Álvaro Alves de Faria (Brasil, 1942). Poeta, ficcionista, ensaísta e jornalista. Autor de livros como,
O Azul Irremediável (1992),
Terminal (1999-2000) e
À Noite, os Cavalos (2003). Em 2003, a editora Escrituras reuniu os seus 16 livros de poemas escritos até então, no volume
Trajetória Poética. Mais recentemente, "zangado" com a poesia brasileira e com o próprio Brasil, publicou vários livros em Portugal, nomeadamente “
20 Poemas Quase Líricos e Algumas Canções para Coimbra”, "
Poemas portugueses", “
Sete Anos de Pastor”, “
A Memória do Pai”, "
Inês" e “
O Livro de Sophia”, que será editado brevemente. Como refere: "
Portugal não influencia minha poesia. Portugal é a minha poesia de hoje. Sou um poeta português no Brasil". Talvez exagerando, ou simplesmente em grito de desespero, afirma ser hoje um “ex-poeta”no Brasil.
Álvaro Alves de Faria, possui, para além de dois prémios "Jabuti de Imprensa" da Câmara Brasileira do Livro, em 1976 e 1983, pela sua "poiesis" no meio do jornalismo cultural e do prémio Anchieta para Teatro, da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, com a peça “
Salve-se quem puder que o jardim está pegando fogo”, o Prémio da Associação Paulista de Críticos Literários, por “
Trajetória Poética”, como melhor livro do ano de 2003, o Prémio de Poesia da Academia Paulista de Letras, como melhor livro do ano de 2007, por “Babel”, e agora em 2008 foi integrado na Colecção Melhores Poemas, da Editora Global, que é o que de mais significativo existe na área da poesia no Brasil. Entre poesia, ficção, ensaio e literatura infantil possui cerca de 50 livros editados.
O
Jornal Vagalume acaba de publicar uma grande entrevista ao poeta, para a qual foram convidados diversos escritores, ensaístas, poetas, jornalistas, críticos, professores universitários, etc. Do convite que me foi feito, seguem em baixo as minhas 3 perguntas inseridas na entrevista efectuada pela poeta e escritota Cida Sepulveda - a entrevista na integra, pode ser lida em:(
http://www.jornalvagalume.com/50423.html ). No final, o poema "A pessoa certa" do livro "
O Azul Irremediável".
(...)
7 - JOÃO RASTEIRO, poeta ,Coimbra, Portugal - JR - Quando olhamos para as palavras de Fernando Pessoa, claramente percebemos que poeta e poesia se confundem na indissociável amálgama da existência. Assim, como dissecar a afirmação do Álvaro, quando nos diz com uma certa simbiose de emoção e mágoa: “Fui buscar na poesia portuguesa o que me falta no Brasil”?ÁLVARO ALVES DE FARIA:É o que sempre digo em Portugal, meu caro João. Vou a Portugal buscar a poesia que me falta no Brasil. Literariamente, mais particularmente na Poesia, o Brasil é apenas uma mancha. O que ocorre atualmente por aqui é lastimável. Com toda sinceridade, nunca vi tanta arrogância e mediocridade juntas, misturadas. O que se produz, ressalvando sempre algumas exceções, é de uma fragilidade poética que assusta. E tudo amparado por um jornalismo cultural sem compromisso com nada. Gente que não presta mesmo. Gente que não presta é o que não falta no Brasil. Na área da poesia é uma guerra de vaidades. A mediocridade se mede por aí. O país é isto que sou obrigado a engolir todos os dias. Este é um país sem sorte. Um país à deriva. O poeta e a poesia se confundem mesmo na amálgama da existência. É assim, acredito nisso. Portanto, sou assim. Não dá para mudar a esta altura da vida. E não mudaria mesmo. Voltarei sempre a Portugal, para ter a certeza de que a poesia ainda existe em algum lugar do mundo. No Brasil eu sei que isso não é mais possível.
