(POESIA,LITERATURA e a CULTURA em geral)»»»»»»»»»»»»»»»»
"Só existe o tempo único.
Só existe o Deus único.
Só existe a promessa única,
e da sua chama
e das margens da página todos se incendeiam.
Só existe a página única,
o resto fica,
em cinzas. Só existem
o continente único, o mar único –
entrando pelas fendas, batendo, rebentando
correndo de lado a lado".
__________ Robert Duncan
.tudo se transmutou no equilíbrio do caos. o mundo acordou sob a vigilância dos modernos alfabetos envoltos num alvéolo de fosforescente metal. e uma recente e definitiva espécie de criaturas que se distanciam dos sonhos da sílaba mística irrompe das galáxias prenhes da lógica dos algarismos. e são empoadas de extraordinárias preeminências biológicas relativamente aos primitivos organismos com coração e lágrimas. agora o pó envolve em espirais de névoa a aniquilada estátua de adriano. a partir dos seus olhos os besouros-do-fumo procuram a visibilidade da cidade. o escaravelho sagrado. aí se bifurca o novo dialecto dos heróis. a profecia dos poetas eclodiu como castigo etéreo.
JOÃO RASTEIRO - In, DIACRÍTICO (Inédito - a publicar em 2010)
Pela 10º e última vez, a publicação dos poetas, pela ordem de inclusão na revista, que incluí na antologia de poesia portuguesa que recentemente organizei para a revista Colombiana ARQUITRAVE (http://www.arquitrave.com/principal.html), hoje, a poeta referenciada, como habitualmente, com dois dos poemas escolhidos para a antologia, juntamente com a respectiva análise critica à sua poesia e que integra o ensaio de introdução da antologia "A Poesia Portuguesa Hoje", é a poeta Catarina Nunes de Almeida:
"(...)a poesia de Catarina Nunes de Almeida, que de alguma forma se situará próxima de uma poesia de forte carga imagética, reflecte o fascínio pela poesia oriental. Nota-se nela um esforço de transparência e simplicidade que a aproxima do género de haikai, numa relação mulher-natureza, sempre mais evocada do que contemplada. Sente-se o objectivo de transmitir “sentimentos”, de alguma forma contraditórios, entre o real e o metafísico, através de um jogo de palavras “especiais”, um jogo assente em termos que são essencialmente da botânica". -João Rasteiro
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Solo
Um dia os nossos gestos serão verdes. Dormiremos aos pés da terra nas nossas bocas só os pés da terra e a folhagem em vez dos meus braços. Basta um grão de pó na unha a noite dedilhada no centro do poro para que eu estenda os seios no deserto depois da vindima. Entre a pele e as espigas já não restam reticências – apenas uma escama com que agasalho o mundo.
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Fusão
I Quando as amoras estão maduras a menstruação corre no vale vinda do teu lado. A noite é uma ponte deitada sobre as margens da cintura: lugares de xisto onde repousam sombras de animais. II Por vezes os seios crescem-me no teu peito. Os dias vêm quando vêm os teus lábios maçã que mordo entre as pernas. Todo o nosso corpo é flor mútua escultura que brotou do mesmo chão imperfeita.
Pela nona vez, a publicação dos poetas, pela ordem de inclusão na revista, que incluí na antologia de poesia portuguesa que recentemente organizei para a revista Colombiana ARQUITRAVE (http://www.arquitrave.com/principal.html), hoje, a poeta referenciada, como habitualmente, com dois dos poemas escolhidos para a antologia, juntamente com a respectiva análise critica à sua poesia e que integra o ensaio de introdução da antologia "A Poesia Portuguesa Hoje", é a poeta Filipa Leal:
" (...)é uma poesia luminosa e em certa medida inumana. Como referiu Eduardo Prado Coelho, ela demarca-se de grande parte da poesia portuguesa que actualmente se vai escrevendo, uma vez que não cultiva “as memórias esparsas, o lirismo difuso, uma certa vulnerabilidade”. Depois das primeiras poesias, de cariz mais confessional, Filipa Leal apresenta agora uma poética mais madura, numa carga simbólica grandiosa na sua relação com a cidade, a natureza, o mundo, que se tornam o quotidiano e a própria pessoa. Ela se estrutura e alimenta com sugestões insistentes de oralidade e um jogo muito sóbrio no uso da metáfora, apresentando-nos uma distorção permanente do uso habitual das frases. E é precisamente essa concisão irradiante das frases que nos deslumbra e arrasta para o poema". -João Rasteiro
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A CIDADE ESQUECIDA Para o António. Ela disse: Sou uma cidade esquecida. Ele disse: Sou um rio. Ficaram em silêncio à janela cada um à sua janela olhando a sua cidade, o seu rio. Ela disse: Não sou exactamente uma cidade. Uma cidade é diferente de uma cidade esquecida. Ele disse: Sou um rio exacto. Agora na varanda cada um na sua varanda pedindo: Um pouco de ar entre nós. Ela disse: Escrevo palavras nos muros que pensam em ti. Ele disse: Eu corro. De telefone preso entre o rosto e o ombro para que ao menos se libertassem as mãos cada um com as suas mãos libertas. Ela temeu o adeus, disse: Sou uma cidade esquecida. Ele riu.
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LINHA FONÉTICA Era uma linha fonética no vidro. Linha como árvore obsessiva deste livro, como linha verdadeira, como página que se organiza por causa dela. Linha que não era de comboio, linha sem agulhas penduradas, sem linha da mão, sem linha de gente do outro lado da linha, de gente que quer manter a linha. Linha fria de transparência, fria de vidro, de janela deitada, de tentativa de poema. Linha sem o branco da noite nos outros, sem o pó da noite nos outros. Assim era a minha linha: linha realmente fonética, absolutamente inalterável.
