sábado, 25 de setembro de 2010

"O DURADOURO do EFÉMERO"


O poeta Albano Martins completou recentemente 80 Primaveras (em 24 de Julho), e na altura que celebra 60 anos de vida literária, viu editada a antologia que reúne toda a sua poesia: As Escarpas do dia - (poesia 1950-2010), com a chancela das Edições Afrontamento.
Albano Martins tem tido a gentileza de manter comigo um relação bastante generosa (aliás, dentro de alguns dias, darei algumas notícias/novidades que confirmarão tal facto).
Assim, mais do que colocar aqui algum poema seu (colocarei no fim deste post alguns links que remeterão para a sua poesia, biografia, entrevista, análise à sua obra, etc,), coloco um poeema em sua homenagem, poema esse que intitulei de "Poema Verde".


Poema Verde
.............Ao Albano Martins
I

Nada já há a pronunciar em tua defesa
sob o viço das oliveiras. Enterra o teu segredo
num verbo apócrifo e gentio.
Oculta-o de perfil por entre a língua
que nunca possuíste na boca. Agasalha-o inteiro
até clarear o musgo na fissura do chão.
Preserva-o como se só a voz queime intacta
o sulco de uma lua de enxofre.

...................Ó ser,
cujas alegorias foram as sombras aprazíveis
do ígneo clarão. Como é verde a raiz duma planta
que secou, o mecanismo afectuoso da barbárie
e o curso trémulo do peregrino.
Entre o odor da terra e o calor difuso do coração,
a chuva ancorada sobre a flor de lótus
equilibrando-se corpo virado para as fogueiras
da água que pugna a seiva.

II

Há-de o tempo perpetuar aquela farsa arquitectónica
de um poema perfeito. Pois ermas estão as águas,
a divina força de sua granítica soberania
em nossas condenadas elegias.
Parece um lugar para amar no escuro, o indistinto
e primordial eco do anjo no Inverno?

...................Tu, poeta,
que deslindaste perplexo que há lodo sob as algas,
sob a pele, como uma vã condenação.
Na verdura da sílaba, em ti, qualquer crença nua
no oficio de romeiro, íntima
na sede mais forte dos líquidos, no pranto do sol,
poderá subsistir ao ensejo dos aguaceiros.
Tu, que não perduras no cântico mágico do poema,
mas tão só ciciado nas múltiplas máscaras
do tempo anterior ao acasalamento dos besouros.

III

Em cada árvore depois do fogo, o poema
regressa nu e a morte verde, a lágrima
corre como se uma enxurrada tolhesse as palavras
em homem e bicho, em água e sangue, em eco e cântico,
em borboleta e mariposa. Para sepultar os prados.
Falo do inexplicável sopro. Aí, tudo permanece.
E tudo é teu. Tu és o sangue, o verão e a pedra sagrada.
O poema é verde. Sinto-lhe o odor materno.
.............................................................João Rasteiro
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http://www.cnc.pt/Artigo.aspx?ID=738

http://poesiaseprosas.no.sapo.pt/albano_martins/poetas_albanomartins01.htm

http://comlivros-teresa.blogspot.com/2009/10/entrevista-albano-martins.html

http://pt.wikipedia.org/wiki/Albano_Dias_Martins

domingo, 19 de setembro de 2010

HABITAR A POSSIBILIDADE!

Foi recentemente editado um dos mais esperados livros, para mim, de poesia (Cem Poemas), não só por ser um livro de uma das mais extraordinárias "poetas" que já li/lemos, Emily Dickinson, mas também por ter sido organizado e traduzido  por uma excelente poeta, Ana Luísa Amaral, que sobre Dickinson afirma: «Emily Dickinson é a poeta mais fascinante que conheço. O não ter praticamente publicado em vida autorizou sucessivas e revistas edições dos seus versos, espalhando a polémica entre críticos e organizadores. O ter incluído poemas em cartas, o ter falado da poesia como carta e trazido para o corpo das cartas o ritmo, a rima e a música da poesia fez com que dos seus textos uma poeta mais recente escrevesse: “os poemas chamar-se-ão cartas e as cartas chamar-se-ão poemas”. A sua linguagem poética, ao mesmo tempo metafórica e elíptica, sincopada e oblíqua, sem muitas vezes concordância de formas verbais, nem respeito por plurais ou regras de gramática, deixou espaço a que dela se acentuasse o excessivo ofício com a gramática ou se falasse até de uma gramática própria. O seu uso recorrente de travessões, que fragmentam e questionam o verso, permitiu que deles se dissesse serem formas de dispersão da unidade discursiva, ou, sexualizados, uma espécie de hímen-hifen. Tudo isto me fascina em Emily Dickinson. E mais ainda: o ter falado de tudo, misturando Deus com ladrões, aranhas com vassouras, alma com vulcões, sonho com abelhas, gerânios, piscos e trevos; ou o ter examinado a morte e a vida, explorado o amor e o inferno, o êxtase, a mais pura alegria, o sofrimento, a misteriosa energia das coisas todas do universo. Ainda o tê-lo feito numa voz de mulher, aparentemente submissa, de facto poderosa. “Habito a Possibilidade - / Uma Casa mais bela do que a Prosa –“, escreveu. Depois disto, que melhor definição de poesia?» - (Poesia & Lda).

