sábado, 26 de setembro de 2009

Los Perros Románticos

Agora que já viu a luz do dia (e que aliás eu já adquiri esta tarde na FNAC), "2666", a póstuma obra-prima do chileno Roberto Bolaño (1953-2003) - o livro já está nas livrarias, com tradução de Cristina Rodriguez e Artur Guerra, começará a contagem decrescente para que as expectativas (essencialmente as minhas) não saiam mais uma vez "furadas", quando se trata de um tão grande e antecipado alvoroço em volta de um livro.
Dividido em cinco partes e concebido para publicação em igual número de volumes, com vista a garantir o futuro económico dos filhos, 2666 acabou por ser publicado num único tomo, por decisão conjunta de Ignacio Echevarría e dos herdeiros.
O New York Times Book Review fala mesmo de 2666 como a «câmara de ressonância da angústia humana». Assim seja.
Para já, um poema (sim, com isso aumentaram as minhas expectativas, Bolaño também era poeta) em tradução do poeta Tiago Nené.
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Não importa até onde te leva o vento
(Sim. Mas gostaria de ver Séneca neste lugar)
A sabedoria consiste em manter os olhos abertos
durante a queda (Blocos sónicos
de desespero?) Estudar nas esquadras
de polícia Meditar durante os fins-de-semana
sem dinheiro (Tópicos que hás-de repetir, disse
a voz em off, sem te considerar um infeliz)
Cidades supermercados fronteiras
(Um Séneca pálido? Um bife sobre o mármore?)
Da angústia ainda não falámos
(Basta já. Dialéctica obscena)
Esse vigor irreversível que abrasará as tuas rotas.
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De cadeiras, de entardeceres extra,
de pistolas que acariciam
os nossos melhores amigos
está feita a morte.
...........................................................Roberto Bolaño

.GRUPO LAYA (Musica Andina) "Paloma del alma mia"

http://www.cronopios.com.br/site/poesia.asp?id=3488

http://pt.wikipedia.org/wiki/Roberto_Bola%C3%B1o

http://www.youtube.com/watch?v=ozYIJpBDd8Q

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Espaços sagrados

Asa de anjo
.................A Mestre José Rodrigues


Todas as asas de anjo se contrafazem memória
todas têm anzóis fungíveis
e a boca desinquieta por presságios maduros
por despojos do arco-íris cintilando nas gotas de chuva
mais temíveis do que o dobrado coito do sangue
a única forma de amar sem lascívia
o coração desnudado da fímbria do bronze,


como de todos os lugares onde ousaremos o pecado
escuta-se um obsessivo galope de martelos em cio
como se o abismo tivesse músculos brancos,


e uma ágil asa a quem pesa ser a sua própria estirpe
o curso iludido das entranhas
em que se consumiu a nudez do dorso da alma
uma travessia de veias imprecisas
em seu secreto canto de aves e paisagens hagiográficas,


por esses céus atravessam as matrizes do profano
fúrias e perfeições angustiadas
às vezes a incandescente melancolia de pássaros de carícias
como Ícaro no desinquieto voo do sol
pois não há sonho senão do sonho
e há a metamorfose da sílaba que se sacraliza verbo
a fundição que amamenta até consumir o nome,


no cimo de si própria
essa asa assemelha-se a um corpo de ressurreição
quando irrompe o seu útero como cutelos
tentando da criação a criação
a sua sorte como sudários febris e sombriamente brancos.


Depois chegará o anjo tutelar com a máscara do eremita
a repetida subtileza que as mãos em seu pneuma concebem
à promessa forjada – como se florissem o coração dos sismos.
.............................................................João Rasteiro

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

PORTUGUESIA II

Depois do lançamento em Portugal, mais concretamente em Vila Nova de Famalicão, em 10 de Julho, na Casa de Camilo Castelo Branco, em S. Miguel de Seide, chegou a vez de ser lançada no Brasil, mais concretamente no Palácio das Artes, em Belo Horizonte, Minas Gerais, amanhã, 11 de Setembro, a contraantologia “PORTUGUESIA – Minas entre os povos da mesma língua / antropologia de uma poética”, organizada pelo poeta brasileiro Wilmar Silva.
Esta enorme, extraordinária e ambiciosa obra, que congrega 485 poemas de 101 poetas de Portugal, Brasil (Minas Gerais), Cabo Verde e Guiné-Bissau e na qual tive o grande prazer de participar e ser incluído e onde encontramos uma inovadora forma de fazer valer os textos/poemas por si mesmo, continua, embora lentamente, a conquistar o caminho e o espaço que um projecto destes merece (não sei é se a lusofonia "merece" esta portuguesia) em absoluto.
Um dos meus poemas seleccionados pelo Wilmar Silva, foi "Os Cílios Maternos":
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Há um animal adormecido nos pulmões
que desabrocham as sementes da fêmea.
Moviomenta-se de rastos sobre o enxofre
reduzindo a efémeros passos em declive.
Da agonia à purificação da língua
as palavras límpidas pela boca adentro.
Por entre os alvéolos os dentes ardendo
no seu silêncio indecifrável no arco cru
o corpo rasga em círculo o ventre embrionário.
................................In, Os Cílios Maternos, 2005
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.........................................Tudo vira bosta - Rita Lee

http://nocentrodoarco.blogspot.com/search/label/Poesia%20da%20l%C3%ADngua%20portuguesa
http://www.pnetliteratura.pt/cronica.asp?id=1081

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Lenda de Castidade

...........................Pina Bausch (1940-2009)
Pina Bausch

Pela primeira vez um descanso seco

o quotidiano amoroso do cansaço, em rodopios

de almas nuas com o fogo entre

as pernas vadias.

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Uma impulsão arrancada de tendões infinitos

pássaros transversais e invisíveis

explosões que ofuscam o eixo e a têmpera do sol.

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Os deuses: entranhas caindo abertas sobre vivos

e mortos (o fogo íngreme dos pés).

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E, por um instante, "falem-me de amor".

.....................................................João Rasteiro