No sábado passado, 05/12/2009, na Casa das Rosas - Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura, em São Paulo ( que abriga também a primeira biblioteca do país especializada em poesia), foi lançada a obra "O que é poesia?", organizada pelo poeta Edson Cruz e da responsabilidade das editoras, Confraria do Vento e Calibán. A obra integra 45 relevantes poetas brasileiros, portugueses (eu, simplesmente me sinto honrado em integrar este magnífico conjunto de poetas) e hispano-americanos em atuação respondendo a essa pergunta simples, mas nem de longe simplória. Surgido como uma provocação em seu blog (SAMBAQUIS), onde Edson Cruz propunha ainda duas outras perguntas (sobre o que um iniciante deveria perseguir e quais textos e autores lhe eram referenciais), o questionário resultou na seleção deste livro que, além de um calidoscópio reflexivo do fazer poético, revela-se um documento vivo do panorama literário contemporâneo, propiciando, inclusive, alguns raríssimos encontros para uma mesma edição. . Eis os autores nesta edição: Ademir Assunção, Affonso Romano de Sant'Anna, Amador Ribeiro Neto, Ana Elisa Ribeiro, André Vallias, Aníbal Beça, Antonio Cicero, Augusto de Campos, Bárbara Lia, Carlito Azevedo, Carlos Felipe Moisés, Claudio Daniel, Claudio Willer, Eunice Arruda, Fabiano Calixto, Felipe Fortuna, Flávia Rocha, Floriano Martins, Frederico Barbosa, Glauco Mattoso, Horácio Costa, Jair Cortés, João Miguel Henriques, João Rasteiro, Jorge Rivelli, Jorge Tufic, José Kozer, Luis Serguilha, Luiz Roberto Guedes, Marcelo Ariel, Márcio-André, Marcos Siscar, Micheliny Verunschk, Nicolas Behr, Nicolau Saião, Ricardo Aleixo,Ricardo Corona, Ricardo Silvestrin, Rodolfo Häsler, Rodrigo Petrônio, Sebastião Nunes, Tavinho Paes, Victor Paes, Virna Teixeira, Washington Benavides.
No final do post, alguns links que remetem para este evento e respectivo lançamento.
Pela oitava vez, a publicação dos poetas, pela ordem de inclusão na revista, que incluí na antologia de poesia portuguesa que organizei recentemente para a revista Colombiana ARQUITRAVE (http://www.arquitrave.com/principal.html), hoje, o poeta referenciado, como habitualmente, com dois dos poemas escolhidos para a antologia, juntamente com a respectiva análise critica à sua poesia e que integra o ensaio de introdução da antologia "A Poesia Portuguesa Hoje", é o poeta José Rui Teixeira:
(...)cultiva cada vez mais uma poesia imagética e discursiva, alicerçada na relação do sujeito com o sobrenatural. Como já referiu o próprio poeta, a sua poesia é um lugar habitado por aparições oníricas e fantasmáticas, como memórias difusas, como narrativas subterrâneas ou luminosas, em que Deus paira como na superfície das águas (…), uma poesia neo-simbolista, mitológica e idiossincrática. Uma poesia onde o jogo imagético emerge sempre num presente absoluto que questiona a existência e a transitoriedade da vida. Como refere Pedro Sena-Lino, uma poética com um olhar consciente da transitoriedade do corpo (…), da mecânica do ser e da sua lógica profunda".-João Rasteiro
Os que vão morrer misturam barro com limalhas e adoecem. O sémen escorre do interior das mulheres como se não houvesse promessa ou manhã nos corpos caídos. Os que vão morrer adormecem como se a terra lhes pesasse desmesuradamente sobre a carne, como se insectos lhes devorassem as entranhas. E morrem por amor, creio.
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Os velhos esperam os filhos dos filhos ao meio dia como se esmagassem a força dos dedos contra as carótidas e não houvesse tempo de vê-los crescer. Atravesso a rua ao meio dia. Oráculo do Senhor. E estremeço com o olhar lânguido da adolescente que madura o útero na opacidade comovida da sua juventude. Repito: o coração é um órgão incendiado. Mas tu disseste-me: não despertes o que dorme, não agites as águas paradas; encontrarás Deus nas margens do grande rio.
O INFANTE . Deus quere, o homem sonha, a obra nasce. Deus quiz que a terra fosse toda uma, Que o mar unisse, já não separasse. Sagrou-te, e foste desvendando a espuma, E a orla branca foi de ilha em continente, Clareou, correndo, até ao fim do mundo, E viu-se a terra inteira, de repente, Surgir, redonda, do azul profundo. Quem te sagrou creou-te portuguez. Do mar e nós em ti nos deu signal. Cumpriu-se o Mar, e o Imperio se desfez. Senhor, falta cumprir-se Portugal! .................................Fernando Pessoa In, "Mensagem", 10/12/1934, Editora Parceria A. M. Pereira .
Continuando a persistir na publicação dos poetas (7º), pela ordem de inserção na revista, que incluí na antologia de poesia portuguesa que organizei recentemente para a revista Colombiana ARQUITRAVE (http://www.arquitrave.com/principal.html), hoje, o poeta referenciado, como habitualmente, com dois dos poemas escolhidos para a antologia, juntamente com a respectiva análise critica à sua poesia e que integra o ensaio de introdução da antologia "A Poesia Portuguesa Hoje", é o poeta José Luís Peixoto:
(...)cuja poética não é muito fácil de situar, embora com algumas aproximações a uma poesia do quotidiano, vamos encontrar uma poesia que possui uma espécie de força que éuma espécie de fraqueza, e uma espécie de fraqueza que é uma espécie de força, não sendo uma poesia que cultive uma forte imagética, mas sim, uma poética que se alimenta de narrativas do dia-a-dia (por vezes é possível encontrar alguma redundância) e da memória. Uma poesia melancólica, quase totalmente despida de esperança, onde os versos roçam a realidade da morte, do amor, da vida, da não vida, do estar estando e do estar sem permanecer. Apontando para um neo-realismo tardio, é uma poesia que procura afincadamente a descrição da realidade de quem se quer livrar dos destinos traçados. Poesia que roça por vezes a prosa, num diálogo permanente com o seu mundo". -João Rasteiro
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EXPLICAÇÃO DA ETERNIDADE
devagar, o tempo transforma tudo em tempo. o ódio transforma-se em tempo, o amor transforma-se em tempo, a dor transforma-se em tempo.
os assuntos que julgámos mais profundos, mais impossíveis, mais permanentes e imutáveis, transformam-se devagar em tempo.
por si só, o tempo não é nada. a idade de nada é nada. a eternidade não existe. no entanto, a eternidade existe.
os instantes dos teus olhos parados sobre mim eram eternos. os instantes do teu sorriso eram eternos. os instantes do teu corpo de luz eram eternos. foste eterna até ao fim.
LIMPAR O PÓ
Como se ontem e os dias antes de ontem se tivessem desfeito sobre as prateleiras,
como se pudéssemos escrever palavras nas suas cinzas com a ponta do dedo,
como se bastasse soprar para vermos as suas imagens, de novo, numa nuvem.
................BRUNO PRADO . QUANDO não há: cala! nem palavra, nem grafia a mais pura víscera de poesia — sangue pelo tato; embalo — a vida estrita é escrita pelo faro .
A PEDRA BRUTA — atirei-a contra ti uma floripedra; cego, as mãos de flamas; furibundo a língua árida, irosa sem aromas, só espinhos — a fuga, périplo de flores o amor, na beleza e brutalidade .
COLAPSO — uma cidade perdida; a minha fala a miséria do dito pelo fato — resta a fúria; o definitivo embate — quite com o tempo, entre rito e nada reergo a fio, o instinto, a navalha precipita-se o sangue; o plural da face — de fato o que nos difere, seres, de mortos é a carne .................In, FRATURAS
Avançando com a publicação dos poetas (6º), pela ordem de inserção na revista, que incluí na antologia de poesia portuguesa que organizei recentemente para a revista Colombiana ARQUITRAVE (http://www.arquitrave.com/principal.html), hoje o poeta referenciado, como habitualmente, com dois dos poemas escolhidos para a antologia, conjuntamente com a respectiva análise critica à sua poesia e que integra o ensaio de introdução da antologia "A Poesia Portuguesa Hoje", é o poeta valter hugo mãe:
(...)"uma poética que de alguma forma se evidencia pela originalidade, em relação a outras poéticas da década de 90. É uma poesia onde sobressai o cuidado colocado em cada palavra, que permite um pleno domínio do poema que se adensa em múltiplos sentidos. Nesta poesia redescobre-se o gosto pelo belo enquanto grotesco. Por vezes, um metaforismo “grotesco” serve de suporte a uma poesia arabesca. Uma poesia de verso contido e lapidar, quase sempre à direita da página e que é um fruto maduro e arrebatador. Como refere Eduardo Pitta, a dimensão conotativa afasta valter hugo mãe de outros novíssimos: nem melancolia programática, nem misticismo (malgré Deus), nem excesso de complacência".-João Rasteiro
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dois.
. se te cansares de mim, não me peças que chore. deixa-me secar lentamente como pelo tempo, mais me custará, porque mais lento verterei a alma para a morte. no entanto, dá-me esperança de que não partirás, aguardo-te muito quieto, muito quieto para não atrapalhar os teus planos como quem não quer assustar a caça. mas sou a presa, eu sei que sou a presa. e tu podes vir reclamar-me o couro com toda a violência, já não me importo
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cinco.
. deixei sobre a mesa o dinheiro
que necessitas para o dia. espero que te
sirva para o almoço e para qualquer
coisa ao lanche. desculpa. amanhã, como
é domingo, venderei os pães na igreja,
quem sabe me dará deus valor suficiente
para manter o amor. se amanhã houver
mais dinheiro, mais um pouco que seja,
compro o teu prato, os teus talheres,
um copo onde te sirva a água simples.
volta cedo, peço-te, volta cedo, como
não sei nada sobre decisões divinas
quero só não perder-te em tempo
além do impossível. vem comigo ver
o que é feito dos gatos que deitamos ao
campo. achas que estarão gordos ou
terão morrido. eu acho que estão gordos,
se deus quiser
.....................................v. h. m.
....................AMÁLIA(10 anos de saudade)-Gaivota
Na juba da boca quando as palavras não forem senão a saliva das larvas há um excesso de língua atravessada na sombra adolescente de Yanis Ritsos,
no espaço onde a reminiscência é avidez no sulco mais longínquo da lascívia alma minha gentil dos espectros viçosos és a fonte derradeira dos anjos e suplicas:
arrebatam-me de júbilo a íris das abelhas irrompam-me o coração por bilhas vivas brotem-me as profundas raízes siderais.
