domingo, 7 de abril de 2013

domingo, 23 de dezembro de 2012

Natal 2012



O solstício de Dezembro


O mundo jamais é parecido consigo próprio
tão inesperada é a noite,
mesmo quando em sua rotação se repete,
efectiva e extingue,
no corpo e cinzas de uma criança,


não vos espanteis por isso senhores,
dezembro é um solstício que nos sobrevive
e nada mais se anseia
do que abraçar todo o tempo do tempo
para seguir uma estrela viva,
um frágil e divino coração de criança
em homens aturdidos pelo afago da entrega,
guardai pois um Natal,
nada mais se reterá no cheiro do orvalho
que aconchegamos dentro de nós,


o seu leito evidencia a inquietude do fogo
e a poesia parece a puerícia do verbo:
ainda que nos céus
em seu nome o nome do mundo se cante,
o que é sagrado e profano,
o que é rei e pastor
e se planta e adolesce
e se percorre até à extrema boca do advento,
mundo de júbilos e prantos
que como o sol nas trevas se revive.


Uma criança nos aquieta o corpo,
a noite atravessa o mundo,
obscuros e formais viajantes,
se as quimeras se ofuscam sob os céus
a culpa é dos corações e não da luz das estrelas.

             João Rasteiro

domingo, 11 de novembro de 2012

UM ATÉ JÁ...



MANUEL ANTÓNIO PINA: 1943 - 2012
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Sinto uma tristeza indescritível por esta perda, minha, nossa e sobretudo do país.  Para além da enorme honra (e responsabilidade) em ter obtido a 1º edição do Prémio Literário Manuel António Pina (em boa e justa hora instituído pela Câmara Municipal da Guarda), sinto-me possuído de uma
tremenda felicidade por me ter oferecido a sua plena amizade. Não irei esquecer uma conversa recente (quando ele que me telefonou a procurar pelo Prof. José Carlos Seabra Pereira) de mais de 40 minutos, onde me falou da tropa, do pai, do jornalismo, do país e da vida - e nessa mágica e para sempre inesquecível conversa, curiosamente nunca se falou de poesia. Um grande e eterno abraço Manuel António Pina. Portugal perdeu um enorme poeta e sobretudo, um homem bom. Como referiu D. Januário elogiou o “homem recto, competente, solidário e lúcido",“Inconformismo” e um “misto de sonho e de bom humor, que falta tanto a tanta gente”, foram outros atributos do prémio Camões 2011 que D. Januário quis realçar. Disse também hoje no funeral o Germano Silva: "
Além do talento que ele tinha, a maneira como encarava a vida, sem ódios, sem rancores”, sublinhou o jornalista e historiador do Porto. “Tinha um sorriso que era uma janela aberta sobre o coração dele”. Um adeus breve amigo. Até um dia destes. E contrariamente ao que dizias, os poetas não vão desaparecer, a prova és tu. E como dizias, "Ainda não é o fim nem o princípio do mundo, calma é apenas um pouco tarde". R.I.P. amigo, até um dia destes.
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sábado, 1 de setembro de 2012

ROTAS AO SUL



No 1º semestre de 2012 foi publicada a antologia de poesia «Algarve - 12 Poetas a Sul do Século XXI» (Editora Livros Capital). Esta antologia pretende representar aquilo que alguns dos mais importantes poetas do Algarve (naturais ou adoptados) fizeram nos últimos anos.
A antologia contempla poetas com obra de poesia publicada até à primeira década do século XXI e, para além de conter dez poemas por autor, com a respectiva biografia, possui ainda um ensaio crítico sobre a poesia de cada poeta, ensaio esse que foi escrito por outro poeta convidado.
O prefácio é de António Carlos Cortez, poeta, professor e crítico literário.
Os poetas antologiados são, António Ramos Rosa, Casimiro de Brito, Fernando Esteves Pinto, Gastão Cruz, José Carlos Barros, Manuel Madeira, Miguel Godinho, Nuno Júdice, Pedro Afonso, Rui Dias Simão, Tiago Nené e Vítor Gil Cardeira. E a análise crítica foi efectuada por, António Carlos Cortez, João Rasteiro, José Bivar, José Carlos Barros, Manuel Madeira, Maria do Sameiro Barroso, Miguel Godinho, Pedro Afonso, Pedro Sousa, Sylvia Beirute e Tiago Nené.
Como já repararam, tive o prazer e também algum receio, em aceitar realizar um pequeno texto de análise crítica sobre a poesia de Nuno Júdice. É pois esse texto que se segue:
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SOBRE A OBRA POÉTICA DE NUNO JÚDICE

