domingo, 8 de julho de 2012

ROTA FINAL


"Um dos mais famosos escritores, poetas, cronistas e polemistas holandeses, que vivia em Portugal desde os anos 80, morreu ontem aos 68 anos.
Gerrit Komrij (1944-2012) deixou a Holanda em 1984 e mudou-se para Alvites (Trás-os-Montes) em Portugal. Em 1988 mudou-se de novo, desta vez para para Vila Pouca da Beira. A aldeia que começou por se escandalizar com a presença do escritor e do seu companheiro acabou por torná-lo um dos seus filhos dilectos. Da sua vasta obra apenas uma parte está editada em Portugal, na Assírio & Alvim.
Em 1993 recebeu o prémio P.C. Hooftprijs, o principal prémio literário dos Países Baixos, e no ano 2000 foi escolhido pelo público para ser o Poeta da Nação estatuto que é atribuído por um período de cinco anos.
Sobre os portugueses dizia "vivem numa espécie de fantasia permanente, não acreditam realmente em nada por isso não levam nada a sério".(DN Artes)

Foi por isso com imensa tristeza que tomei conhecimento da morte do Gerrit, pois se não poderei afirmar ter sido um AMIGO, convivi bastantes vezes com ele e, de certa forma, orgulho-me de ele ter participado em 2004 nos Encontros Internacionais de Poetas de Coimbra/U.C. depois de ter sugerido o seu nome.

E como referiu em forma de lamento o tradutor Fernando Venâncio, que verteu para o português a poesia do Gerrit (publicou alguns livros na Assírio e Alvim, incluindo uma antologia da poesia Neerlandesa e um romance na ASA), "foram feitos esforços para alertar o meio literário e cultural português para a presença de uma pessoa de tanta relevância, mas o facto é que não houve um verdadeiro clique entre ele e os meios culturais portugueses", lamentavelmente, digo eu.



Deixo aqui um belo poema do Gerrit (na foto de cima, estamos no Museu do Chiado em Coimbra) e um excerto do comunicado de imprensa da editora holandesa do Gerrit, traduzido por Fernando Venâncio e Arie Pos. [-"em nome da família, a editora neerlandesa De Bezige Bij informa que Gerrit Komrij faleceu ontem à noite, em Amesterdão, após um curto período de hospitalização. Com ele perdemos um importante poeta, um autor e tradutor multifacetado, um grande estilista, um polemista mordaz e, sobretudo, um amigo querido. Gerrit Komrij foi um inspirador para gerações de poetas, escritores e jovens conquistadores dos céus, e continuará a sê-lo (...)"]. O funeral terá lugar no dia 19 de Julho em Vila Pouca da Beira. Até um dia destes Gerrit. R.I.P./R.I.P./R.I.P.


Máscaras

O homem com a máscara brincando
Até chegar a hora em que o seu rosto
Partilhava com ela uma só vida:
Já miúdo a história me punha indisposto.

Negava-me a aceitar. Quando crescesse,
Ia mostrar que outra maneira havia:
Que cada máscara, sem dor ou risco,
Como um capuz tirar-se podia.

Fiz disso muito tempo um firme credo.
Escondi, confiante, a minha natureza.
Extinto o fulgor do jogo que eu fazia,
Teria ela a original pureza.

Hoje sou velho, só para admitir:
A história é real. A máscara agarrou-se´.
É como habituares-te ao inferno.
Como se olhar vazia cova fosse.
.


http://en.wikipedia.org/wiki/Gerrit_Komrijhttp://en.wikipedia.org/wiki/Gerrit_Komrij

domingo, 1 de julho de 2012

ROTAS INFINITAS




Aprendizagem da perda
.

A primavera das chuvas  não tomba aqui,
a tua morte estranhamente nos nivela
no exímio hálito que amadurecia a ferida
com que construímos ocultos falcões no coração,
.
aprendi à força a tua ausência e a das chuvas
e no entanto pertences-me cada vez mais,
o meu afecto tem uma assombrada presença 
dos teus olhos pois é o autêntico afecto do agora,
.
e o sangue esfria a doce retoma do corpo enxuto
a tua boca de primaveras perdurará infinita,
pois se te amo me habitas e se me ocupas te guardo,
.
e porque morta vivendo aprendo apreendendo-te,
a tua presença e a das chuvas é tão verdadeira
que a beleza do amor estará sempre onde te guardo.
 .
                                                                                     João Rasteiro