessante: os poemas foram sequenciados sem uma ordem cronológica, alfabética ou por autor, não estando sequer, assinados ao fundo da página. Cada poema tem apenas uma letra, junto ao número da página que remete então o leitor mais curioso para uma listagem de autores e que, através da letra e do número da página, conseguirá então identificar o autor do(s) poema(s).
Como referiu durante o evento o poeta E.M.Melo e Castro, o nome do autor funcionará assim nesta antologia como verdadeiro índice, e não com mero ícone.
O estratagema criado pelo Wilmar Silva, talvez confira uma maior unidade aos poemas seleccionados/antologiados e poderá dar ao leitor a ideia de uma certa continuidade e a tentativa de através de uma forma inovadora tentar fazer valer os textos/poemas por si mesmo.
A somar ao volume de poemas recolhidos/antologiados, PORTUGUESIA, inclui ainda um DVD com todos os poetas antologiados a lerem/declamarem alguns dos seus poemas (quase todos os poemas que os poetas lêem no DVD, não são os poemas publicados na antologia).
O DVD tem a duração aproximada de 2 horas, mas a alternância de poetas/poéticas, os contextos onde estes lêem os seus poemas e os enquadramentos feitos pelo Wilmar fazem com que esta sequência de vídeos/leituras se torne bastante agradável e sedutora.
Alguns dos nomes que integram esta contraantologia, são Alécio Cunha, António Ramos Rosa, Arménio Vieira, Aroldo Pereira, Babilak Bah, E. M. de Melo e Castro, Fabrício Marques, Fernando Aguiar, Filipa Leal, Gonçalo M. Tavares, Guido Bilharinho, Iacyr Anderson de Freitas, João Miguel Henriques, João Rasteiro, Jorge Melícias, Jorge Reis-Sá, José Luis Peixoto, José Rui Teixeira, Luís Eustáquio Soares, Luís Serguilha, Márcio Almeida, Milton César Pontes, Nuno Rebocho, Oswaldo Osório, Pedro Mexia, Pedro Sena-Lino, Ronaldo Werneck, Ruy Ventura, Tony Tcheca, valter hugo mãe, Wagner Moreira, Waldir Araújo e o próprio Wilmar Silva.
Em conclusão, um projecto interessantíssimo, de um excelente poeta e que afirma de forma repetida a pretensão de que a palavra/termo "Lusofonia" deveria ser substituída de vez pela palavra "PORTUGUESIA", pois o que está em causa é a língua portuguesa.
Infelizmente, pela sua importância (e afirmo tal facto podendo ser suspeito nesta opinião), o livro/antologia/contraantologia não está à venda em Portugal, pelo que para se conseguir um exemplar terá que ser contactada a própria editora ( anomelivros@anomelivros.com.br ).
Embora existisse o apoio de uma autarquia como Vila Nova de Famalicão, o facto é que não estando envolvidas entidades como a CPLP, Ministério da Cultura Portuguesa, Instituto Camões ou outras que "dominam" os meios de comunicação social, as notícias sobre a "Portuguesia" não são propriamente abundantes. Refira-se no entanto o facto de alguns blogues e páginas literárias online, jornais e rádios regionais, e a RTP África, com uma bela entrevista ao Wilmar Silva, se terem referido ao evento.
Segue-se um dos meus poemas integrados/seleccionados pelo Wilmar Silva :
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Círculo
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Ninguém. Só as mãos e as palavras,
do sulco e das raízes vidradas
que dos membros a brecha do muro
é a imagem partida do outro.
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Nada. Apenas uma obscura mágoa,
só o respirar da luz na teia
os dedos que viajam na carícia
e a visão no centro da distância
o calor materno dos animais.
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Extensa. A memória da sombra morde
e se respiro a boca não atinge
o sopro das palavras em fogo
o movimento cruel em suicídio calculado.
................................In, No Centro do Arco, 2003
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sábado, 8 de agosto de 2009

the war of life

......................Raul Solnado (19/10/2009 - 08/08/2009)

A arte da guerra

Então surgiu um homem sufocado
com a boca semeada de lascas de pedras
na eterna idade das erícias o terrível lugar.

Deus é deus
esteja lá onde estiver e
o poeta moribundo preso na teia
por canais subtis na boca dos líquidos
segredos que fermentaram a cega luz
para matar a palavra sob os bichos cintilantes.


Deus é deus
seja lá ele quem for e
o chão de onde saíram os demónios
é o eixo de mármore implacável
a carne as pedras mais pontiagudas
vísceras como ele sangue límpido terra e pó.

Deus é deus
queira lá ele o que quiser e
a língua é como um véu transparente
uma criatura viva de bocas vivas
promessas de dois pilares cravados na sílaba
ungida batalha a fala que respira antes da morte.

Deus é deus
invente lá ele o que inventar.
Batalha é horto
ocorra ela onde ocorrer.
Espelho em mim
espelho em que ousar
viver – vivo como o oficio inquieto.

A celebração continua agora desfocada
numa zona de caça rudimentar e desfechada
onde as palavras escorridas se devoram entre si.
.................................................João Rasteiro

http://pt.wikipedia.org/wiki/Raul_Solnado
http://www.macua.org/biografias/raulsolnado.html
http://www.youtube.com/watch?v=htvVRM4K8MY&feature=related
http://jn.sapo.pt/PaginaInicial/Cultura/Interior.aspx?content_id=1329587

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

A Bigorna e o Anjo

Eram boas pois, mas acabaram: as benditas e simultâneamente malditas FÉRIAS! Durante os dias em que o No Centro do Arco esteve de férias, participei em Vila Nova de Famalicão no PORTUGUESIA: Minas entre os povos da mesma língua, antropologia de uma poética, o meu novo livro, Pedro e Inês ou As madrugadas esculpidas, foi apresentado na Biblioteca Municipal de Cascais, em São Domingos de Rana, entretanto saiu mais um número, o #7, da revista BIG ODE – Poesia & Imagem, na qual participei. Estes são alguns assuntos que voltarei a trazer aqui para o "centro do arco".
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Mas, agora quero falar da exposição individual de pintura A BIGORNA E O ANJO do surrealista holandês RIK LINA (na imagem com Mário Cesariny), a inaugurar no próximo dia 7 de Agosto na Fundação Escultor José Rodrigues (Fábrica Social) pelas 18:00, na Rua da Fabrica Social no Porto. A inauguração contará com a presença do pintor. Haverá ainda lugar a declamação de poesia, que será efectuada por mim, aliás com muito prazer, não só pelo extraordinário pintor que é o Rik Lina, mas sobretudo pela amizade que nos une. Haverá ainda uma sessão de trabalho colectivo por parte do Cabo Mondego Section of Portuguese Surrealism e ainda a apresentação do documentário audiovisual de Rik Lina com musica experimental do compositor norte americano Paul Goodman. O evento contará também com a apresentação de um belo livro com o mesmo nome, A Bigorna e o anjo, editado pela editora dEbOUt sUr ´L´OEUF.
Em baixo um poema meu que integra o livro acima referido.
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A morte em suas cores de vida
...................................ao Rik Lina
I
Mas vede como o altivo mundo
envolto em seus trilhos de sonhos e abismos
vem orvalhando as cores em seus ardis,
um homem esconjurado em sua boca de múrias
até que a morte o estilhace em mil pedaços
nos desmedidos voos em círculos prolongados,
sob o apocalíptico branco fulgor da eternidade
as pigmentações inacessíveis dos oceanos
conjecturam que o amor absorva a melancolia
em todo os ângulos da paisagem dos naufrágios.

II
E usarei as tuas tintas na minha carne
estancando no cheiro dos dias cegueira e piedade
uma imagem de deus ou bicho circunscrito
pois uma só gota será o sangue da mancha informal
o redemoinho unívoco do coração aceso
nos sopros que desconcertam a oração das cores.

III

Há sempre o ofício de incendiar os olhos
e a luz dobra-se desnuda no âmago dos espasmos
até os dedos caírem dentro dos dedos invisíveis.
As primeiras chamas. A morte em suas cores de vida.
.....................................................João Rasteiro
...Kenny Barron Trio - Jazz Baltica 2007