Por um lado podemos afirmar ser hoje Nuno Júdice um dos três ou quatro nomes mais importantes da actual poesia portuguesa, além da sua importância ao nível da ficção. Por outro lado, e de certa forma, ainda é um pouco desconhecido do público em geral. É evidente que a qualidade da poesia e da literatura em geral não está (a atribuição do Nobel é disso um exemplo claro) dependente do número de prémios ou galardões, nem do número de livros editados, mas, parece-me óbvio existir alguma injustiça (que naturalmente, só o tempo se encarregará de consubstanciar ou não, como sempre fez com todas as obras e autores), nesse aparente desconhecimento que algum público, inclusive o da poesia, ainda demonstra em relação a Nuno Júdice e concretamente à sua extraordinária obra.
Podendo a poesia de Nuno Júdice ser considerada uma poesia pura e límpida, contrariamente a um António Franco Alexandre, possuidor de uma poesia bastante densa, ela é contudo na sua essência uma poesia que nos pode remeter a muitas abordagens em torno do poético, inclusive sobre o espaço na contemporaneidade e na sociedade pós-moderna, com o predomínio da “linguagem” em torno do consumo e do capital, do gosto do efémero e das experiências de vida inauditas, tornando o olhar do sujeito lírico como que um espelho reflector das paisagens e espaços que se cruzam de forma quase apocalíptica. A vida atribuída a essas “personagens”, cidade, aldeia, o sujeito pensante e o próprio poema, o branco e o negro, tornam assim mais complexa uma poesia que de certa forma é uma corrente de água transparente e colorida, transbordando em direcções várias.
Uma das marcas dominantes, ou talvez a marca dominante da sua produção lírica é a persistente reflexão sobre a prática literária e as reflexões entre escrita e conhecimento no âmbito da literatura e cultura em língua portuguesa no seu “obrigatório” diálogo com a cultura ocidental (semelhante por vezes à poesia de Vasco Graça Moura). Assiste-se a uma permanente reflexão, intercruzada entre literatura e ciência, poesia e filosofia, onde o poético indaga permanentemente a função do ser, a temporalidade e a existência num mundo de uma “globalização” em que nos encontramos “pregados ou crucificados”. Logicamente, muitas dessas reflexões e indagações vêm impregnadas de ironia e sobretudo do fingimento pessoano, uma vez que a refiguração do mundo e da própria linguagem é encenada no próprio texto poético e literário. Poder-se-á inclusive afirmar ser a poesia de Nuno Júdice um espaço privilegiado, onde o poeta é um voyeur profissional a observar o “mundo objectivo” e a transforma-lo através da subjectividade, estabelecendo um olhar crítico através do contraste entre o mundo exterior e o mundo interior do sujeito poético, o real e o imaginário, as palavras e o silêncio, permitindo ao leitor delinear paisagens e espaços ou correntes de “água fresca”, onde possa ser possível reaprender o sentido do que se vê, ou pelo menos reaprender um sentido outro através do espelho da água cristalina e límpida, um sentido que “brilha” como espelhos reflectores. Um dos espelhos recorrentes na poesia do poeta é a janela sobre a(s) cidade(s), uma vez que como afirma a professora brasileira Ida M. F. Alves: ”As imagens de cidades na poesia de Nuno Júdice acabam por alegorizar a situação e a participação do poeta na sociedade contemporânea, um perseguidor de sentidos, frente ao fugaz, às perplexidades da vida urbana”.