JR - Tendo em conta a sua relação visceral com a escrita em geral e com a poesia em particular, sendo Álvaro Alves de Faria um único “corpus” – poeta e cidadão -, como encara o Álvaro a poesia dos poetas que são colocados em patamares antagónicos, quando falamos da dialéctica obra/autor e homem/cidadão, como é exemplo bastante elucidativo Ezra Pound, ou tendo como suporte a obra de Michel Foucault – “O que é um autor?”
ÁLVARO ALVES DE FARIA: Um autor é ele mesmo, se ele for honesto consigo. Sou, sim, poeta e cidadão, uma única coisa. Sou uma só coisa. Uma única coisa. Embora o cidadão seja de quinta categoria, que é o meu caso, o poeta tenta se preservar, tenta viver no seu poema, na possíbilidade que ainda lhe é possível. Ezra Pound era fascista, mas isso não se pode falar. É proibido. A patrulha está de olho. Mas era fascista. Não separo a obra do autor. O autor e a obra têm de ter a mesma dignidade. Para falar de Ezra Pound eu aconselho ouvir os concretistas. São artistas gráficos sofríveis. Não separo a obra de seu autor. Às vezes, sinceramente, até tento, caso de Borges, por exemplo. Era um ser humano desprezível, mas com uma obra grandiosa. Voltando ao final de sua pergunta: um autor é ele mesmo, se tiver, mesmo, consciência de seu papel. Fora disso, é um lixo.
JR - “A poesia não serve para nada, não se compra pão com palavras, mas não se vive sem ela. O dizer poético é a dimensão amplificada da crise do humano. Não acalma. Ao contrário, nos mostra o quanto ao vivo é muito pior”, afirma o poeta Ricardo Aleixo. Perante tal afirmação, como continuará a poesia a interagir e desafiar o poeta Álvaro Alves de Faria e como interagirá esta com este nosso mundo de crescentes “jardins”, como o silencioso Darfur, Bagdá, Gaza ou Tibete.
ÁLVARO ALVES DE FARIA: O poeta Ricardo Aleixo tem razão. O que diz é correto. Mais do que correto. Não se vive sem a palavra, embora a palavra seja assassinada todos os dias. Mas não se vive sem ela. Eu costumo ficar 72 horas sem falar nada, mas as palavras existem dentro de mim. Falo por mímica com as pessoas. É o melhor. A poesia é mesmo um desafio. Ser poeta, especialmente no Brasil, é estar numa trincheira 24 horas por dia tentando não ser morto por ninguém. Embora a poesia mate o poeta a cada minuto da vida. “O dizer poético é a dimensão amplificada da crise do humano”, diz Ricardo Aleixo, com razão. Digo mais: a crise do ser humano não tem mais tamanho. É o todo. É o tudo. É o tido. É o que ainda resta. A poesia é só o pequeno alento ainda possível. É a faca que corta fundo e dilacera também. A poesia é o que machuca mais. Não é para amadores, muito menos aventureiros. E de amadores e aventureiros poetas o Brasil está cheio. A gente tropeça neles. E viver nesse mundo com os “jardins” a que você se refere é uma tortura diária, é a ferida que não fecha, é o grito que não cala. Mas, antes de tudo, é preciso viver. Não se trata de uma frase poética, não. É preciso, apesar de tudo. Apesar do mundo.
(...)
.
[A PESSOA CERTA]
A pessoa certa atravessa
a rua com seu terno branco
gravata de seda italiana.
A pessoa certa
executiva de si mesma
atravessa a praça
com sapatos pretos
meias de náilon norte-americanas.
A pessoa certa entra no prédio
recolhe dinheiro
cola na pasta
pega o elevador.
A pessoa certa
atravessa o hall
chega à porta giratória.
A pessoa certa
põe o pé na calçada
e cai fulminada
sem saber por quê.
In, O Azul Irremediável (1992)