(POESIA,LITERATURA e a CULTURA em geral)»»»»»»»»»»»»»»»» "Só existe o tempo único. Só existe o Deus único. Só existe a promessa única, e da sua chama e das margens da página todos se incendeiam. Só existe a página única, o resto fica, em cinzas. Só existem o continente único, o mar único – entrando pelas fendas, batendo, rebentando correndo de lado a lado". __________ Robert Duncan
quarta-feira, 28 de outubro de 2009
"Achar sem nunca achar o que procuro"
1.
Morreu meu país de sol.
A sua própria geometria. Oblíqua. Prostrada e nua.
Sobre a rotação dos sonhos que se resgatam.
Todas as noites sua ausência se repete
unívoca com sua minúcia celeste no corpo
amplo da neve que anseia a lágrima.
Eu questiono,
mais do que a ausência e mais do que desbaratar
o assombro do assombro
nas margens do vento, a luz tem agora a idade
do mundo bebendo o silêncio, a escuridão
dobrada para si em esplêndida violência.
O medo de ansiar reinventar as ínfimas raízes
do sol em seu regaço – assim, o que será
a morte da fantasia?
2.
Questiono-te, meu país: o que será a morte
da fantasia, a clara hegemonia dos corações tristes
sob os gritos das aves, encontraste o precipício
que procuraste em teu perplexo e altivo desvario?
Encontraste a desumana melancolia da concisão
das águas nas virilhas do remorso de Abril
ou repousas suspenso e gemes sobre o solstício
da boca atulhada em sangue primordial,
o verbo imperceptível ao poema,
o nevoeiro que arqueja ainda em Alcácer Quibir?
Onde se perdem as crias da gestação mais dura,
do total desamor dos seres que concebiam
as vozes puras das vísceras fecundas,
uma cobra de cabeça cristalina desposa os quadris
oprimidos e aspergidos de um país ausente,
que já não impulsiona o impetuoso encantamento
da utopia, os sonhos acesos dentro do tempo?
3.
Questiono-te, meu país: agora, se algumas
coisas são os mortos aprisionados nas estrofes
de Camões, cânticos como se só a poesia
fosse estrela de oiro intacta,
ou se só a utopia fosse um desmesurado verbo
numa espécie de batalha silenciosa
que compreende tudo o que os deuses
e as ninfas traiçoeiras no roteiro dos imensos mares
do sul, não podem realizar tudo o que elas
guardaram sob os seios onde os cravos dão flor,
como um oceano fechado secando
o esquecimento que nenhum oceano detém.
E o meu louco desejo é o trilho salgado
que ficou das gaivotas. O uivo de um navio
onde agora o olhar se perde e era o infinito.
Estas esquivas modelações do tempo: os sonhos
selvagens de um país onde começo.
4.
Morreu meu país de sol.
Eu partirei para qualquer pais de sol. Onde não é.
Onde não subsista a infinita solidão da sílaba muda,
o corpo exacto para lhe ser sangue e flor
e aves alucinadas por entre os mastros de bronze.
O sonho do verbo. Um outro sonho de terra,
ténue, o vulto encoberto de outro canto.
Um novo eclipse no âmago do mundo,
ao fundo do coração. Há-de emergir um país
na visão feroz do rosto dos deuses.
Iminente, em insondável ilusão. Onde não é.
..................................................João Rasteiro
domingo, 25 de outubro de 2009
"A Poesia Portuguesa Hoje" - II
(...)"Ele expulsa dos seus textos as associações lógicas e a lógica aristotélico-cartesiana, cultivando, como refere Nelson Oliveira, os nexos descabidos e as incongruências sintácticas e semânticas. E. M. de Melo e Castro afirma, ser a poesia de Luís Serguilha um mar de palavras, imagens, metáforas, intermináveis e diferentemente sempre iguais, podendo os poemas começar e terminar em qualquer delas, em qualquer lugar e tempo. É pois, uma escrita que se oculta numa densa floresta de signos e que obriga o leitor perdido a encontrar o caminho dos significados, tendo para isso de seleccionar e combinar as palavras através do seu sentido pessoal, de forma a encontrar um caminho no labirinto. A interminável busca da palavra que tortura e alimenta". - João Rasteiro
..............................Canário-do-mar
O álcool das fábulas faz latejar a inesgotável glande do navio
onde as posses desvairadas das legiões tecem unicamente o regresso agrilhoado das baleias
coleccionadas pelas válvulas mitológicas do horizonte
aqui as redes pequeníssimas das cerejeiras mecânicas expulsam as insustentáveis sombras-alambiques
que ludibriam o fogo inspirador das gôndolas
Furtivamente os pássaros inebriados agasalham-se nas parelhas soníferas dos pomares
onde todos as equivalências das ondas se estilhaçam
como os esquadros sazonados dos pulmões a escorregarem nos projectos assimétricos das crisálidas solares
Os dedais dos astros devastam as armadilhas garatujadas nos figos rudimentares das congeminações