Há um desejo infundido de livros prenhes jorrando o hipnótico sopro das geografias sob um céu diluído pela abertura de um deus
e as vozes murcharão de paixão pelos ferrões espinhadas pela garganta das crianças nuas.
As construtoras ainda ejacularão o puro mel fendendo altivas sobre a pele o incesto dos lírios. ................................................João Rasteiro
Continuando a publicação dos poetas, pela ordem de inserção na revista, que inclui na antologia de poesia portuguesa que organizei recentemente para a revista Colombiana ARQUITRAVE (http://www.arquitrave.com/principal.html), hoje o poeta referenciado, como habitualmente, com dois dos poemas seleccionados para a antologia, conjuntamente com a respectiva análise critica à sua poesia e que integra o ensaio de introdução da antologia "A Poesia Portuguesa Hoje", é o poeta Daniel Faria: "(...)é, sem dúvida, para a generalidade da crítica, a voz mais importante da “nova poesia portuguesa” surgida na década de 90 e que se afasta de alguma forma dos cânones até aí vigentes, apesar das influências de uma Luiza Neto Jorge e especialmente de Herberto Helder, e que flui torrencialmente, não só, como uma experiência mística, mas como uma mecânica de escrita depurada e em que a metáfora é o corpo de deus ou da natureza, numa consistente prática de questionamento da linguagem. Poesia intimamente interligada com o texto bíblico, concebe e pratica o lirismo da palavra como exegese da elevação do ser humano acima de si. Como refere Luís Adriano Carlos, Daniel Faria, como qualquer grande poeta da modernidade romântica em que vivemos, procura pela exaltação estética uma via de acesso à exaltação do sagrado e ao reino do espírito. É uma poesia de grande beleza e maturidade que representa uma geração". - João Rasteiro . As mulheres aspiram a casa para dentro dos pulmões
As mulheres aspiram a casa para dentro dos pulmões E muitas transformam-se em árvores cheias de ninhos - digo, As mulheres - ainda que as casas apresentem os telhados inclinados Ao peso dos pássaros que se abrigam.
É à janela dos filhos que as mulheres respiram Sentadas nos degraus olhando para eles e muitas Transformam-se em escadas
Muitas mulheres transformam-se em paisagens Em árvores cheias de crianças trepando que se penduram Nos ramos - no pescoço das mães - ainda que as árvores irradiem Cheias de rebentos
As mulheres aspiram para dentro E geram continuamente. Transformam-se em pomares. Elas arrumam a casa Elas põem a mesa Ao redor do coração. . As manhãs Das manhãs
Apenas levarei a tua voz
Despovoada
Sem promessas sem barcos E sem casas
Não levarei o orvalho das ameias Não levarei o pulso das ramadas
Da tua voz
Levarei os sítios das mimosas Apenas os sítios das mimosas
As pedras As nuvens O teu canto
Levarei manhãs E madrugadas. ..................................D. F. .................AMÁLIA(10 anos de saudade)-Estranha forma de vida
E tudo ocorre na melancolia da sílaba, o casulo emergindo nas talhas. Inquieta sofre a gestação no caule dos rebentos. O gesto do corpo no linho que se alinha à mutação. Rota, sopro, sístole ou máscara onde bardos fecundam a sazão da ebriedade. E entra nas vozes, nos hortos, algures no inabitado onde gravitam tâmaras. Melífaga ironia das fábulas, a palavra mastiga a água adubada ser bardo é tocar o fogo é estar no correr das águas a tempestade. Os naufrágios são sublimes sentimo-nos tão acesos entre as ilhas das palavras obscuras, acreditas? O espectro desatando-se sílaba que afeiçoa às matizes do espanto cheio de luz. Então nu. ...............................João Rasteiro ..................................................Neil Young-Old Man
Progredindo com a publicação dos poetas, pela ordem de inserção na revista, que inclui na antologia de poesia portuguesa que organizei recentemente para a revista Colombiana ARQUITRAVE (http://www.arquitrave.com/principal.html), hoje o poeta referenciado, como habitualmente, com dois poemas seleccionados para a antologia, conjuntamente com a respectiva análise critica à sua poesia, que integra o ensaio de introdução da antologia "A Poesia Portuguesa Hoje", é o poeta Luís Quintais:
"(...) entre os poetas da “sua geração” Luís Quintais é, talvez, o que se mostra pela poética mais alusiva e referencial. É uma poética que se pode situar nos intervalos encantatórios do quotidiano e da imagética. Poesia culta, reflexiva e filosófica, denotando um percurso urbano e o olhar maduro de um etnógrafo à procura do significativo. É uma escrita que normalmente parte do real para a sua transfiguração. Existe em Luís Quintais a perfeita consciência de que a poesia está, obrigatoriamente, dentro da própria linguagem." - João Rasteiro
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I
O estrépito que o passado faz. As palavras gritadas. A terrível máquina de dizer e calar. Tudo gira no nada e no nada se compraz. Uma fúria ergue-se no plasma. Uma cidade é destruída. Escuta os muros que se abatem. Desenha árvores, o rápido deslizar de nuvens, o desenho que a mão faz quando teme agarrar o sentido, e o sentido é escuro, escuro.
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III
O rio escurecia e depois aclarava e depois escurecia. As árvores gravitavam nas margens da tua memória, faziam correr estilos de morte e promessa. As personagens do inscrevível seriam afinal mais monstruosas do que se suspeitara, e os insectos emudeciam enquanto o outono regurgitava as suas vítimas.
E tu, tu? E tu fazias abolir o sentido para fazer eclodir de novo o novo sentido. E tu procuravas entre despojos um aro de bicicleta partido, um casaco com bolsos que dessem para o improvável, um qualquer outro achado preso à cega geometria e à circunstância do procurar.