I
Habito na Possibilidade —

Uma Casa mais bela do que a Prosa —
Em Janelas mais numerosa —
Em Portas — superior —


De Quartos como Cedros —
Impregnáveis ao Olhar —
E por Telhado Duradouro
Os Telhados do Céu —


De Visitantes — a mais bela —
Isto — para a Ocupar —
O abrir largo as minhas Mãos estreitas
Para colher o Paraíso —

II
Diz toda a Verdade mas di-la oblíqua —

O Êxito reside no Circuito
Brilhante por demais para nosso enfermo Deleite
A suprema surpresa da Verdade
Como Relâmpago às Crianças oferecido
Num brando explicar
Deve a Verdade aos poucos deslumbrar
Ou cego qualquer um —
.
In Cem Poemas, de Emily Dickinson,
tradução de Ana Luísa Amaral, Relógio d'Água, 2010
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http://www.arlindo-correia.com/180700.html

http://www.algumapoesia.com.br/poesia/poesianet067.htm

http://www.citador.pt/poemas.php?poemas=Emily_Dickinson&op=7&author=202

http://pt.wikipedia.org/wiki/Emily_Dickinson

http://www.biographyonline.net/poets/emily_dickinson.html

domingo, 12 de setembro de 2010

LUGAR(ES)

"Esquilino"

I


Os poemas virão inclusos
quando vier o orvalho,
chegarão antes do pecado.

II


O seu domínio é infinito,
longa é a garganta do medo
cego o coração do sussurro!

III

Uma boca deixo, ao dilúvio:
direi um segredo de bronze,
a nocturna borboleta chega.

IV

No princípio era a doçura
e a palavra ousou a lascívia.
Por esta se fará todo o flagício.

V

É o solstício sob as unhas.
A água separa-nos da sede,
não é só o que a boca refresca.

VI

Quando saboreei a carne
ia saborear a terra – aves
e Vénus vagueiam acesas.

VII

Em sua volúvel gestação
que seria do útero vazio
sem a caligrafia pestilenta?
........................João Rasteiro
In, A Divina Pestilência
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P:S: Agora uma música de alguém que nos últimos tempos... é até riscar o CD!!!
LENINE - O Atirador

domingo, 5 de setembro de 2010

RAÍZES de MAR

O poeta brasileiro Álvaro Alves de Faria, ou melhor dizendo, "brasileiroportuguês", que ainda muito recentemente lançou em São Paulo, o livro  "Alma Gentil Raízes", onde reúne todos os seus livros de poesia editados em Portugal, apresentará no próximo dia 09 de Setembro pelas 18h30, no TAGV - Teatro Académico de Gil Vicente em Coimbra, os livros “Este gosto de sal – Mar português”, poesia, e “Cartas de Abril para Júlia”, novela. A apresentação será feita pela Dra. Graça Capinha e contará ainda com a presença da Oficina de Poesia da FLUC.
Estas obras serão apresentadas também em Lisboa no dia 11 de Setembro, no Auditório do Campo Grande.
Álvaro Alves de Faria, mantém há bastantes anos uma persistente busca de suas raízes portuguesas (é descendente de pais portugueses e possui bastante família no norte de Portugal), como ele afirmou recentemente, "Saio (para Portugal) mais uma vez busca de mim". É essa persistente busca de si, que impregnou de forma avassaladora Álvaro Alves de Faria de uma afinidade a Portugal (e de certa forma, de forma muito especial a Coimbra) de uma sensibilidade que só uma "alma gentil" portuguesa poderia conter. Por isso é hoje apelidado de ser o "mais português dos poetas brasileiros".
Álvaro Alves de Faria é detentor de uma obra já bastante importante, que passa essencialmente pela poesia, mas também pelo romance, novela, teatro, ensaios, crítica literária, jornalismo cultural, etc, possuindo um considerável número de prémios, entre eles dois Prémios Jabuti, Prémio Anchieta (teatro), três vezes o Prémio Especial da Associação Paulista de Críticos de Arte – APCA, etc.
Toda esta busca, todo este gosto de sal de mar português, fez com que em Junho deste ano tenha sido homenageado pelo Conselho da Comunidade Luso-Brasileira do Estado de São Paulo, cerimónia que integrou as comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.
Assim, não só pelo autor e especialmente pela obra, mas sobretudo pelo homem, pela sua sensibilidade e carácter perante as injustiças do mundo, a ida nos dias 9 e 11, respectivamente ao TAGV, Coimbra e Auditório do Campo Grande, Lisboa, será um momento deveras enriquecedor - não só para os presentes, mas também para o próprio Álvaro.
Um pequeno poema de um seu livro "português", de 2006.

5.


Sempre que me vejo ao final das tardes
saltam-me da boca aves feridas
como se fosse assim me conduzir ausente
entre aldeias longínquas
por dentro de igrejas
em pequenas ruas de pedra.
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Assalta-me o que de mim foi esquecido
como se assim me fosse possível
encontrar o que de mim
está definitivamente perdido.
Á. A. de F. - “A memória do pai”. Coimbra, 2006
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E em abraço de amizade enviado aqui de Coimbra ao Álvaro, esta música ("Flor de Verde Pinho" - letra de Manuel Alegre, música de José Niza e a voz extraordinária de Carlos do Carmo) que sei que o vai emocionar bastante, como sempre aconteçe.
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http://www.alvaroalves.moonfruit.com/#

http://blogs.jovempan.uol.com.br/poeta/

http://www.revista.agulha.nom.br/aalves.html