É o poeta em permanente reflexão e questionamento, através de imagens ou flash, solicitando a nossa “solidariedade” no entrecruzar de olhares pelas cidades, pelo espaço que nos alimenta e aniquila, tentando repensar o sujeito e o mundo, ou pelo menos “um mundo” que nos rodeia e é familiar. Como já referi, desde sempre emergiu na poesia de Nuno Júdice uma encenação do sujeito ficcional, daí ela estar povoada de “biografias imaginárias” de si próprio, numa recorrente e múltipla questionação do acto poético, suportado em todos os “odores dos mortos” (sem se preocupar com A angústia da influência, como nos é apresentada por Harold Bloom), numa escrita que possui e suporta toda uma releitura de um imensurável saber literário, mesmo se essa “irrupção nocturna” de sombras interiores, (memórias?) do sujeito literário ou do interior da terra seja muitas vezes interrompido e “colocado em sentido”, por interferências irónicas do quotidiano que nos envolve.
Nuno Júdice é hoje uma voz entre as mais altas e originais da poesia e literatura portuguesa contemporânea, na sua permanente luta contra o indizível da palavra e da poesia. Esta é ainda o mistério, a criação e a revelação do absoluto e do sagrado que o poeta tenta, com sofrimento, modelar nas formas que a língua lhe colocou à disposição ou na “liberdade” que a linguagem lhe permite e “autoriza”. É o incomensurável que ele procura dominar na convivência pertinaz de cada momento e no saborear de cada acto perante a luz que o ilumina e cega ao mesmo tempo, mesmo sabendo da impossibilidade de capturar o indefinível que nos alimenta a garganta das vozes. Por isso, como refere a poeta brasileira Vera Lúcia de Oliveira:” Nuno Júdice não despreza o recurso ao inconsciente, ao sonho, à bruma, às manhãs de Outono e Inverno, às atmosferas em que o onírico é colhido de forma profusa, impetuosa e barroca e em que os vocábulos se associam de modo aparentemente caótico, arrastando o puro e o impuro da memória”. Logo, o poeta insiste numa procura do senso íntimo e visceral de cada momento e de cada elemento, seja físico ou espiritual, essencialmente no seio da natureza revisitada pelo poeta de forma insistente através da palavra, do eco, do silêncio pertencente a essa mesma natureza. Como refere ainda Vera Lúcia de Oliveira: ”O surpreendente neste poeta é que, embora sua poesia pareça debruçada sobre si mesma, sem historicidade e sem ambição de projectar-se activa e incisivamente na realidade, na verdade para Nuno Júdice a poesia tem função altamente humanizadora, de pesquisa e conhecimento da nossa essência mais íntima, é actividade cognitiva por excelência e dela não prescindimos”.
Toda a obra de Júdice, vista em determinada perspectiva, assemelha-se a um imenso diálogo auto-reflexivo e interrogativo, em que o poeta tantas vezes se auto-indaga num sofrimento que se adivinha até ao último fôlego da carne: “Para quê/escrever?” e “O que fica/nas palavras/daquilo que se viveu?”, como se fossem as últimas palavras de um condenado, pois a poesia não tem, nem deverá ter, nenhuma utilidade prática, ela só se explica existindo. A poesia não mudará nada deste “nosso mundo”, mas este mesmo mundo talvez já não possa passar sem a poesia, mesmo se ainda não se apercebeu de tal facto. A poesia é apenas o eco do assombro que germina a palavra na apreensão directa da “realidade” da luz.
Concluindo, Nuno Júdice, com uma poesia aparentemente límpida, pura, equilibrada e, ao mesmo tempo inovadora, é hoje uma das vozes fundamentais da poesia e literatura portuguesa contemporânea, uma voz sempre com o fingimento sagrado e necessário da palavra que faz da circunstância e do reenvio pretextos para a narração das vivências que nos rodeiam, através da linguagem que nos alimenta e constrói. A palavra está sempre demonstrando a ideia “de que mais forte do que tudo é o desejo de viver”. E, como refere Nuno Júdice, no poema “Amor”, Um poema, dizes, em que/o amor se exprima, tudo/resumindo em palavras.//Mas o que fica/nas palavras/daquilo que se viveu?//Um pó de sílabas,/o ritmo pobre da/gramática, rimas sem nexo…/.
                                                                    João Rasteiro
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quarta-feira, 1 de agosto de 2012

ANTOLOGIA de Poesia Portuguesa Contemporânea



Acaba de ser publicada no México em Junho de 2012, pelas Ediciones Libera, a antologia de poesia portuguesa contemporânea, "Cortei a laranja em duas", organizada e traduzida por Fernando Reyes, professor na UNAM - Universidade Nacional Autónoma do México e que, com bastante satisfação, tenho o prazer de integrar .
A antologia inclui poemas de onze autores portugueses (Maria do Rosário Pedreira, Ruy Ventura, João Rasteiro, Fernando Aguiar, Inês Lourenço, Aurelino Costa, Pedro Ribeiro, Alexandre Nave, Filipa Leal, Américo Teixeira e José Rui Teixeira). O prefácio é de Jesús Gómez Morán.
Neste, afirma o autor: (…) “a cultura portuguesa caracteriza-se por ser o oposto da brasileira. Se, grosso modo, o temperamento polícromo e alegre é claramente brasileiro, o lusitano tem como qualidades intrínsecas o claro-escuro e a melancolia. Penso, por exemplo, na poesia de Pessoa, cuja figura enorme seria capaz de eclipsar qualquer nome: poeta com a altura de Eliot e de Pound na língua inglesa e de Octavio Paz e Neruda em espanhol, o seu impacto (juntamente com o de Mário de Sá-Carneiro) é tão evidente que a sua sombra caiu praticamente sobre todos os autores portugueses dos períodos posteriores, a tal ponto que explorar o seu contributo lírico se transformou num repto difícil mas iniludível.
(…) Quando se pensa nas conexões culturais existentes entre Portugal e México, é possível aceitar que a poesia lusa foi reinventada em 1888, ano do nascimento de Fernando Pessoa. Além disso, esse temperamento taciturno e saudoso parece gémeo do meio-tom, dessa nota crepuscular que caracteriza, por sua vez, a poesia Mexicana, pela voz do seu autor mais representativo nesse período, Ramón López Velarde. Logo, o que se aplica a um poeta pode ser válido para o outro, e o nosso conhecimento das letras e da cultura portuguesa, além desse temperamento, não manifestou em todo este tempo um eixo ou um acontecimento particular que as tenha vinculado.
(…) Estas ligações não passariam muito tempo despercebidas e Pessoa haveria de ser analisado, principalmente por Octavio Paz, e traduzido profusamente por Francisco Cervantes, a quem devemos, além disso, a publicação póstuma da antologia Cara Lusitana, editada pelo Instituto de Cultura Queretano (2010), cuja lista se compõe de nomes posteriores a Pessoa e a Sá-Carneiro: Adolfo Casais Monteiro, Raul de Carvalho, Luiza Neto Jorge, Manuel Gusmão, Miguel Torga, Fiama Hasse Paes Brandão, Vitorino Nemésio, Eugénio de Andrade, Alberto de Lacerda, António Osório, Fernando Guimarães e outros. Essa abordagem a esta etapa da lírica portuguesa teve, contudo, pelo menos mais duas antologias prévias. Uma foi preparada por Fernando Pinto do Amaral, Antología de la poesía portuguesa contemporânea, publicada pela UNAM (1997), e a outra foi dada a estampa pela editora madrilena “Hiperión”, Portugal: la mirada cercana (2001). Em qualquer delas, o rol de poetas incluídos anda muito próximo da supracitada Cara Lusitana.
Apesar disto, já se notava a necessidade de uma incursão pelas vozes lusitanas mais recentes, lacuna que a actual antologia preparada e traduzida por Fernando Reyes vem colmatar. O leitor terá oportunidade de tirar as suas próprias conclusões, mas quanto a mim a característica mais relevante que posso destacar desta nova empresa compiladora é a tensão estabelecida entre tradição e inovação nos autores selecionados. Nota-se, desde logo, a aparição do temperamento taciturno antes mencionado, a saudade nascida ante a contemplação do mar (com clara índole sebastianista), o espirito órfico herdado de Fernando Pessoa e da sua geração, ao lado de continuas referências intertextuais e das definições da função que o poeta deve assumir, como nestes versos de Inês Lourenço: “habitar um planeta / de versos suicidas / é o primeiro ofício do poeta”. Em união com estes traços, verifica-se uma inquietude experimental que dinamiza a expressão lírica, tanto em poemas dialogados de forma tal que se aproximam bastante da heteronímia (como é o caso de Ruy Ventura), quanto noutros com versos tao breves que parecem enformar linhas verticais (como sucede com Fernando Aguiar). Apesar disso, há poetas como João Rasteiro em cuja obra se unificam a tendência experimental, quando publica poemas em prosa (com versos praticamente justapostos), e a tendência tradicional, quando escreve em tercetos medidos.
Ao analisar o temperamento do romantismo, Octavio Paz traçou dois enfoques primordiais: a analogia e a ironia. E é este segundo elemento o que emprega Fernando Aguiar para rasgar o véu melancólico da tradição poética lusitana. Isto acontece quando descreve algo aplicável tanto na operação de uma torre aéreo-portuária quanto na composição de um texto literário: “para quem julga que estou a / exagerar, não diga apenas que / não há dúvida que está realme / nte mesmo cada vez mais um / ito difícil. nem que está d / ificílimo. está dificilíssimo” E certamente, “ não há dúvida”. Por mais difícil que pareça, neste caso, estender uma ponte sobre este território poético marcado pelos contrastes de um claro-escuro, existem dois pontos salientes: estamos diminuindo a distância que nos afastava da poesia portuguesa contemporânea e, paulatinamente, essa tradição vai mostrando evidentes signos de regeneração (que, ao fim de contas, é um postulado de ascendência órfica) e frescura lírica.