Passava os dias a dar nós em cordéis para desfazer os nós a seguir não tinha ninguém para a aplaudir nem esperava Ulisses mas continuava aquilo não era um passatempo os cordéis sem nós serviam para desfazer os nós enquanto os embrulhos trouxeram cordéis as sobrinhas não estranharam mas quando os cordéis se tornaram raros lembraram-se de que ela na juventude fora capaz de seguir cinco conversas diferentes ao mesmo tempo como Napoleão era capaz de ditar dez cartas diferentes ao mesmo tempo só que a guerra e os bailes no consulado tinham acabado antes que ela se tornasse uma grande espia as sobrinhas convidavam forasteiros e faziam cinco conversas diferentes ao mesmo tempo para a distraírem dos cordéis mas os cordéis absorviam-na nenhuma conversa lhe importava as sobrinhas deitaram os cordéis fora irritadas com aquela obstinação ela passou a arrancar cabelos e desfazer os nós dos cabelos exige mais perícia do que desfazer os nós dos cordéis se fosse uma questão de vida ou de morte seria como despoletar granadas assim ela só podia perguntar o que é mais fino do que um cabelo para eu lhe poder dar nós? Adília Lopes- In, Assírio & Alvim, 688pg., 2009
SITIADOS(1 ano de saudade do João Aguardela): A Noite
Prosseguindo com a publicação dos poetas, pela ordem de inclusão na revista, que inclui na antologia de poesia portuguesa que organizei para a revista Colombiana ARQUITRAVE (http://www.arquitrave.com/principal.html), hoje o poeta referenciado, com dois poemas seleccionados para a antologia, juntamente com a respectiva análise critica à sua poesia, que integra o ensaio de introdução da antologia "A Poesia Portuguesa Hoje", é Rui Pires Cabral:
" (...)as coordenadas da sua poética estão metodicamente traçadas. A memória dos lugares, das vozes, das situações, por vezes um certo desassossego existencial, o exercício da poesia como um treino de morrer e de se estar morto, dando-se à poesia, tal como Sócrates se dedicava à filosofia. Não sendo uma poesia propriamente reflexiva, em Rui Pires Cabral, ela é mais uma poesia do presente inquirido pelo vivido, mas suportado por um pendor melancólico que se suspende antes do abismo e que vive de uma tensão entre a elipse do que se rasura pensadamente, as sensações e a mestria da mão contendo o acúmulo do lirismo." - João Rasteiro
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MARLBOROUGH DRIVE
Se pudermos estar felizes não será mais bela a voz do trompetista de Oklahoma? Oh, there’s a lull in my life. Sim, o amor é triste e o mundo é árduo e nunca nos serviu como convinha. Mas nas cercanias da vila, no Volkswagen em segunda mão, vê como resplandecem os vidros de Marlborough Drive ao entardecer! Uma ambição sentimental
à nossa pequena escala, prados entre castanheiros, duas onças de tabaco de enrolar. Que importa que tudo rode para um fim e que a nossa verdadeira condição seja morrer um pouco mais a cada instante? A pele reconhece estas canções, sabe que é Junho, conhece a estrada que devemos escolher. A pele é sábia. Por uma vez, que valha a pena morrer.
SENHORES PASSAGEIROS
Alguns rapazes avançam mais depressa para a morte, mas todos se debatem com a vida que lhes resta. Às voltas no cimento das cidades, entre a estrangulada circulação dos veículos, segredam ao ouvido de um deus surdo: concede-me um novo amor igual ao dos meus irmãos. Entretanto são mais as raparigas que não lêem livros no venenoso relento das estações ferroviárias, chupam rebuçados de menta com fel, suavemente inclinam a cabeça para ouvir: senhores passageiros vai dar início à sua marcha o comboio com destino a Santa Apolónia da escuridão.
1. Morreu meu país de sol. A sua própria geometria. Oblíqua. Prostrada e nua. Sobre a rotação dos sonhos que se resgatam. Todas as noites sua ausência se repete unívoca com sua minúcia celeste no corpo amplo da neve que anseia a lágrima. Eu questiono, mais do que a ausência e mais do que desbaratar o assombro do assombro nas margens do vento, a luz tem agora a idade do mundo bebendo o silêncio, a escuridão dobrada para si em esplêndida violência. O medo de ansiar reinventar as ínfimas raízes do sol em seu regaço – assim, o que será a morte da fantasia?
2. Questiono-te, meu país: o que será a morte da fantasia, a clara hegemonia dos corações tristes sob os gritos das aves, encontraste o precipício que procuraste em teu perplexo e altivo desvario? Encontraste a desumana melancolia da concisão das águas nas virilhas do remorso de Abril ou repousas suspenso e gemes sobre o solstício da boca atulhada em sangue primordial, o verbo imperceptível ao poema, o nevoeiro que arqueja ainda em Alcácer Quibir? Onde se perdem as crias da gestação mais dura, do total desamor dos seres que concebiam as vozes puras das vísceras fecundas, uma cobra de cabeça cristalina desposa os quadris oprimidos e aspergidos de um país ausente, que já não impulsiona o impetuoso encantamento da utopia, os sonhos acesos dentro do tempo?
3. Questiono-te, meu país: agora, se algumas coisas são os mortos aprisionados nas estrofes de Camões, cânticos como se só a poesia fosse estrela de oiro intacta, ou se só a utopia fosse um desmesurado verbo numa espécie de batalha silenciosa que compreende tudo o que os deuses e as ninfas traiçoeiras no roteiro dos imensos mares do sul, não podem realizar tudo o que elas guardaram sob os seios onde os cravos dão flor, como um oceano fechado secando o esquecimento que nenhum oceano detém. E o meu louco desejo é o trilho salgado que ficou das gaivotas. O uivo de um navio onde agora o olhar se perde e era o infinito. Estas esquivas modelações do tempo: os sonhos selvagens de um país onde começo.
4. Morreu meu país de sol. Eu partirei para qualquer pais de sol. Onde não é. Onde não subsista a infinita solidão da sílaba muda, o corpo exacto para lhe ser sangue e flor e aves alucinadas por entre os mastros de bronze. O sonho do verbo. Um outro sonho de terra, ténue, o vulto encoberto de outro canto. Um novo eclipse no âmago do mundo, ao fundo do coração. Há-de emergir um país na visão feroz do rosto dos deuses. Iminente, em insondável ilusão. Onde não é. ..................................................João Rasteiro
Continuando a publicar os poetas que inclui na antologia de poesia portuguesa que organizei para a revista Colombiana ARQUITRAVE (http://www.arquitrave.com/principal.html), hoje o poeta referenciado, com um longo poema seleccionado para a antologia, conjuntamente com uma pequena análise à sua poesia e que integra o ensaio de introdução da antologia "A Poesia Portuguesa Hoje", é Luís Serguilha:
(...)"Ele expulsa dos seus textos as associações lógicas e a lógica aristotélico-cartesiana, cultivando, como refere Nelson Oliveira, os nexos descabidos e as incongruências sintácticas e semânticas. E. M. de Melo e Castro afirma, ser a poesia de Luís Serguilhaum mar de palavras, imagens, metáforas, intermináveis e diferentemente sempre iguais, podendo os poemas começar e terminar em qualquer delas, em qualquer lugar e tempo. É pois, uma escrita que se oculta numa densa floresta de signos e que obriga o leitor perdido a encontrar o caminho dos significados, tendo para isso de seleccionar e combinar as palavras através do seu sentido pessoal, de forma a encontrar um caminho no labirinto. A interminável busca da palavra que tortura e alimenta". - João Rasteiro
..............................Canário-do-mar
O álcool das fábulas faz latejar a inesgotável glande do navio onde as posses desvairadas das legiões tecem unicamente o regresso agrilhoado das baleias coleccionadas pelas válvulas mitológicas do horizonte aqui as redes pequeníssimas das cerejeiras mecânicas expulsam as insustentáveis sombras-alambiques que ludibriam o fogo inspirador das gôndolas Furtivamente os pássaros inebriados agasalham-se nas parelhas soníferas dos pomares onde todos as equivalências das ondas se estilhaçam como os esquadros sazonados dos pulmões a escorregarem nos projectos assimétricos das crisálidas solares Os dedais dos astros devastam as armadilhas garatujadas nos figos rudimentares das congeminações para exaltarem o segredo das raízes assobiadoras entre as lajes estonteantes do alagamento cinematográfico e as mandíbulas frenéticas respiram o esmo tumefacto da labareda conduzida centralmente pelas fisionomias aquáticas das guitarras Os novelos persistentes das águas estreitam a invernia imaculada dos loucos relógios porque a rebentação da claridade dardeja sossegadamente os favos-bailarinos da memória O músico está solenemente encurvado na indefinível epopeia ondulando numa submersão distinta como um ser etéreo na genealogia inquebrantável dum povo e sobre uma quilha encrespada penteia a sumptuosidade do espaço sonoro com o suor nómada da púrpura melancolia que alinha a muralha reveladora da consciência aos regaços testamenteiros da essência incendiária O nenúfar arrebatador do património é a generalização excêntrica dum labirinto cadenciado é a transferência miraculada das indígenas composições que enxertam as sequências melódicas dos espectros como se a alma fosse um tigre de esferas lucífugas e doces Os ecos jazzísticos do cavaleiro nobre oferecem os pórticos constelados das borboletas entre as crinas preciosas das atmosferas pulmonares aqui os interstícios desatolados das heranças perseguem os sons rutilantes do sangue que sucumbem felicíssimos nas invenções químicas da rebelde mestria é neste berço incomparável de movimentos que as senhas das gaivotas descortinam a insubordinação da música pura As baladas da transmutação engolem igneamente as cordas transversais do poema onde as falésias periféricas do coração missionário balanceiam sobre os bandos acidentais do Tejo As guitarras intermitentes das águas lançam os teares luminescentes no tropel inumerável das pulsações que atravessam as biografias infusas das catedrais que imaginam o esconderijo convulso das açucenas na invocação cirúrgica do relâmpago
(...)
Os ourives nocturnos das marés abobadadas os ímans secretos dos astros e as esporas fulgurantes do guitarrista suturam juntamente as rotações das silhuetas dos visitantes Os desaguadouros recíprocos das águias os solitários parágrafos dos mondadores e os antelóquios musicais das maças aceram a infância heráldica das vinhas As orações sazonais dos embarcadouros enclausuram as lendas ciclónicas dos navegadores para dilatarem os delineamentos hesitantes das constelações Os sinónimos árcticos dos veleiros-parábolas as coincidências dos periscópios das torrentes e os meteoros intemporais do guitarrista soldam demoradamente a curvatura fértil do outono na fidelidade equestre da tempestade
Os caçadores de espelhos eternos emolduram a arqueologia das locomoções no desassossego da notabilidade nas ânforas póstumas dos aluviões e na eremitagem rebelde do guitarrista onde o tear mutante do oceano restaura a verdadeira morada dos amantes.
........................................................................L. S. .................AMÁLIA (10 anos de saudade) -Com que voz
A escritora Alice Vieira foi nomeada para o prémio Astrid Lindgren Memorial Award (ALMA). Trata-se do mais importante prémio internacional para uma personalidade ou instituição no campo da literatura infanto-juvenil. Alice Vieira, que nasceu em 1943 em Lisboa, é licenciada em Germânicas pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e comemora actualmente 30 anos de carreira literária.
É uma, se não a mais importante escritora portuguesa para jovens, tendo ganho grande projecção nacional e internacional. Em 1994 foi-lhe atribuído o Grande Prémio Gulbenkian pelo conjunto da sua obra. Foi indicada, por duas vezes, como candidata portuguesa ao Prémio Hans Christian Andersen. Já anteriormente tinha sido nomeada para o ALMA.
Recebeu em 1979, o Prémio de Literatura Infantil Ano Internacional da Criança com Rosa, Minha Irmã Rosa, em 1983, com Este Rei que Eu Escolhi, o Prémio Calouste Gulbenkian de Literatura Infantil, e em 1994 o Grande Prémio Gulbenkian, pelo conjunto da sua obra, como já referi. Os seus livros estão traduzidos e editados nos seguintes idiomas: Alemão. Búlgaro, Basco, Castelhano, Galego, Francês, Húngaro, Neerlandês, Russo e Servo-Croata. .
De referir que Alice Vieira também é uma excelente poeta. Aqui fica um dos seus poemas, do livro "Dois corpos tombando na água":
Cumprindo o prometido, começo hoje a publicar os poetas que inclui na antologia que organizei para a revista Colombiana ARQUITRAVE (http://www.arquitrave.com/principal.html). E hoje começo pelo poeta José Tolentino Mendonça, com dois dos poemas seleccionados para a antologia e uma pequena análise à sua poesia, que integra o ensaio de introdução da antologia "A Poesia Portuguesa Hoje":
(...)"José Tolentino Mendonça aporta uma linguagem pura e cristalina, em que se procura a precisão do vocábulo. Possuidora de uma intertextualidade com os textos clássicos e sagrados, a sua poesia reveste-se de um tom quase eloquente que aporta ao sagrado. Poesia que reflecte um certo neo-romantismo de cariz órfico, através de um registo elíptico e atento aos enigmas e abismos do cosmos, desvendando uma imensa sabedoria sobre o caos do mundo. É uma poesia por vezes profundamente jubilatória". - JOÃO RASTEIRO
. A INfÂNCIA de HERBERTO HELDER
No princípio era a ilha embora se diga o espírito de Deus abraçava as águas
Nesse tempo estendia-me na terra para olhar as estrelas e não pensava que esses corpos de fogo pudessem ser perigosos
Nesse tempo marcava a latitude das estrelas ordenando berlindes sobre a erva
Não sabia que todo o poema é um tumulto que pode abalar a ordem do universo agora acredito
Eu era quase um anjo e escrevia relatórios precisos acerca do silêncio
Nesse tempo ainda era possível encontrar Deus pelos baldios
Isto foi antes de aprender a álgebra . O SILÊNCIO
Regressamos a uma terra misteriosa trazemos uma ferida e o corpo ferido imprevistamente nos volta para margens mais remotas
Giorgio Armani tinha declarado àquele jornal inglês: «o luxo desagrada-me, é anti-democrático. Quero agora homenagear os operários de todo o mundo» Eu só pensava em São João da Cruz enquanto ouvia pela enésima vez: «a moda substituiu o luxo pela elegância»
João da Cruz fala de coroas, resplendores, casulas véus de seda, relicários de ouro e diamantes
para lá do jogo das nossas defesas qualquer coisa interior a intensa solidão das tempestades os campos alagados, os sítios sem resposta
o teu silêncio, ó Deus, altera por completo os espaços. ..................................................................J. T. M.
AMÁLIA - (10 anos de saudade): Povo que lavas no rio
Este ano o Prémio Nobel da literatura foi atribuido à escritora alemã de origem romena Herta Müller (n. 1953). Müller nasceu em Nitchidorf, na Roménia, tendo começado a publicar em 1982. Em 1987 foi viver para a Alemanha, onde se consagrou como escritora: vinte e dois títulos, sendo o mais recente "Atemschaukel" (2009). Proibida de publicar na Roménia por ter criticado publicamente o regime de Ceausescu, a escritora emigrou em 1987 para a Alemanha com o marido, o poeta Richard Wagner. Desde que, em 1984 foi distinguida com o Prémio Aspekte, Herta Müller tem acumulado galardões em verdadeira catadupa, sobretudo na Alemanha. Em 1995, recebeu o prémio europeu de literatura Aristeion e foi eleita para a Academia Alemã para Língua e Poesia. Em 1998, recebeu o prémio irlandês IMPAC, no ano seguinte o Prémio Franz Kafka. Em 2003, o prémio Joseph Breitbach de literatura alemã, em 2004. Em 2006, o Prémio Würth de literatura europeia. Em Portugal estão publicados "O homem é um grande faisão sobre a terra" (1993, Cotovia) e "A terra das ameixas verdes" (1999, Difel). Além de romancista, Müller é poetisa e ensaísta. A sua obra está associada ao conceito de Weltliteratur. Um poema seu que nos situa e defíne sobre a terra, sobre esta terra de ameixas verdes:
A coisa mais estúpida é
A coisa mais estúpida é que, desde há várias horas, a erva corre à volta do meu novo vestido, e eu encontro-me sentada no banco de betão, uma das cinco, à espera, em frente do salão de cabeleireiro. A primeira é tola, a segunda tem olhos grandes, a terceira é manhosa, a quarta e a quinta sou eu, pois por baixo de mim há uma poça de água na qual eu me vejo, e tenho de fazer caretas porque senão uma das duas, que eu sou, pode não ser capaz de distinguir entre a boina de pêlo na cabeça da outra e o pássaro que se encontra morto na poça da água. .....................................................Tradução:Luís Costa
A revista colombiana Arquitrave acaba de publicar o seu nº 44, uma edição especial inteiramente dedicada a uma antologia de poesia portuguesa intitulada "A poesia portuguesa hoje", que eu organizei a convite do seu director, Harold Alvarado Tenorio.
