sábado, 27 de fevereiro de 2010

ESPAÇOS

Cabo Mondego Section of Portuguese Surrealism ("Signos diacríticos"), Aguarela, Collage e Tinta da China - 2009
.....................Ao Henrique de Santiago (Ao Chile)
XII
.enquanto todos os seres que respiram o enxofre de forma ofegante acreditarem nos pilares das cidades as paisagens da era da técnica não sucumbirão às palavras que choram. e sob o banquete de luz do fogo-de-santelmo o burgo dos corpos metaliformes é uma coisa espantosa porque dilui em fábula invertidas os amoráveis canais do desejo. o líquen é lento como os longínquos sorrisos da pétala e há uma criança única bordando a solidão. como se o gládio da modernidade apenas reproduzisse o bolor da arte do aço desprendida do território aonde repousa a memória das tribos. é apenas o embate brutal do arquitecto dilacerando todas as fragilidades dos seres que se amavam cândidos. a metrópole concebendo em suas células o paladar do milagre. ela é agora a violenta extremidade do holocausto em que o equilíbrio se descobre nervo. e é no ímpeto das cidades que se principia a visão. a infinita exalação da linguagem em sua nervura.
...............................In, DIACRÍTICO (Inédito) - João Rasteiro

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

PRÉMIOS/ESPAÇOS

Depois de ter obtido os mais diversos prémios literários, incluindo o Prémio Camões 2002, justificado na altura pelo júri, devido à "inovação no domínio da construção romanesca, no experimentalismo sobre a linguagem e na interrogação do poder fundador da fala", Maria Velho da Costa, uma das eternas "3 Marias", acaba de obter com a obra "Myra", o prémio literário Correntes d` Escritas/Casino da Póvoa/2010, edição que teve hoje início e se prolonga até ao dia 27, com a presença de mais de 60 escritores oriundos de vários países, que irão invadir literalmente a Póvoa de Varzim .

"Dizíamos tantas palavras. O meu mundo também não era grande coisa. Mas quem era aquela garota nos meus braços? O Holocausto para ela era um filme do Spielberg, Angola era a feição símia de Savimbi, e meninos piratas da perna-de-pau, coitadinhos de minas; a Tchetchénia era invenção celerada da Soviética, algures nos arredores de Chernobyl. E New York, New York, era a paródia residencial de Woody Allen e das suas enteadas de olhos em bico. Era isso o mundo dela, desertos e catástrofes, cetáceos ameaçados e Timor que era amor; um globo aldeão onde ela queria ver as tartarugas desovarem em paz, os tigres de dente de sabre voltarem a tosquiar os cordeiros da Sibéria, Sadam Hussein e o Papa Woytila dançarem como Zorba, em Jerusalém; um mundo cachorrinho de leite, onde a pior desgraça era ter sido deposta com um sorriso aos pés da escada e de onde havíamos de partir numa nave para Andrómeda e dar novos mundos ao mundo.
Mas esta rapariga não sabia de nada, e um namorado não sente assim, mas esta rapariga não vira nunca ninguém. Miranda! Era isso que lhe importava: estar no foco de luz dos olhos da ribalta, a rapariga afogada em si, primeiro o rosto, depois as mãos, enfim os cabelos. Brecht-Weil que eu ouvia debaixo da chuva de cinzas de Hannah, debaixo da lua vagabunda di espaço
".

In, "Irene ou o Contrato Social" - Maria Velho da Costa

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http://bibliomanias.no.sapo.pt/mariavcosta.htm

http://www.infopedia.pt/$maria-velho-da-costa

http://blogtailors.blogspot.com/2010/02/correntes-descritas-2010.html

http://www.apel.pt/pageview.aspx?pageid=506&langid=1

sábado, 20 de fevereiro de 2010

PURGAÇÃO DIONISÍACA

CELIO
1.
As aves ressequiram.
Não haverá como fugir
aos olhos de Outono…

2.
Ambiciono o relâmpago,
só o silêncio acorda a sílaba
e a desperta para a pestilência.

3.
O que for escrito do hálito
será cumprido – a dilecção
é a sua extensão mais pura.

4.
Quando o cio desmembrar
a fábula sobre os cortiços
impregnarei a terra de paixão?

5.
Na combustão das crias
as palavras como invasoras.
A crueldade como bálsamo.

6.
A matança é uma inferência,
nunca a criação permanecerá
em sua aparente invisibilidade.

7.
Em vulcão de lava, o verbo
procura florir uma flor:
desaba inteiro na língua!

.............................João Rasteiro
..........................................Neil Young - Old Man

sábado, 13 de fevereiro de 2010

OS "JARDINS" da POESIA PORTUGUESA

No final de 2009 foi editada a antologia Poemas Portugueses. Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI, organizada por Rui Lage e Jorge Reis-Sá. Apesar de na última década terem sido editadas as antologias, Anos 90 e Agora, organizada por Jorge Reis-Sá; Desfocados Pelo Vento. A Poesia dos Anos 80, Agora, organizada por valter hugo mãe; Poetas Sem Qualidades e A Perspectiva da Morte, ambas de responsabilidade de Manuel de Freitas. Inclusive, saiu recentemente uma pequena antologia (10 poetas portugueses contemporâneos) na Colômbia, que organizei a pedido da revista ARQUITRAVE e intitulada A Poesia Portuguesa Hoje, contudo, foi a antologia Século de Ouro. Antologia Crítica da Poesia Portuguesa do Século XX, organizada por Osvaldo Manuel Silvestre e Pedro Serra que verdadeiramente ainda criou alguma polémica. Realmente, cada vez mais se aceita o que aparentemente nos é "entregue de mão beijada" pelos "entendidos" e pelo Cânone, daí, os poetas sem reconhecimento ou ainda em luta pelo seu espaço, pouco ou nada reagem, no âmbito crítico, e os membros de cadeira do cânone, não ousam por princípio, criticar os seus comparsas. Se é verdade, que não precisamos sempre de voltar a 2002, quando "os deputados do círculo de Coimbra na Assembleia da República, mais Helena Roseta, apresentaram protesto formal junto da estrutura dirigente de Coimbra 2003 (Capital Nacional da Cultura), sponsor da edição, pelo facto de Afonso Duarte, Miguel Torga e Manuel Alegre... não terem sido seleccionados. E que, em extenso artigo no Diário de Notícias, Ana Marques Gastão tenha feito a lista das ausências “intoleráveis” (o adjectivo é meu): Intelligentsia deixa de fora mais de 30 autores" (Eduardo Pitta - "Da Literatura"), seria altamente recomendável que, tal como nos portamos hoje, de forma geral, na sociedade, na política, nos valores, etc, ou seja, de um modo absurdamente indiferente, apático e desapaixonado, não o fizéssemos em relação à poesia e à literatura em geral.
Assim, voltando à antologia Poemas Portugueses. Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI, e mencionando antecipadamente, de que apesar de tudo, e até tendo em conta a falta de antologias do género, a antologia passou a ser um dos meus livros de poesia de cabeceira, terei de refirir o seguinte:
A antologia reúne num só e gigantesco (até talvez assustador) volume de mais de 2000 mil páginas, 267 poetas portugueses, que vão de Pai Soares de Taveirós (início de séc. XIII) até Pedro Mexia (nascido em 1972). Os responsáveis (sobretudo no que concerne ao séc. XX, o grande paradigma desta antologia) vacilam entre não deixar fora das margens, nenhum autor "suficientemente" canónico e a tentação inversa de deixar a marca do seu gosto pessoal, qualquer que seja a origem desse gosto (aliás, perfeitamente válida, se não se caísse por vezes no absurdo, para não dizer escândalo de algumas escolhas, quer seja pelos nomes, pelo conteúdo ou pelo espaço, atribuído neste “jardim” da poesia portuguesa ).
Pode-se discordar um pouco do número de páginas (quer devessem ser mais ou menos) atribuídas a poetas como Camões (82 páginas); Bernardim Ribeiro (19 páginas); Bocage (12 páginas); Almeida Garrett (20 páginas); João de Deus (2 páginas); Florbela Espanca (3 páginas); Teixeira de Pascoais (12 páginas); Mário de Sá-Carneiro (22 páginas); Fernando Pessoa (159 páginas); José Régio (7 páginas); Jorge de Sena (24 páginas); E. M. de Melo E Castro (6 páginas); Carlos Oliveira (19 páginas); Manuel Alegre (6 páginas); Luísa Neto Jorge (11 páginas) ou Vasco Graça Moura (16 páginas), para dar alguns exemplos (sempre sem esquecer o agradecimento que Manuel Gusmão deveria dar aos organizadores por lhe ter sido incluído um poema nesta casta de poetas). Mas, alguns "atentados" são efectuados na poesia, nos poetas do século XX, realmente o espaço privilegiado definido pelos organizadores (isto, sem deixar de realçar uma selecção inatacável, que foi a efectuada relativamente aos cancioneiros dos séculos XIII e XIV). Assim, passo a apontar alguns casos que causam bastante perplexidade. Como entender uma antologia onde são incluídos 14 poemas de Eduarda Chiote, 27 de Jorge de Sousa Braga e apenas 1 (!!!), repito, um, de Manuel Gusmão? (já para não referir os 2(!) poemas de Natália Correia). Aliás, Eduarda Chiote, com 14 poemas, possui mais do que António Maria Lisboa, António José Forte, Armando da Silva Carvalho, Fátima Maldonado e Manuel Gusmão em conjunto (é obra - de quem?). Se aceitamos as 39 páginas de Ruy Belo, como explicar as escassas páginas, tendo em conta as simetrias atrás expostas, de Herberto Helder e Mário Cesariny? Mas, guardado estava o bocado - então não é que afinal, o grande poeta das últimas décadas em Portugal se chama Daniel Maia-Pinto Rodrigues (!!!)? Daniel Maia-Pinto Rodrigues que alguns querem à força comparar a Adília Lopes (também há quem compare a noite ao dia), com as suas vinte e tal páginas é sem dúvida, uma, talvez a maior (ao nível de Manuel Gusmão - 1 poema), das extravagâncias desta antologia (Luís Miguel Queirós, afirma que ele «escreve na arejada ignorância de toda a tradição literária»), porque parece que nesta antologia (de que apesar de tudo teremos que entender determinados critérios e metodologias, tendo em vista a editora e de alguma forma, existir perfeitamente delineada uma intenção pedagógica, uma vez que a antologia deveria, ou deverá, funcionar como um largo manual poético-escolar da poesia portuguesa) por vezes ficamos sem saber se os responsáveis colocam ou não colocam autores, tendo em conta que apenas os seus gostos pessoais, ou se conhecem minimamente determinados poetas e sua respectiva poesia (e falo essencialmente de poetas do séc. XX, talvez até da segunda metade do séc. XX), uma vez que é o grande campo de incidência da antologia.
Já para não falar na exclusão de poetas (até tendo em conta a inclusão de outros) como, António Feijó, José Blanc de Portugal, Guilherme de Faria, Saúl Dias, António Salvado, Edgar Carneiro, Ernesto Sampaio, António Barahona, Vergílio Alberto Vieira, José Sebag, Manuel da Silva Ramos, Nuno de Figueiredo ou Carlos Bessa, isto só para citar nomes (poderia ainda referir mais alguns) que encarnam o número do azar (13) e que poderiam perfeitamente ter sido incluídos.
Concluindo (apesar de ser sempre mais cómodo, estar no exterior, do que no centro, de uma tarefa como esta), estamos perante uma antologia em que aos organizadores terá que ser atribuído o mérito de terem conseguido juntar mais de dois mil poemas (ou fragmentos deles) de 267 poetas, num arco temporal de oito séculos, mas que até devido a tal facto, deveriam em determinadas situações, por um lado, ter sido mais exigentes consigo próprio e por outro, não acharem que este jardim (pequeno jardim) da poesia portuguesa, aceita ou aceitará qualquer planta, só porque é regada em abundância (aliás, "água de mais mata a planta").
P.S. - Se a antologia terminou com Pedro Mexia que nasceu em 1972 e que publicou pela primeira vez em 1999 - ficamos sem ter a certeza, se não ter terminado com um poeta nascido em 1974, o mais lógico (uma vez que seria terminar um ciclo temporal numa data importante, não só da sociedade, mas também, da literatura portuguesa) ou publicado pela primeira vez em 2000, se deveu ao facto de ter sido assumido o objectivo de não incluir Manuel de Freitas?
Dois poemas de Manuel Gusmão (1 poema) e Daniel Maia-Pinto Rodrigues (23 páginas na antologia – como disse numa carta que me escreveu em 2006, Herberto Helder: “E eu que ainda não li todos os gregos”):
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A velocidade da luz
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Há, houve uma rotação do teu corpo
e há qualquer coisa de irreparável
que me fizeste quando rodaste no mundo –
o quase homem aposta tudo em que voltará.
Joga tudo em que o mundo regressará
a essa forma de uma onda suspensa na música
a essa rotação fora dos eixos.
Porque é que dizes então «irreparável»?
Irreparável aponta para onde?
.
Irreparável é o mesmo que antiquíssima
e não idêntica?
A cicatriz é irreparável porque a ferida é perpétua,
esquecida e perpetua?
Tocas-lhe a milímetros de distância,
como quem não quer
a coisa,
e tu devias dar e não dar por isso.
Dir-se-ia que o ar se moveu, que uma coluna
do tempo se deslocou, dançou como a luz por entre nuvens
na parede verde de um canavial.
..............................................................M.G.
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Um Pequeno Poema de Amor
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Nos tempos primitivos
o australopiteco dizia para a mulher:
"ó minha macaquinha, sorria
olhe ali um mamute!"
Nos tempos de hoje em dia
o homem diz para a mulher:
"ó minha dama de companhia, mamo-te."
Prefiro o setentão sinfónico dos Camel
que dizia:
ó minha dama de fantasia, amo-te.
..........................................D.M.P.R.
.......................Sérgio Godinho - Só neste país

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Espaço Divino

Acaba de sair o livro Divina Música, Antologia de Poesia sobre Música, organizada pelo poeta Amadeu Baptista, com capa e paginação de Inês Ramos, comemorativa do 25.ºAniversário do Conservatório Regional de Música de Viseu (1985-2010), em edição deste mesmo conservatório, com patrocínio da Proviseu - Associação para a Promoção de Viseu e Região. Esta antologia, onde tenho o prazer de estar incluído, acolhe cento e trinta poemas de outros tantos poetas de Portugal, Brasil, Angola, Moçambique, Cabo Verde e Timor-Leste, onde constam quase todos os nomes "mais importantes" da poesia portuguesa contemporânea. O trabalho de Amadeu Baptista e Inês Ramos resultou num belo e mesmo luxuoso volume de 188 páginas e num livro com poemas de grande qualidade. Parabéns a ambos e especialmente ao Conservatório de Música de Viseu.
Os poetas que integram a antologia são:
Adalberto Alves, Affonso Romano de Sant’Ana, Albano Martins, Alexandra Malheiro, Alexandre Vargas, Alexei Bueno, Amadeu Baptista, Ana Hatherly, Ana Luísa Amaral, Ana Mafalda Leite, Ana Marques Gastão, Ana Salomé, Ana Sousa, António Brasileiro, António Cabrita, António Cândido Franco, António Ferra, António Gregório, António José Queirós, António Osório, António Rebordão Navarro, António Salvado, Artur Aleixo, Bruno Béu, C. Ronald, Camilo Mota, Carlos Felipe Moisés, Carlos Garcia de Castro, Casimiro de Brito, Cláudio Daniel, Cristina Carvalho, Daniel Abrunheiro, Daniel Maia-Pinto Rodrigues, Danny Spínola, Davi Reis, Donizete Galvão, E.M. de Melo e Castro, Edimilson de Almeida Pereira, Eduardo Bettencourt Pinto, Eduíno de Jesus, Ernesto Rodrigues, Eunice Arruda, Fernando de Castro Branco, Fernando Echevarría, Fernando Esteves Pinto, Fernando Fábio Fiorese Furtado, Fernando Grade, Fernando Guimarães, Fernando Pinto do Amaral, Francisco Curate, Gonçalo Salvado, Graça Magalhães, Graça Pires, Henrique Manuel Bento Fialho, Hugo Milhanas Machado, Iacyr Anderson Freitas, Inês Lourenço, Isabel Cristina Pires, Jaime Rocha, Joaquim Cardoso Dias, João Aparício, João Camilo, João Candeias, João Manuel Ribeiro, João Moita, João Rasteiro, João Rios, João Rui de Sousa, João Tala, Joaquim Feio, Jorge Arrimar, Jorge Reis-Sá, Jorge Velhote, José Agostinho Baptista, José Carlos Barros, José do Carmo Francisco, José Luís Mendonça, José Luís Peixoto, José Manuel Vasconcelos, José Mário Silva, José Miguel Silva, José Tolentino de Mendonça, Júlio Polidoro, Levi Condinho, Luís Amorim de Sousa, Luís Filipe Cristóvão, Luís Quintais, Luís Soares Barbosa, manuel a. domingos, Margarida Vale de Gato, Maria Andersen, Maria Estela Guedes, Maria João Reynaud, Maria Teresa Horta, Miguel-Manso, Miguel Martins, Myriam Jubilot de Carvalho, Nicolau Saião, Nuno Dempster, Nuno Júdice, Nuno Rebocho, Ondjaki, Ozias Filho, Patrícia Tenório, Paula Cristina Costa, Paulo Ramalho, Paulo Tavares, Prisca Agustoni, Risoleta Pinto Pedro, Roberval Alves Pereira, Rosa Alice Branco, Rui Almeida, Rui Caeiro, Rui Coias, Rui Costa, Ruy Ventura, Sara Canelhas, Soledade Santos, Teresa Tudela, Torquato da Luz, Urbano Bettencourt, Vasco Graça Moura, Vera Lúcia de Oliveira, Vergílio Alberto Vieira, Victor Oliveira Mateus, Virgílio de Lemos, Vítor Nogueira, Vítor Oliveira Jorge, Yvette K. Centeno, Zetho Cunha Gonçalves.
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Variação sobre o rosto das aves
...............................................À Maria João Pires

Ela repousa as mãos sobre o piano exposto
para não ver o pássaro da infância a memoria do caos.
E viu em cima as mãos mortas. Então canícula
embrionária na força das guisas da pedra
sagrada – ela língua de eco violento.
E fechou os olhos ao timbre dos pirralhas
em seu encanto de feiticeiras
e foi possuída como os outros animais verdes.
Um grão de sémen balsâmico desvendou
o enigma onde se coalha a força de acravar os dedos
até a fulguração do espanto
a máscara desmesurada da palavra e do sopro.

Se pudesse chorar o medo sob as diáfanas pedras
se pudesse arrancar o corpo
e comê-lo nos instrumentos melodiosos da ira
como Saturno alimentando-se pelo ventre
comendo seu coração de ardósia – seus filhos de voz.
Seria pelos seus dedos acesos
alumbrados nas sementes das auréolas selvagens
e pela poesia que sai indómita do canto
das aves – explosiva é a geometria do piano
e das ignitivas gárgulas primitivas.

Talvez a sílaba seja só esta perene e imperceptível
boca de sopro que se dispersa vida e morte
apontando o polegar da carne
insistentemente como cristais expelindo de lírio em lírio
e de dentro a melíflua fractura do silêncio
ascende pela música divina onde há restos de silêncio
até os corpos se apartarem dos solos noctívagos.

Ela explode luz com a euforia dos músculos
quando aquecido em seus dedos há um inventário nu
e vi os mortos, pequenos e grandes…e foram abertos os livros.
...............................................................João Rasteiro

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

PERCURSOS

O Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA) vai acolher dia 10 de Fevereiro, às 21:30, o lançamento do livro «A Máquina de Fazer Espanhóis», de valter hugo mãe.
A sessão contará com a apresentação de António Lobo Antunes, segundo o divulgado em comunicado.
«A maior parte dos livros são escritos para o público, este é um livro escrito para os leitores», escreve Lobo Antunes.
valter hugo mãe, hoje, sem dúvida, já uma das vozes mais representativas da literatura portuguesa contemporânea, publica o seu 4º romance, depois de reunir a sua poesia no volume "Folclore Íntimo". Deste seu livro, o poema:"o poema feio". E porque o valter já é actualmente, um artista dos sete instrumentos, do GOVERNO, o grupo musical onde é vocalista, a música:"Meio Bicho e Fogo".
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a princesa feia não casou mas, no tempo em que foi visitada por príncipes solteiros, querendo agradar, cortou uns palmos às pernas para ficar mais baixa e cómoda ao abraço, puxou pelos dedos para ficar com eles compridos, amassou os seios de encontro ao pescoço para subirem aos olhos da gente, rasgou os lábios para sorrir eternamente. agora, ali sentada, sozinha de amores, lembrava-se de ser impossivelmente a mulher que foi, mas os ratos passavam-lhe entre as falhas cortadas das pernas, e os dedos desjuntavam-se irremediavelmente murchos de encontro ao chão, os seios coagularam como calcificados com as marcas desorganizadas das mãos e os lábios articulavam apenas palavras de dentes, trituradas pelo osso da cabeça lentamente vertendo para fora da pele. conformada, a princesa feia, dizia à prioresa sua amiga que o vento estava louco. levantava-se instável e profundamente mortal, fechava a janela e voltava ao silêncio - v.h.m.
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