domingo, 29 de novembro de 2009

"A Poesia Portuguesa Hoje" - VII

Continuando a persistir na publicação dos poetas (7º), pela ordem de inserção na revista, que incluí na antologia de poesia portuguesa que organizei recentemente para a revista Colombiana ARQUITRAVE (http://www.arquitrave.com/principal.html), hoje, o poeta referenciado, como habitualmente, com dois dos poemas escolhidos para a antologia, juntamente com a respectiva análise critica à sua poesia e que integra o ensaio de introdução da antologia "A Poesia Portuguesa Hoje", é o poeta José Luís Peixoto:
(...)cuja poética não é muito fácil de situar, embora com algumas aproximações a uma poesia do quotidiano, vamos encontrar uma poesia que possui uma espécie de força que é uma espécie de fraqueza, e uma espécie de fraqueza que é uma espécie de força, não sendo uma poesia que cultive uma forte imagética, mas sim, uma poética que se alimenta de narrativas do dia-a-dia (por vezes é possível encontrar alguma redundância) e da memória. Uma poesia melancólica, quase totalmente despida de esperança, onde os versos roçam a realidade da morte, do amor, da vida, da não vida, do estar estando e do estar sem permanecer. Apontando para um neo-realismo tardio, é uma poesia que procura afincadamente a descrição da realidade de quem se quer livrar dos destinos traçados. Poesia que roça por vezes a prosa, num diálogo permanente com o seu mundo". - João Rasteiro
.
EXPLICAÇÃO DA ETERNIDADE

devagar, o tempo transforma tudo em tempo.
o ódio transforma-se em tempo, o amor
transforma-se em tempo, a dor transforma-se
em tempo.

os assuntos que julgámos mais profundos,
mais impossíveis, mais permanentes e imutáveis,
transformam-se devagar em tempo.

por si só, o tempo não é nada.
a idade de nada é nada.
a eternidade não existe.
no entanto, a eternidade existe.

os instantes dos teus olhos parados sobre mim eram eternos.
os instantes do teu sorriso eram eternos.
os instantes do teu corpo de luz eram eternos.
foste eterna até ao fim.

LIMPAR O PÓ

Como se ontem e os dias antes de ontem
se tivessem desfeito sobre as prateleiras,

como se pudéssemos escrever palavras
nas suas cinzas com a ponta do dedo,

como se bastasse soprar para vermos
as suas imagens, de novo, numa nuvem.
........................................................J.L.P.
.............AMÁLIA (10 anos de saudade) - Fado Português

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Novos Espaços

................BRUNO PRADO
.
QUANDO não há:
cala!
nem palavra, nem grafia
a mais pura
víscera de poesia —
sangue pelo tato;
embalo —
a vida estrita
é escrita pelo faro
.

A PEDRA BRUTA — atirei-a contra ti
uma floripedra;
cego, as mãos de flamas;
furibundo
a língua árida, irosa
sem aromas,
só espinhos —
a fuga,
périplo de flores
o amor,
na beleza e brutalidade
.

COLAPSO —
uma cidade perdida;
a minha fala
a miséria do dito
pelo fato —
resta a fúria;
o definitivo embate —
quite com o tempo,
entre rito e nada
reergo a fio,
o instinto, a navalha
precipita-se o sangue;
o plural da face —
de fato
o que nos difere,
seres, de mortos
é a carne
.................In, FRATURAS


http://www.triplov.com/poesia/Bruno-Lopes/Liquen/index.htm

http://www.germinaliteratura.com.br/2009/bruno_prado.htm

domingo, 22 de novembro de 2009

"A Poesia Portuguesa Hoje" - VI

Avançando com a publicação dos poetas (6º), pela ordem de inserção na revista, que incluí na antologia de poesia portuguesa que organizei recentemente para a revista Colombiana ARQUITRAVE (http://www.arquitrave.com/principal.html), hoje o poeta referenciado, como habitualmente, com dois dos poemas escolhidos para a antologia, conjuntamente com a respectiva análise critica à sua poesia e que integra o ensaio de introdução da antologia "A Poesia Portuguesa Hoje", é o poeta valter hugo mãe:
(...)"uma poética que de alguma forma se evidencia pela originalidade, em relação a outras poéticas da década de 90. É uma poesia onde sobressai o cuidado colocado em cada palavra, que permite um pleno domínio do poema que se adensa em múltiplos sentidos. Nesta poesia redescobre-se o gosto pelo belo enquanto grotesco. Por vezes, um metaforismo “grotesco” serve de suporte a uma poesia arabesca. Uma poesia de verso contido e lapidar, quase sempre à direita da página e que é um fruto maduro e arrebatador. Como refere Eduardo Pitta, a dimensão conotativa afasta valter hugo mãe de outros novíssimos: nem melancolia programática, nem misticismo (malgré Deus), nem excesso de complacência". - João Rasteiro
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dois.
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se te cansares de mim, não me peças que
chore. deixa-me secar lentamente como
pelo tempo, mais me custará, porque mais
lento verterei a alma para a morte. no entanto,
dá-me esperança de que não partirás,
aguardo-te muito quieto, muito quieto
para não atrapalhar os teus planos como quem
não quer assustar a caça. mas sou a presa,
eu sei que sou a presa. e tu podes vir reclamar-me
o couro com toda a violência, já não me importo
.
cinco.
.
deixei sobre a mesa o dinheiro
que necessitas para o dia. espero que te
sirva para o almoço e para qualquer
coisa ao lanche. desculpa. amanhã, como
é domingo, venderei os pães na igreja,
quem sabe me dará deus valor suficiente
para manter o amor. se amanhã houver
mais dinheiro, mais um pouco que seja,
compro o teu prato, os teus talheres,
um copo onde te sirva a água simples.
volta cedo, peço-te, volta cedo, como
não sei nada sobre decisões divinas
quero só não perder-te em tempo
além do impossível. vem comigo ver
o que é feito dos gatos que deitamos ao
campo. achas que estarão gordos ou
terão morrido. eu acho que estão gordos,
se deus quiser
.....................................v. h. m.
....................AMÁLIA (10 anos de saudade) - Gaivota

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Lugares estranhos

...............................Michael Cheval

COLMEIA
..................Ao Gastão Cruz

Na juba da boca quando as palavras
não forem senão a saliva das larvas
há um excesso de língua atravessada
na sombra adolescente de Yanis Ritsos,

no espaço onde a reminiscência é avidez
no sulco mais longínquo da lascívia
alma minha gentil dos espectros viçosos
és a fonte derradeira dos anjos e suplicas:

arrebatam-me de júbilo a íris das abelhas
irrompam-me o coração por bilhas vivas
brotem-me as profundas raízes siderais.

Há um desejo infundido de livros prenhes
jorrando o hipnótico sopro das geografias
sob um céu diluído pela abertura de um deus

e as vozes murcharão de paixão pelos ferrões
espinhadas pela garganta das crianças nuas.

As construtoras ainda ejacularão o puro mel
fendendo altivas sobre a pele o incesto dos lírios.
................................................João Rasteiro

domingo, 15 de novembro de 2009

"A Poesia Portuguesa Hoje" - V

Continuando a publicação dos poetas, pela ordem de inserção na revista, que inclui na antologia de poesia portuguesa que organizei recentemente para a revista Colombiana ARQUITRAVE (http://www.arquitrave.com/principal.html), hoje o poeta referenciado, como habitualmente, com dois dos poemas seleccionados para a antologia, conjuntamente com a respectiva análise critica à sua poesia e que integra o ensaio de introdução da antologia "A Poesia Portuguesa Hoje", é o poeta Daniel Faria:
"(...)é, sem dúvida, para a generalidade da crítica, a voz mais importante da “nova poesia portuguesa” surgida na década de 90 e que se afasta de alguma forma dos cânones até aí vigentes, apesar das influências de uma Luiza Neto Jorge e especialmente de Herberto Helder, e que flui torrencialmente, não só, como uma experiência mística, mas como uma mecânica de escrita depurada e em que a metáfora é o corpo de deus ou da natureza, numa consistente prática de questionamento da linguagem. Poesia intimamente interligada com o texto bíblico, concebe e pratica o lirismo da palavra como exegese da elevação do ser humano acima de si. Como refere Luís Adriano Carlos, Daniel Faria, como qualquer grande poeta da modernidade romântica em que vivemos, procura pela exaltação estética uma via de acesso à exaltação do sagrado e ao reino do espírito. É uma poesia de grande beleza e maturidade que representa uma geração". - João Rasteiro
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As mulheres aspiram a casa para dentro dos pulmões

As mulheres aspiram a casa para dentro dos pulmões
E muitas transformam-se em árvores cheias de ninhos - digo,
As mulheres - ainda que as casas apresentem os telhados inclinados
Ao peso dos pássaros que se abrigam.

É à janela dos filhos que as mulheres respiram
Sentadas nos degraus olhando para eles e muitas
Transformam-se em escadas

Muitas mulheres transformam-se em paisagens
Em árvores cheias de crianças trepando que se penduram
Nos ramos - no pescoço das mães - ainda que as árvores irradiem
Cheias de rebentos

As mulheres aspiram para dentro
E geram continuamente. Transformam-se em pomares.
Elas arrumam a casa
Elas põem a mesa
Ao redor do coração.

.
As manhãs

Das manhãs

Apenas levarei a tua voz

Despovoada

Sem promessas
sem barcos
E sem casas

Não levarei o orvalho das ameias
Não levarei o pulso das ramadas

Da tua voz

Levarei os sítios das mimosas
Apenas os sítios das mimosas

As pedras
As nuvens
O teu canto

Levarei manhãs E madrugadas.

..................................D. F.
.................AMÁLIA (10 anos de saudade) - Estranha forma de vida

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Lugares estranhos

Biografia II

E tudo ocorre na melancolia
da sílaba, o casulo emergindo
nas talhas.
Inquieta sofre a gestação
no caule dos rebentos.
O gesto do corpo
no linho que se alinha à mutação.
Rota, sopro, sístole ou máscara
onde bardos fecundam a sazão
da ebriedade.
E entra nas vozes,
nos hortos, algures no inabitado
onde gravitam tâmaras.
Melífaga
ironia das fábulas, a palavra
mastiga a água adubada
ser bardo
é tocar o fogo
é estar no correr das águas
a tempestade.
Os naufrágios são sublimes
sentimo-nos tão acesos
entre as ilhas
das palavras obscuras, acreditas?
O espectro desatando-se
sílaba que afeiçoa às matizes do
espanto cheio de luz.
Então nu.
...............................João Rasteiro
..................................................Neil Young - Old Man

domingo, 8 de novembro de 2009

"A Poesia Portuguesa Hoje" - IV


Progredindo com a publicação dos poetas, pela ordem de inserção na revista, que inclui na antologia de poesia portuguesa que organizei recentemente para a revista Colombiana ARQUITRAVE (http://www.arquitrave.com/principal.html), hoje o poeta referenciado, como habitualmente, com dois poemas seleccionados para a antologia, conjuntamente com a respectiva análise critica à sua poesia, que integra o ensaio de introdução da antologia "A Poesia Portuguesa Hoje", é o poeta Luís Quintais:

"(...) entre os poetas da “sua geração” Luís Quintais é, talvez, o que se mostra pela poética mais alusiva e referencial. É uma poética que se pode situar nos intervalos encantatórios do quotidiano e da imagética. Poesia culta, reflexiva e filosófica, denotando um percurso urbano e o olhar maduro de um etnógrafo à procura do significativo. É uma escrita que normalmente parte do real para a sua transfiguração. Existe em Luís Quintais a perfeita consciência de que a poesia está, obrigatoriamente, dentro da própria linguagem." - João Rasteiro
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I

O estrépito que o passado faz.
As palavras gritadas.
A terrível máquina de dizer
e calar.
Tudo gira no nada
e no nada se compraz.
Uma fúria ergue-se
no plasma.
Uma cidade é destruída.
Escuta os muros
que se abatem.
Desenha árvores,
o rápido deslizar de nuvens,
o desenho que a mão faz
quando teme agarrar o sentido,
e o sentido é escuro, escuro.
.
III
O rio escurecia
e depois aclarava e depois escurecia.
As árvores gravitavam nas margens
da tua memória,
faziam correr estilos de morte e promessa.
As personagens do inscrevível
seriam afinal mais monstruosas
do que se suspeitara,
e os insectos emudeciam
enquanto o outono regurgitava as suas vítimas.

E tu, tu? E tu fazias abolir
o sentido para fazer eclodir de novo
o novo sentido. E tu procuravas entre despojos
um aro de bicicleta partido,
um casaco com bolsos que dessem para o improvável,
um qualquer outro achado preso à cega geometria
e à circunstância do procurar.
.......................................................L. Q.
......................AMÁLIA (10 anos de saudade) - COIMBRA
.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Refúgios

........................Adília Lopes: poesia reunida

Os cordéis

Passava os dias a dar nós em cordéis
para desfazer os nós a seguir
não tinha ninguém para a aplaudir
nem esperava Ulisses
mas continuava
aquilo não era um passatempo
os cordéis sem nós
serviam para desfazer os nós
enquanto os embrulhos trouxeram cordéis
as sobrinhas não estranharam
mas quando os cordéis se tornaram raros
lembraram-se de que ela na juventude
fora capaz de seguir cinco conversas diferentes
ao mesmo tempo
como Napoleão era capaz de ditar
dez cartas diferentes
ao mesmo tempo
só que a guerra e os bailes no consulado
tinham acabado
antes que ela se tornasse
uma grande espia
as sobrinhas convidavam forasteiros
e faziam cinco conversas diferentes
ao mesmo tempo
para a distraírem dos cordéis
mas os cordéis absorviam-na
nenhuma conversa lhe importava
as sobrinhas deitaram os cordéis fora
irritadas com aquela obstinação
ela passou a arrancar cabelos
e desfazer os nós dos cabelos
exige mais perícia do que desfazer
os nós dos cordéis
se fosse uma questão de vida ou de morte
seria como despoletar granadas
assim ela só podia perguntar
o que é mais fino do que um cabelo
para eu lhe poder dar nós?
Adília Lopes - In, Assírio & Alvim, 688pg., 2009

SITIADOS (1 ano de saudade do João Aguardela): A Noite

http://pt.wikipedia.org/wiki/Ad%C3%ADlia_Lopes

http://quintasdeleitura.blogspot.com/2009/11/mais-poesia-de-adilia-lopes.html

http://ofuncionariocansado.blogspot.com/2009/01/adilia-lopes-entrevista-de-carlos-vaz.html

domingo, 1 de novembro de 2009

"A Poesia Portuguesa Hoje" - III

Prosseguindo com a publicação dos poetas, pela ordem de inclusão na revista, que inclui na antologia de poesia portuguesa que organizei para a revista Colombiana ARQUITRAVE (http://www.arquitrave.com/principal.html), hoje o poeta referenciado, com dois poemas seleccionados para a antologia, juntamente com a respectiva análise critica à sua poesia, que integra o ensaio de introdução da antologia "A Poesia Portuguesa Hoje", é Rui Pires Cabral:
" (...)as coordenadas da sua poética estão metodicamente traçadas. A memória dos lugares, das vozes, das situações, por vezes um certo desassossego existencial, o exercício da poesia como um treino de morrer e de se estar morto, dando-se à poesia, tal como Sócrates se dedicava à filosofia. Não sendo uma poesia propriamente reflexiva, em Rui Pires Cabral, ela é mais uma poesia do presente inquirido pelo vivido, mas suportado por um pendor melancólico que se suspende antes do abismo e que vive de uma tensão entre a elipse do que se rasura pensadamente, as sensações e a mestria da mão contendo o acúmulo do lirismo." - João Rasteiro
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MARLBOROUGH DRIVE

Se pudermos estar felizes não será mais bela
a voz do trompetista de Oklahoma? Oh, there’s
a lull in my life. Sim, o amor é triste e o mundo
é árduo e nunca nos serviu como convinha. Mas
nas cercanias da vila, no Volkswagen em segunda
mão, vê como resplandecem os vidros de Marlborough
Drive ao entardecer! Uma ambição sentimental

à nossa pequena escala, prados entre castanheiros,
duas onças de tabaco de enrolar. Que importa
que tudo rode para um fim e que a nossa verdadeira
condição seja morrer um pouco mais a cada instante?
A pele reconhece estas canções, sabe que é Junho,
conhece a estrada que devemos escolher. A pele
é sábia. Por uma vez, que valha a pena morrer.


SENHORES PASSAGEIROS

Alguns rapazes avançam mais depressa
para a morte, mas todos se debatem
com a vida que lhes resta. Às voltas
no cimento das cidades, entre
a estrangulada circulação dos veículos,
segredam ao ouvido de um deus
surdo: concede-me um novo amor
igual ao dos meus irmãos. Entretanto
são mais as raparigas que não lêem livros
no venenoso relento das estações
ferroviárias, chupam rebuçados
de menta com fel, suavemente inclinam
a cabeça para ouvir: senhores passageiros
vai dar início à sua marcha o comboio
com destino a Santa Apolónia da escuridão
.
.....................................................R.P.C.
................AMÁLIA (10 anos de saudade) - Barco Negro