A antologia que organizei integra os poetas José Tolentino Mendonça, Daniel Faria, Rui PiresCabral, Luís Quintais, Filipa Leal, Valter Hugo Mãe, José Luís Peixoto,José Rui Teixeira, Catarina Nunes de Almeida e Luís Serguilha. Refira-se ainda o facto de que a revista contém inicialmente um pequeno ensaio onde procurei fazer uma análise da poesia das últimas décadas em Portugal, dividindo-a em dois "campos poéticos" - a poesia a que chamo "do quotidiano ou do real" e a poesia "essencialmente da imagética" - e relacionando com essas duas áreas os poetas contemplados na edição, fazendo também uma pequena apreciação individual à sua poesia. Destaco ainda o facto de a Arquitrave apenas ter dedicado números especiais à poesia espanhola, peruana, palestiniana e argentina, chegando agora a vez da poesia portuguesa. A revista, porém, já publicou trabalhos de outros poetas portugueses, como Jorge de Sena, Amadeu Baptista, Eugénio de Andrade, José Carlos Ary dos Santos, Nuno Júdice. Eu também tive a oportunidade de publicar em 2005. A revista é publicada bimensal, tendo publicação simultânea, online e em papel. Assim, uma vez por semana (10) publicarei aqui 2/3 poemas e um pequeno excerto da análise que fiz a cada poeta. E como faz agora 10 anos que a nossa diva da música nos deixou, em sua homenagem, colocarei sempre um fado de Amália Rodrigues em cada post relativo à antologia publicada pela revista Arquitrave(http://www.arquitrave.com/principal.html). . . Hoje contudo, é dia de festa no Coliseu dos Recreios, com esse fantástico concerto de despedida dos Delfins, isto apesar de Miguel Ângelo definir o concerto como «um espectáculo que, visualmente, se serve de muitas memórias da nossa carreira, mas é uma celebração daquelas canções e daqueles refrões e não uma despedida saudosista ou triste». O facto é que devido a problemas familiares, não poderei estar presente no concerto, para o qual tinha convite do Correio da Manhã (mais uma vez o meu obrigado ao Leonardo Ralha, Editor de Cultura & Multimédia do Correio da Manhã) para o seu camarote e ainda tendo igualmente acesso ao backstage para conhecer os músicos da banda. Como seria um grande momento para mim, fã há muito tempo dos Delfins, só poderei lamentar os percalços que a vida por vezes nos prega e mandar um grande abraço aos Delfins por tudo o que fizeram pela música portuguesa.
..............Eu, Mário Lúcio Sousa, Carlos F. Moisés e Ricardo Aleixo
O cabo-verdiano Mário Lúcio Sousa, poeta, ficcionista, pintor e músico, foi o vencedor da II Edição do Prémio Literário Carlos de Oliveira, concurso promovido pela Câmara Municipal de Cantanhede e ainda pela Fundação Carlos de Oliveira, com a obra que se intitula O Novíssimo Testamento.
O júri justificou a atribuição do prémio, uma vez que “a obra se distingue de todas as outras apresentadas a concurso”, assinalando ainda “a grande originalidade da abordagem que faz ao religioso (…), o que evidencia um vasto conhecimento sobre o tema”, sublinhando ainda “a notável capacidade de escrita que se encontra bem patente na riqueza e vastidão do léxico utilizado”. Na fundamentação apresentada à atribuição do prémio a O Novíssimo Testamento foi ainda aludida “uma efabulação poderosa, rica em imaginação e temperada por acentos de humor, que recorre muitas vezes à ironia e ao picaresco”. Segundo a perspectiva do júri, Mário Lúcio Sousa retoma em O Novíssimo Testamento as Escrituras Sagradas, “reinventa-as por meio do recurso a um contrafactual herdado da teologia medieval, colocando a hipótese de Jesus ter sido mulher e explorando as vastas implicações e consequências dessa hipótese”. O valor do Prémio Literário Carlos de Oliveira é de 5.000 euros, verba totalmente suportada pelo Município de Cantanhede, ficando também assegurada a publicação da obra pela autarquia. Obra, que desde já proporciona alguma expectativa, especialmente a mim, que essencialmente conhecia o Mário Lúcio de Sousa da poesia (estive com ele em Maio de 2004 em Coimbra, em excelentes convívios, durante os "V Encontro Internacional de Poetas"), apesar de já ter publicado romances e teatro, da pintura e naturalmente da música, especialmente com o seu grupo Simentera.
Não esquecer que devido à sua actividade e importância para e pela cultura, Mário Lúcio Sousa foi condecorado pelo Presidente da República de Cabo Verde em 2006 com a Ordem do Vulcão, ao lado de Cesária Évora, tendo sido o artista mais novo a receber tal distinção. Da antologia Poesia do Mundo5 alguns extractos: