domingo, 28 de setembro de 2008

A experiência existencial da sílaba

André Breton (Tinchebray, 19/2/1893 - Paris, 28/9/1966), foi um escritor francês, poeta e teórico do surrealismo.
Vive a aventura do surrealismo como uma profunda experiência existencial. Em Valéry descobre o poder subversivo da inteligência pura. Por volta de 1920 adere ao grupo Dadá, mas logo de seguida se opõe a Tzara. Descobre o automatismo como meio de renovar e inovar a arte e lê com desmesurada paixão Rimbaud e Lautréamont. Em 1924 lança o Manifesto do Surrealismo, um marco e uma profunda revolução, na forma de olhar a arte em geral
Animado por uma imensa e ardente vontade de acção, a sua rebeldia inata leva-o a posturas revolucionárias. Publica as revistas La Révolution Surrealiste e Le Surréalisme au Service de la Révolution. Mas como o surrealismo não pode submeter-se de todo, as suas relações com a política e o Partido Comunista em especial, são sempre delicadas.
O encontro amoroso com Najda e a experiência vivida com esta jovem mulher inspiram-lhe a escrita de Nadja, que é a única obra verdadeiramente grande de Breton. Peça interessante e característica do surrealismo é também O Amor Louco.
(THE TRIUMPH OF ANDRE BRETON and SURREALISM by SHAHLA ROSA)
Um homem e uma mulher absolutamente brancos

Lá no fundo do guarda-sol vejo as prostitutas maravilhosas
Com trajes um pouco antiquados do lado da lanterna cor dos bosques
Levam a passear consigo um grande pedaço de papel estampado
Esse papel que não se pode ver sem que o coração se
nos aperte nos andares altos de uma casa em demolição
Ou uma concha de mármore branco caída no caminho
Ou um colar dessas argolas que se confundem atrás delas nos espelhos
O grande instinto da combustão conquista as ruas
onde elas caminham Direitas como flores queimadas
Com os olhos na distância levantando um vento de pedra
Enquanto imóveis se abismam no centro da voragem
Nada se iguala para mim ao sentido do seu pensamento desligado
A frescura do regato onde os sapatinhos delas
banham a sombra dos seus bicos
A realidade daqueles molhos de feno cortado onde desaparecem

Vejo os seus seios que abrem uma nesga de sol na noite profunda
E que se abaixam e se elevam a um ritmo
que é a única exacta medida da vida
Vejo os seus seios que são estrelas sobre as ondas
Seios onde chove para sempre o invisível leite azul.
In,(tradução de Antônio Ramos Rosa)
.
Ne Me Quitte Pas - Jacques Brel



http://www.nodo50.org/insurgentes/biblioteca/manifesto_surrealista.pdf

http://kirjasto.sci.fi/abreton.htm

http://um-buraco-na-sombra.netsigma.pt/p_mundo/index.asp?op=5&p=130

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Blowin' In the Wind


Alma
.................não sossegues o homem, deixa

................deus aterrorizá-lo

.................mas vender-lhe a alma, nunca

........................
.valter hugo mãe
.

Há poetas mortos na sílaba dos cães raivosos.

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Uma criança atravessa a cidade entre poemas

e a paixão há-de alastrar como chumbo aceso.

A boca do coração explodindo esquírolas.

E coloca o sexo perto da traqueia do mendigo

..........................................vermelho – o sol

das raízes-de-cobra libertando-se do casulo urbano.

.

Duas crianças contornam a boca das máscaras

sob um cântico de besouro no sonho obscuro

..............................................E acordam

com o seu próprio milagre – ele

a erupção das ancoras-crias-língua de sangue.

.

Três crianças dobram os dedos dos girassóis azuis

curvam-se corpos como pontuação viva

na linguagem da terra

......................a cânula-esquife da sílaba E

desenraízam do poema

....................Os cavalos da nudez do mármore

....................Os líquidos da colmeia curvada

....................Os espelhos do linho dos vermes

....................Os homens que têm o sol pendurado nos olhos

...........................................................a

............................................................l

...........................................................a

...........................................................v

...........................................................r

...........................................................a

..................Do desejo perante o vazio – o barro

da árvore E o fruto e o seu fugaz percurso de paixão.

..................O corpo e a Alma

..................................A unidade originária da borboleta

......consumida em seu centro explosivo - eu estou nesse lugar nu.

....................................................................João Rasteiro

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Bob Dylan - Blowin' In the Wind




domingo, 21 de setembro de 2008

Publius Vergilius Maro

Foi em 2003 que me foi atribuída pela Accademia Internazionale IL CONVIVIO a Segnalazione di Merito, na área de poesia, no Concurso do Premio Internazionale Il Convivio "Publio Virgilio Marone". Este prémio que foi entregue na Sala do Cenáculo, da Câmara dos Deputados do Parlamento Italiano, será, logicamente, algo que ficará para sempre na minha memória.
Públio Virgílio Marão (em latim Publius Vergilius Maro), às vezes chamado de Virgílio, (Andes, 15 de Outubro de 70 a.C. - Brindisi, 21 de Setembro de 19 a. C..

Foi precisamente há 2078 anos (se as contas tradicionais não estiverem erradas) que nasceu um dos grandes poetas e pensadores da Antiguidade, aquele que Paul Claudel, fascinado pela obra e pela figura do poeta, apelidou de o maior génio produzido pela humanidade e que mais do que um poeta, um profeta de Roma, um "vate", um poeta-profeta. Virgílio foi o cantor da tradição, criadora e conservadora da grandeza de Roma. Fez em verso aquilo que Tito Lívio (Pádua, 59 a.C. - ib. 17 d.C.), com o seu Ab Vrbe Condita, tinha feito em prosa. Considerado o maior poeta latino, a sua obra mais famosa, provavelmente uma das obras eternas da literatura e da linguagem, é a Eneida. A obra de Virgílio compreende, além de poemas menores, compostos na força da juventude, as Bucólicas ou Éclogas, em número de dez, em que reflecte nitidamente a influência do género pastoril criado por Teócrito. Literariamente, as Geórgicas são consideradas a sua obra mais perfeita. E finalmente, a Eneida, que o poeta considerou inacabada, a ponto de pedir, no leito de morte, que fosse queimada, e que constitui a epopeia nacional de um povo e de um território. Epopeia erudita, a Eneida tinha como objectivo proporcionar aos romanos uma ascendência não-grega, formulando a cultura latina como original e não tributária da cultura helénica. A sua estrutura serviu de modelo definitivo às grandes epopéias do renascimento, nomeadamente para Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões.

O poema que se segue é uma poesia muito ao gosto dos alexandrinistas, é uma poesia cheia de fina ironia.

Ide-vos daqui, ide, ocos empolamentos de retórica
palavras inchadas com estalhadarço não ático
E vós, o Célio, ó Tarquício, ó Varrão
Corja de pedantes a pingar de gordura
Ide-vos daqui, címbalo louco da minha juventude.
E tu, ó Sexto Sabino, cuidado dos meus cuidados
fica bem: ficai bem meus caros
Nós levantamos ferro em direcção aos pontos prósperos
Procurando doutas doutrinas do grande Sirão
E libertaremos a vida de todos os cuidados.
Ide-vos daqui, Musa; apre! Vós também ide já
Doces Musas (confessaremos a verdade,
fostes doces): e contudo no futuro
visitai de novo os meus escritos,
mas discretamente e poucas vezes.
(*) - Poema retirado do Blog:
Humanae Litterae


quarta-feira, 17 de setembro de 2008

THE RIGHT OF WAY

William Carlos Williams (17/9/1883 - 4/3/1963). É um dos mais importantes poetas americanos, normalmente associado ao modernismo e imagismo.

O POEMA

Tudo está
no som. Uma toada.
Raramente uma canção. Devia

ser uma canção - feita de
minúcias, vespas,
uma genciana - algo
imediato, tesoura

aberta, olhos
de uma dama - despertando
centrífuga, centrípeta.

(tradução: José Lino Grünewald)

UMA ESPÉCIE DE CANÇÃO

Que a cobra fique à espera sob
suas ervas daninhas
e que a escrita se faça
de palavras, lentas e prontas, rápidas
no ataque, quietas na tocaia,
sem jamais dormir.

.

- pela metáfora reconciliar
as pessoas e as pedras.
Compor (Idéias
só nas coisas) Inventar!
Saxífraga é a minha flor que fende
as rochas.

(tradução: José Paulo Paes)


Simon & Garfunkel - Homeward Bound

http://www.culturapara.art.br/opoema/williamcarloswilliams/williamcarloswilliams.htm

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141988000100006

http://en.wikipedia.org/wiki/William_Carlos_Williams

sábado, 13 de setembro de 2008

O Silêncio

Vozes

Desejo entranhar a eternidade

maldita das vozes iniciais aves

ressurgindo lembrança acúlea

o fogo da memória fecunda pele

de pequenas bocas outra águas

misturando ecos epílogo exicial

na blasfémia sublime do engano.

João Rasteiro



quarta-feira, 10 de setembro de 2008

"Resmungos"

Ferreira Gullar, pseudónimo de José Ribamar Ferreira (São Luís, MA, 10 de Setembro de 1930) é um poeta, crítico de arte, biógrafo, memorialista e ensaísta brasileiro.
Os mortos

os mortos vêem o mundo
pelos olhos dos vivos

eventualmente ouvem,
com nossos ouvidos,
certas sinfonias
algum bater de portas,
ventanias

Ausentes
de corpo e alma
misturam o seu ao nosso riso
se de fato
quando vivos
acharam a mesma graça

.

Arte poética

Não quero morrer não quero
apodrecer no poema
que o cadáver de minhas tardes
não venha feder em tua manhã feliz

e o lume
que tua boca acenda acaso das palavras
- ainda que nascido da morte -

some-se aos outros fogos do dia
aos barulhos da casa e da avenida
no presente veloz

Nada que se pareça
a pássaro empalhado, múmia
de flor
dentro do livro

e o que da noite volte
volte em chamas

ou em chaga

vertiginosamente como o jasmim
que num lampejo só

ilumina a cidade inteira

Adriana Calcanhoto - "Traduzir-se" (F. Gullar)

http://portalliteral.terra.com.br/ferreira_gullar/index.htm

http://www.releituras.com/fgullar_bio.asp

http://www.jornaldepoesia.jor.br/gula.html

domingo, 7 de setembro de 2008

Sílaba e Verbo


Plenitude

.............Deus não é a palavra Deus (…)

..................E Deus é tudo isso.

.............................Carlos Nejar

.

Nazaré não é a palavra Nazaré

e amieiro

a palavra amieiro.

.

O amor, na palavra amor.

.

Há uma utopia

que não entra

na palavra utopia.

.

Nazaré não é a sílaba de Nazaré

e andorinha

a sílaba de andorinha.

.

A luz, na sílaba luz.

.

Há uma árvore

que não entra

na sílaba de árvore .

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Nazaré não é o verbo Nazaré

e pomba

o verbo pomba.

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O sonhar, no verbo sonhar.

.

Há um caminhar

que não entra

no verbo caminhar.

.

E Nazaré é simplesmente tudo isso.


PUCCINI - MADAME BUTTERFLY

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

A voz dos espelhos

Inaugura-se no próximo dia 6 de Setembro, pelas 18 horas, na Galeria Municipal Artur Bual, a exposição A Voz dos espelhos, uma mostra colectiva que congrega 17 artistas do melhor surrealismo internacional actual, integrada nas comemorações do 29.º aniversário do Município da Amadora. Lá estarei , honrado naturalmente pelo convite, para efectuar uma pequena leitura de poesia. Aos amigos que já confirmaram a presença, um até já e um forte abraço.


".é urgente que alguém defina o modelo purificador das arquitecturas e traga a peçonha dentro de um cortiço de peles de cabra. e nas auroras o exiba santificado de forma permanente frente ao sexo exposto das leoas de mármore. dos limites dos campos virá então a soldadura dos hortos arrastando-se como víbora em plena sesta em direcção aos nevoeiros das cidades. o novo espaço será então irreversivelmente consagrado terra de pecado e revivescência. e ali se plantarão outra vez as putrefactas tábuas onde um dia se alojaram as palavras como pólen embrionário alternativo à possível redenção de um deus. as novas poéticas de jaba e euphoria lastram a ressurreição da criatura de aço florífero. civitas terrena." - João Rasteiro