Jesús Gómez Morán
(Tradução: Ruy Ventura) 

domingo, 8 de julho de 2012

ROTA FINAL


"Um dos mais famosos escritores, poetas, cronistas e polemistas holandeses, que vivia em Portugal desde os anos 80, morreu ontem aos 68 anos.
Gerrit Komrij (1944-2012) deixou a Holanda em 1984 e mudou-se para Alvites (Trás-os-Montes) em Portugal. Em 1988 mudou-se de novo, desta vez para para Vila Pouca da Beira. A aldeia que começou por se escandalizar com a presença do escritor e do seu companheiro acabou por torná-lo um dos seus filhos dilectos. Da sua vasta obra apenas uma parte está editada em Portugal, na Assírio & Alvim.
Em 1993 recebeu o prémio P.C. Hooftprijs, o principal prémio literário dos Países Baixos, e no ano 2000 foi escolhido pelo público para ser o Poeta da Nação estatuto que é atribuído por um período de cinco anos.
Sobre os portugueses dizia "vivem numa espécie de fantasia permanente, não acreditam realmente em nada por isso não levam nada a sério".(DN Artes)

Foi por isso com imensa tristeza que tomei conhecimento da morte do Gerrit, pois se não poderei afirmar ter sido um AMIGO, convivi bastantes vezes com ele e, de certa forma, orgulho-me de ele ter participado em 2004 nos Encontros Internacionais de Poetas de Coimbra/U.C. depois de ter sugerido o seu nome.

E como referiu em forma de lamento o tradutor Fernando Venâncio, que verteu para o português a poesia do Gerrit (publicou alguns livros na Assírio e Alvim, incluindo uma antologia da poesia Neerlandesa e um romance na ASA), "foram feitos esforços para alertar o meio literário e cultural português para a presença de uma pessoa de tanta relevância, mas o facto é que não houve um verdadeiro clique entre ele e os meios culturais portugueses", lamentavelmente, digo eu.



Deixo aqui um belo poema do Gerrit (na foto de cima, estamos no Museu do Chiado em Coimbra) e um excerto do comunicado de imprensa da editora holandesa do Gerrit, traduzido por Fernando Venâncio e Arie Pos. [-"em nome da família, a editora neerlandesa De Bezige Bij informa que Gerrit Komrij faleceu ontem à noite, em Amesterdão, após um curto período de hospitalização. Com ele perdemos um importante poeta, um autor e tradutor multifacetado, um grande estilista, um polemista mordaz e, sobretudo, um amigo querido. Gerrit Komrij foi um inspirador para gerações de poetas, escritores e jovens conquistadores dos céus, e continuará a sê-lo (...)"]. O funeral terá lugar no dia 19 de Julho em Vila Pouca da Beira. Até um dia destes Gerrit. R.I.P./R.I.P./R.I.P.


Máscaras

O homem com a máscara brincando
Até chegar a hora em que o seu rosto
Partilhava com ela uma só vida:
Já miúdo a história me punha indisposto.

Negava-me a aceitar. Quando crescesse,
Ia mostrar que outra maneira havia:
Que cada máscara, sem dor ou risco,
Como um capuz tirar-se podia.

Fiz disso muito tempo um firme credo.
Escondi, confiante, a minha natureza.
Extinto o fulgor do jogo que eu fazia,
Teria ela a original pureza.

Hoje sou velho, só para admitir:
A história é real. A máscara agarrou-se´.
É como habituares-te ao inferno.
Como se olhar vazia cova fosse.
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http://en.wikipedia.org/wiki/Gerrit_Komrijhttp://en.wikipedia.org/wiki/Gerrit_Komrij

domingo, 1 de julho de 2012

ROTAS INFINITAS




Aprendizagem da perda
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A primavera das chuvas  não tomba aqui,
a tua morte estranhamente nos nivela
no exímio hálito que amadurecia a ferida
com que construímos ocultos falcões no coração,
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aprendi à força a tua ausência e a das chuvas
e no entanto pertences-me cada vez mais,
o meu afecto tem uma assombrada presença 
dos teus olhos pois é o autêntico afecto do agora,
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e o sangue esfria a doce retoma do corpo enxuto
a tua boca de primaveras perdurará infinita,
pois se te amo me habitas e se me ocupas te guardo,
.
e porque morta vivendo aprendo apreendendo-te,
a tua presença e a das chuvas é tão verdadeira
que a beleza do amor estará sempre onde te guardo.
 .
                                                                                     João Rasteiro

sábado, 9 de junho de 2012

ROTAS


In, Cânticos de Basho (inédito)

10.

Palavras em movimento.
As fímbrias do sangue
liveladas pelo olfacto.


11.


O amor trago
em poemas extintos.
Locais de Inverno.


13.

Eu pressenti-te
rosto de terra fresca.
Quase lhe rocei…


sábado, 2 de junho de 2012

"Prémio PT Literatura 2012"



Para minha grande surpresa, o meu livro "Tríptico da Súplica" publicado no final de 2011 pela "Escrituras Editora" de São Paulo, conjuntamente com a obra "Escarpas" do poeta Gastão Cruz, acaba de ser nomeado para o "Prémio PT Literatura 2012" na categoria de poesia. Vide notícias abaixo.
Cinco portugueses nomeados para o "Prémio PT Literatura 2012"
Cinco obras de autores portugueses estão entre as 60 nomeadas para o Prémio Portugal Telecom de Literatura em Língua Portuguesa 2012. Valter Hugo Mãe com o romance A Máquina de Fazer Espanhóis, o poeta Gastão Cruz (Escarpas), António Cabrita com o romance A Maldição de Ondina, o poeta João Rasteiro (Tríptico da Súplica) e Alberto Xavier com O Escandinavo Deslumbrado, a concorrer na categoria de conto/crónica. A lista, que foi divulgada nesta quarta-feira à noite no Rio de Janeiro, inclui ainda a obra Histórias da Gravana, da santomense Olinda Beja, e as obras de 54 autores brasileiros. Pela primeira vez, este prémio conta com três categorias: Poesia, Romance e Conto/Crónica. Os vencedores serão conhecidos em Novembro. Os vencedores de cada categoria vão receber 50 mil reais cada um (cerca de 20 mil euros), o mesmo para o Grande Prémio Portugal Telecom 2012 - (fonte: Público).
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sábado, 26 de maio de 2012


Caros amigos, amanhã, domingo, 27/05/12, estarei na Feira do Livro (Parque Verde do Mondego) para uma sessão de apresentação/autógrafos com o meu livro-objecto "ELEGIAS", o qual foi publicado em 2011 pela "Debout Sur L´Oeuf". Estarão presentes o editor Miguel de Carvalho (da Livraria Alfarrabista Miguel de Carvalho - Banca nº 3 da feira) e o pintor holandês Rik Lina, que ilustrou a obra. A apresentação será do Professor José Carlos Seabra Pereira e a sessão decorrerá no Auditório 1 da Feira do Livro pelas 16h00. Apareçam todos e mais alguns. Seria uma enorme alegria poder contar com a vossa presença.Beijinhos/Abraços.


sábado, 12 de maio de 2012

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“Bicarbonato de Soda” .

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Um tal de Fernando Pessoa
ocultava sempre as múltiplas e habituais cartas
que recebia de um certo Álvaro de Campos,
todos estes papéis pálidos hoje se deixaram
de jogar pelo prazer do impensável,
até Pessoa a propósito de  metafísica dizia às vezes:
“dêem-me de beber, que não tenho sede!”
..............................................................João Rasteiro
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In, "O sabor dos dióspiros só a Deus pertence" [inédito]

sábado, 28 de abril de 2012




Na próxima quinta-feira, dia 03 de Maio, pelas 18h00 na Casa da Escrita em Coimbra, será apresentado o meu livro de poesia "Tríptico da Súplica".
Este livro foi editado no final de 2011 em São Paulo, pela Escrituras Editora, na coleção “Ponte Velha” que publica autores portugueses e que é apoiada pela Direção-Geral do Livro e das Bibliotecas/Portugal.
A apresentação da obra estará a cargo do Professor Doutor José Carlos Seabra Pereira da Universidade de Coimbra e terá uma leitura por Jorge Fragoso e Cândida Ferreira.
Haverá ainda um momento musical pelo grupo de Fados de Coimbra “Fado ao Centro
A todos os que queiram e possam comparecer, será para mim uma enorme alegria poder contar com vocês.
"Com a morte, também o amor"
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Um dia, o excelso dilúvio do sangue
queimará a noite, também os livros
jazerão sós sob as túnicas de Istambul,
"com a morte, também o amor devia
acabar" – num único e violento segredo.
 .                                            
A melancolia esvoaçará dos orifícios
expiando a culpa, as criaturas cinzentas
comover-se-ão fartas pelo calor do tacto,
perecerão sozinhas - como a sua progénie.
 .
E haverá a celebração dos precipícios
urdindo o beneplácito das heras, pois a flor
é um corpo excessivamente fresco e mortal,
o sangue, na primavera, é mais vermelho
que o barro nu – a terra é um lírio dobrado.
 .
Porque amor e morte têm existência própria
convertem-se, mas os seus monstros subsistem
e subsistirão recolhidos à agonia do tempo
amando-se pelo ventre - até ao fim do mundo.
................................................. João Rasteiro

domingo, 22 de abril de 2012

ROTAS OUTRAS


assim a mão escrita se depura
  .............................................................................Ao Mário Guerra

Um velho caderno moleskine de Herberto
que se julgava uma lenda
maior que o livro do riso de Aristóteles
(é tão bom rirmo-nos de tudo, de nós
dos críticos, de Deus e sobretudo da poesia)
e que presumivelmente encerrava
o manuscrito inédito
“a vida inteira para fundar um poema”
apareceu absolutamente preservado
das manchas de lápis da viarco – hoje
o poeta mantém-se fiel ao fogo
do carvão que inunda o branco de alegria,
 .
este mítico caderno
a que toda a crítica sempre se referiu
e que cada vez mais ia deixando de ocupar
os alucinados sonhos
dos adoradores de poesia
foi encontrado no início do ano pelo mário
neto do antigo merceeiro da rua
quando substituiu o soalho da antiga loja
do avô na rua do salitre,
 .
mas parece que será um caderno falso
e uma acção de propaganda
pois não só o mário quer abrir uma livraria
bastante completa aliás
apenas de livros de poesia – cada livro vendido
será docemente acompanhado
da oferta de um pastel de belém
como apenas na página 31 surge uma mancha


no intemporal branco do moleskine
que diz: “assim a mão escrita se depura”
e alastra o âmago do mundo
mas o mundo de onde se avista a morte.

Ah, e não está escrito a lápis viarco
mas sim por uma lapiseira
e para o poeta o carvão é sagrado
carvão é carvão
que a blasfémia do verbo será sempre
uma "bic cristal preta doendo nas falangetas".
.............................................. João Rasteiro
In, "O sabor dos dióspiros  a Deus pertence" (Inédito)

domingo, 8 de abril de 2012

Lugares Obscuros


Elegia da Flor


3.

Era nas tuas sépalas toda a beleza do mundo
o centro pasmado que se estendia
na subtileza do mosto
todavia vida de nocturnas galáxias
entre as formas que são outras formas
o mais disponível pecado
na mínima cavidade de uma flor
deixando que o sémen transborde o coração da terra
e no túmido ofício de jardineiro da piedade
amo a dor  eivada de pétalas
pois foi nos afáveis orifícios da primavera
que as flores perderam a idade
e logo aí em mim morreram
metamorfoseando-se em besoiros de incisivas lâminas
que em sua bárbara, insana e carnífice exactidão
cheiram quando se cheira a matéria exacta
o odor de deus, o odor de mim, o odor que mata.
.....................................................................João Rasteiro

domingo, 1 de abril de 2012

ROTAS IMPRESCINDÍVEIS


Decorreu na passada sexta-feira, dia 30 de Março, com a presença 
do homenageado, na Fundação Eng. António de Almeida no Porto, o lançamento da Antologia "100 Poemas para Albano Martins" da Editorial Labirinto, que foi coordenada pela poeta  Maria do Sameiro Barroso e prefaciada pelo grande Eduardo Lourenço, tendo ainda sido apresentada a obra por Fernando Guimarães. Nesta (entre tantas 
que já ocorreram e ainda irão ocorrer) merecida homenagem (que 
terá nova apresentação em Lisboa no dia 27 de Abril pelas 21h00 
na Sociedade Portuguesa de Autores) participei com o poema que se segue:
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Apriorismo Vital

Já não será necessário o pecado,
há um instante em que a memória é estreita
e os homens  circularão ávidos
procurando a sua matilha
como se o rebentar dos dedos em magnólias
não fosse a indefinida e factícia criação,
a  água e a sede num corpo de aurora,
o coração estilhaçando-se em girassóis acesos,
o poema mergulhando inteiro
em suas concêntricas e primígenas alegorias,

porventura homens
ou vozes encantadas sob a lua e o sol,
sob a lágrima avivada do tempo,
o cântico que anuncia os divinos náufragos de Ítaca
sob o músculo que se retrai
fervilhem majestosos
nos delicados argumentos da morte
em profundos círculos quebrados de estirpe e haste
entreabertos ao fôlego circuncidado
do espanto.

E tudo sem promessas, sem um rosto de verbo
sem pelo menos o ocluso núcleo do mundo temer
o ruidoso silêncio da paixão da língua,

a núcega comédia do mundo
pois o poema retornará sempre a esse fruto
como, utópico, ao coração de uma criatura múltipla
no mais íntimo impudor da casta.
.......................................................................João Rasteiro
GEORGES MOUSTAKI (Fado Tropical).