para exaltarem o segredo das raízes assobiadoras entre as lajes estonteantes do alagamento cinematográfico
e as mandíbulas frenéticas respiram o esmo tumefacto da labareda conduzida centralmente
pelas fisionomias aquáticas das guitarras
Os novelos persistentes das águas estreitam a invernia imaculada dos loucos relógios porque a rebentação da claridade dardeja
sossegadamente os favos-bailarinos da memória
O músico está solenemente encurvado na indefinível epopeia
ondulando numa submersão distinta como um ser etéreo na genealogia inquebrantável dum povo
e sobre uma quilha encrespada penteia a sumptuosidade do espaço sonoro com o suor nómada da púrpura melancolia
que alinha a muralha reveladora da consciência aos regaços testamenteiros da essência incendiária
O nenúfar arrebatador do património é a generalização excêntrica dum labirinto cadenciado
é a transferência miraculada das indígenas composições
que enxertam as sequências melódicas dos espectros como se a alma fosse um tigre de esferas lucífugas e doces
Os ecos jazzísticos do cavaleiro nobre oferecem os pórticos constelados das borboletas
entre as crinas preciosas das atmosferas pulmonares
aqui os interstícios desatolados das heranças perseguem os sons rutilantes do sangue
que sucumbem felicíssimos nas invenções químicas da rebelde mestria
é neste berço incomparável de movimentos
que as senhas das gaivotas descortinam a insubordinação da música pura
As baladas da transmutação engolem igneamente as cordas transversais do poema
onde as falésias periféricas do coração missionário balanceiam
sobre os bandos acidentais do Tejo
As guitarras intermitentes das águas lançam os teares luminescentes no tropel inumerável das pulsações
que atravessam as biografias infusas das catedrais
que imaginam o esconderijo convulso das açucenas
na invocação cirúrgica do relâmpago
(...)
Os ourives nocturnos das marés abobadadas os ímans secretos dos astros
e as esporas fulgurantes do guitarrista suturam juntamente
as rotações das silhuetas dos visitantes
Os desaguadouros recíprocos das águias os solitários parágrafos dos mondadores e os antelóquios musicais das maças
aceram a infância heráldica das vinhas
As orações sazonais dos embarcadouros enclausuram as lendas ciclónicas dos navegadores
para dilatarem os delineamentos hesitantes das constelações
Os sinónimos árcticos dos veleiros-parábolas as coincidências dos periscópios das torrentes e os meteoros intemporais do guitarrista soldam demoradamente
a curvatura fértil do outono na fidelidade equestre da tempestade
Os caçadores de espelhos eternos emolduram a arqueologia das locomoções no desassossego da notabilidade nas ânforas póstumas dos aluviões
e na eremitagem rebelde do guitarrista onde o tear mutante do oceano restaura a verdadeira morada dos amantes.
........................................................................L. S.
.................AMÁLIA (10 anos de saudade) - Com que voz
http://www.intensidez.com/AutorLuisSerguilha.htm
http://www.germinaliteratura.com.br/luis_serguilha.htm
http://palavrastodaspalavras.wordpress.com/2009/04/02/luis-serguilha-por-jairo-pereira/
quarta-feira, 21 de outubro de 2009
"Rosa, Minha Irmã Rosa"
Alice Vieira, que nasceu em 1943 em Lisboa, é licenciada em Germânicas pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e comemora actualmente 30 anos de carreira literária.
Os seus livros estão traduzidos e editados nos seguintes idiomas: Alemão. Búlgaro, Basco, Castelhano, Galego, Francês, Húngaro, Neerlandês, Russo e Servo-Croata.
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http://www.spautores.pt/PageMembros.aspx?UserCod=0&UserID=822
domingo, 18 de outubro de 2009
"A Poesia Portuguesa Hoje" - I
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A INfÂNCIA de HERBERTO HELDER
No princípio era a ilha
embora se diga
o espírito de Deus
abraçava as águas
Nesse tempo
estendia-me na terra
para olhar as estrelas
e não pensava
que esses corpos de fogo
pudessem ser perigosos
Nesse tempo
marcava a latitude das estrelas
ordenando berlindes
sobre a erva
Não sabia que todo o poema
é um tumulto
que pode abalar
a ordem do universo agora
acredito
Eu era quase um anjo
e escrevia relatórios
precisos
acerca do silêncio
Nesse tempo
ainda era possível
encontrar Deus
pelos baldios
Isto foi antes
de aprender a álgebra
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O SILÊNCIO
Regressamos a uma terra misteriosa
trazemos uma ferida
e o corpo ferido
imprevistamente nos volta
para margens mais remotas
Giorgio Armani tinha declarado
àquele jornal inglês: «o luxo desagrada-me,
é anti-democrático.
Quero agora homenagear os operários de todo o mundo»
Eu só pensava em São João da Cruz
enquanto ouvia pela enésima vez:
«a moda substituiu o luxo
pela elegância»
João da Cruz fala de coroas,
resplendores, casulas
véus de seda, relicários de ouro e
diamantes
para lá do jogo das nossas defesas
qualquer coisa interior
a intensa solidão das tempestades
os campos alagados,
os sítios sem resposta
o teu silêncio, ó Deus, altera por completo os espaços.
..................................................................J. T. M.
AMÁLIA - (10 anos de saudade): Povo que lavas no rio
http://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Tolentino_Mendon%C3%A7a
http://poesiaseprosas.no.sapo.pt/jose_tolentino_mendonca/poetas_josetolentinomendonca01.htm
quarta-feira, 14 de outubro de 2009
A terra das ameixas verdes
A coisa mais estúpida é
A coisa mais estúpida é que, desde há várias horas, a erva corre à volta do meu novo vestido, e eu encontro-me sentada no banco de betão, uma das cinco, à espera, em frente do salão de cabeleireiro. A primeira é tola, a segunda tem olhos grandes, a terceira é manhosa, a quarta e a quinta sou eu, pois por baixo de mim há uma poça de água na qual eu me vejo, e tenho de fazer caretas porque senão uma das duas, que eu sou, pode não ser capaz de distinguir entre a boina de pêlo na cabeça da outra e o pássaro que se encontra morto na poça da água.
.....................................................Tradução: Luís Costa
sábado, 10 de outubro de 2009
Revista ARQUITRAVE: "A poesia portuguesa hoje"
Destaco ainda o facto de a Arquitrave apenas ter dedicado números especiais à poesia espanhola, peruana, palestiniana e argentina, chegando agora a vez da poesia portuguesa. A revista, porém, já publicou trabalhos de outros poetas portugueses, como Jorge de Sena, Amadeu Baptista, Eugénio de Andrade, José Carlos Ary dos Santos, Nuno Júdice. Eu também tive a oportunidade de publicar em 2005.
A revista é publicada bimensal, tendo publicação simultânea, online e em papel.
Assim, uma vez por semana (10) publicarei aqui 2/3 poemas e um pequeno excerto da análise que fiz a cada poeta.
E como faz agora 10 anos que a nossa diva da música nos deixou, em sua homenagem, colocarei sempre um fado de Amália Rodrigues em cada post relativo à antologia publicada pela revista Arquitrave ( http://www.arquitrave.com/principal.html ).
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Hoje contudo, é dia de festa no Coliseu dos Recreios, com esse fantástico concerto de despedida dos Delfins, isto apesar de Miguel Ângelo definir o concerto como «um espectáculo que, visualmente, se serve de muitas memórias da nossa carreira, mas é uma celebração daquelas canções e daqueles refrões e não uma despedida saudosista ou triste». O facto é que devido a problemas familiares, não poderei estar presente no concerto, para o qual tinha convite do Correio da Manhã (mais uma vez o meu obrigado ao Leonardo Ralha, Editor de Cultura & Multimédia do Correio da Manhã) para o seu camarote e ainda tendo igualmente acesso ao backstage para conhecer os músicos da banda. Como seria um grande momento para mim, fã há muito tempo dos Delfins, só poderei lamentar os percalços que a vida por vezes nos prega e mandar um grande abraço aos Delfins por tudo o que fizeram pela música portuguesa.
sábado, 3 de outubro de 2009
Escrituras
..............Eu, Mário Lúcio Sousa, Carlos F. Moisés e Ricardo Aleixo
O cabo-verdiano Mário Lúcio Sousa, poeta, ficcionista, pintor e músico, foi o vencedor da II Edição do Prémio Literário Carlos de Oliveira, concurso promovido pela Câmara Municipal de Cantanhede e ainda pela Fundação Carlos de Oliveira, com a obra que se intitula O Novíssimo Testamento.
Na fundamentação apresentada à atribuição do prémio a O Novíssimo Testamento foi ainda aludida “uma efabulação poderosa, rica em imaginação e temperada por acentos de humor, que recorre muitas vezes à ironia e ao picaresco”. Segundo a perspectiva do júri, Mário Lúcio Sousa retoma em O Novíssimo Testamento as Escrituras Sagradas, “reinventa-as por meio do recurso a um contrafactual herdado da teologia medieval, colocando a hipótese de Jesus ter sido mulher e explorando as vastas implicações e consequências dessa hipótese”.
O valor do Prémio Literário Carlos de Oliveira é de 5.000 euros, verba totalmente suportada pelo Município de Cantanhede, ficando também assegurada a publicação da obra pela autarquia. Obra, que desde já proporciona alguma expectativa, especialmente a mim, que essencialmente conhecia o Mário Lúcio de Sousa da poesia (estive com ele em Maio de 2004 em Coimbra, em excelentes convívios, durante os "V Encontro Internacional de Poetas"), apesar de já ter publicado romances e teatro, da pintura e naturalmente da música, especialmente com o seu grupo Simentera.
Da antologia Poesia do Mundo 5 alguns extractos: