sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

2011 - Happy New Year


3.
     O que for escrito do hálito
      será cumprido – a dilecção
       é a sua extensão mais pura.

6. 
     A matança é uma inferência,
      nunca a criação permanecerá
    em sua aparente invisibilidade.
                                                    João Rasteiro
In, A Divina Pestilência, Assírio & Alvim, 2011
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quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

NATAL


Desejando a todos um Feliz Natal e um Próspero Ano 2011, apenas peço, ou sugiro, que vejam o excelente filme (curta portuguesa de Nuno Rocha), que sem dúvida, exemplifica o "espírito do Natal", até porque, embora se tenha tornado infelizmente num chavão, Natal, é quando um homem quiser. 
Ladainha dos póstumos Natais

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que se veja à mesa o meu lugar vazio 


Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que hão-de me lembrar de modo menos nítido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que só uma voz me evoque a sós consigo 

Há-de vir um Natal e será o primeiro 
em que não viva já ninguém meu conhecido 

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem vivo esteja um verso deste livro

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que terei de novo o Nada a sós comigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que o Nada retome a cor do Infinito 


............................David Mourão-Ferreira

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domingo, 19 de dezembro de 2010

DIACRÍTICO (Prefácio)

Ainda continuando com as referências ao meu novo livro, DIACRÍTICO, publicado pela Labirinto, e que será lançado em Janeiro, na Casa Municipal da Cultura de Coimbra, coloco aqui hoje o prefácio, que tive o prazer e a honra de obter, do poeta Albano Martins, e que ele intitulou: "Reduzir ao Humano o Divino".
Toren van Babel GrootPieter Bruegel


REDUZIR AO HUMANO O DIVINO  

     Já o sabíamos: a poesia é, por definição, um acto criativo, e isso mesmo nos assegura o substantivo grego poiesis, que ao verbo poiein – "fazer", "criar" – foi buscar a raiz e a substância. É de criação que fala – que trata – o poema Diacrítico, de João Rasteiro. A diversos níveis, aliás. Como quando, por exemplo, ex contrario do que ensinam as gramáticas, o discurso começa com um ponto final, isto é, antes e não depois de encerrado o período. Como se, por desnecessário ou inútil, algo tivesse sido elidido, rasurado na página. Ou como se algo estivesse subentendido e o seu entendimento fosse confiado à sensibilidade e inteligência do leitor. Como suplemento ou, antes, como suprimento. Criação, também, pelas metamorfoses operadas no tecido verbal que subjaz à construção do poema. Criação, ainda, pelo uso alargado da metáfora e, sobretudo, da elipse, figura através da qual se engendram os desvios e as operações semânticas que conferem ao texto o seu estatuto de obra literária.

            O poema, cujo título remete para uma ordem de natureza gramatical ou simplesmente linguística (os diacríticos, ensinam os dicionários, são sinais distintivos do timbre de certas vogais), divide-se em duas partes, cada uma delas subdividida em igual número de capítulos que funcionam como estrofes e valem como segmentos dum macrotexto cujo sentido se vai, dir-se-á, organizando e esclarecendo por si mesmo. Empurrada por um vento que sopra do deserto, a linguagem carrega consigo algumas pétalas que vai deixando na página em branco. Portadoras dum sentido originário, genesíaco, as palavras abrem sulcos num terreno onde o significado se oferece pleno de potencialidades e sugestões, carimbando de decantada expressão o corpo do poema. Tudo, aqui, é alusão. Tudo é profecia, oráculo, metamorfose. Tudo é, também, delírio. A linguagem é, como se lê no capítulo XVII da segunda secção, a "das vísceras condenadas à ilusão do verbo". Daí, talvez, o "surreal canto" para o qual somos convocados no segmento XIII da segunda secção, "A ressurreição das crias", ou aquele "deslumbrante espaço irracional" a que nos transporta o capítulo XVI da mesma secção. Espaço onde o deus sob vários modos e disfarces convocado para a cena se escreve com minúscula – outra forma de ao humano reduzir o divino, que é, parece-me, o escopo de toda a arte.

                                        Vila Nova de Gaia, 21 de Agosto de 2010

                                                            Albano Martins
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domingo, 12 de dezembro de 2010

DIACRÍTICO

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O primeiro dos meus livros - DIACRÍTICO (como já referi em post anterior), a ver a luz do dia, nos próximos meses, já cheira ao "sangue" das tintas. Esta é a capa. E em baixo, um texto da segunda parte do livro, chamada "A ressurreição das crias" (a primeira parte do livro, intitula-se: "O desconcerto de deus").
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XIV
.tal como os fungos dos poços de Jerusalém a memória sagrada das tábuas é uma crisálida indecisa. aquela que se perdeu para sempre no fundo inóspito do próprio ventre de bunho. e parte larva parte meretriz chegaram os novos seres para talhar as cidades em metálicos e encorpados pulmões de cobre. há alguns homens que já só se arrastam conforme as ofídias que percorrem as cisternas em noites de lua cheia. O violento delírio de se verem reflectidos nos olhos da água. sob o nenúfar as suas escamas repousarão desinquietas pela última miragem. a outra face do pai que tecia argênteas teias de melancolia. é preciso recordar as prefigurações das trevas para se acolherem as metamorfoses. a benévola carícia. a ressurreição hodierna das crias. o eco colorido.
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sábado, 4 de dezembro de 2010

A FLORESCÊNCIA dos LIVROS

Por vezes os acontecimentos, quase que ultrapassam todas as nossas expectativas ou projectos. Vem isto a propósito, da edição de 3 livros meus no espaço de alguns meses. Prestes a sair da tipografia e com lançamento previsto para Janeiro (chegou a estar previsto o seu lançamento em Dezembro), o livro DIACRÍTICO, publicado pela Editora Labirinto, com prefácio do poeta Albano Martins.
Já no próximo dia 21 de Março, Dia Mundial da Poesia, na Guarda, mais concretamente, na Biblioteca Municipal Eduardo Lourenço, o livro A DIVINA PESTILÊNCIA, publicado pela editora Assírio & Alvim, e resultante da atribuição do Prémio Literário Manuel António Pina, verá a luz do dia (em Abril e Maio, 2 ou 3 lançamentos deverão acontecer).
Para culminar esta torrente (e não prevista) de livros lançados para o reduzido, mas complexo, espaço da poesia portuguesa, no segundo semestre de 2011, o livro O TRÍPTICO da SÚPLICA, deverá ser publicado (neste momento e após a assinatura do contrato de edição, já só falta a validação da DGLB - Direcção Geral do Livro e das Bibliotecas) pela Escrituras Editora, de São Paulo, que já há algum tempo, na sua colecção "Ponte Velha", vem publicando autores portugueses (só para citar alguns, Rosa Alice Branco, Ana Hatherly, António Ramos Rosa, Armando Silva Carvalho, Pedro Tamen, Luisa Neto Jorge, Fernando Aguiar, etc. De referir a última publicação, "a Obra ao Rubro" da minha amiga Maria Estela Guedes, sobre Herberto Helder
Assim, e como já referi, os próximos meses, por "brincadeiras" do destino, serão de alguma forma intensos, mas, naturalmente, bastante motivadores e reconfortantes, pois, independentemente (e isso é quase sempre relativo - e daria uma grande "conversa") da qualidade, pouca qualidade ou nenhuma qualidade, há imensa gente, na poesia, ficção, ensaio, etc, que passa, por gosto e/ou dedicação, por vezes uma vida, a escrever, sem qualquer reconhecimento ou hipótese de publicar um único livro.
Em homenagem a esse imenso número de vozes "silenciosas", o poema "Traduzir-se" de Ferreira Gullar (o merecidíssimo Prémio Camões 2010):
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Traduzir-se

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo. 

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão. 

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira. 

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta. 

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente. 

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem. 

Traduzir uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?
...........................De Na Vertigem do Dia 
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terça-feira, 30 de novembro de 2010

"CRÓNICA DECORATIVA"

Faz hoje 75 anos que morreu Fernando António Nogueira Pessoa. Fernando Pessoa é sem dúvida um nome à parte na literatura portuguesa, sendo até  talvez o único poeta a desafiar Camões (sim, porque Herberto Helder, que fez recentemente 80 anos, é para uma conversa, que hoje não tem aqui lugar). Fernando Pessoa, nasceu em 1888 e faleceu em 1935, em Lisboa, com 47 anos. Para não ser demasiado repetitivo, uma imagem e um texto, pouco usuais.
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A ROSA DE SEDA 

(Fábula) 

Num fabulário ainda por encontrar será um dia lida esta fábula: 
A uma bordadora dum país longínquo foi encomendado pela sua rainha que bordasse, sobre seda ou cetim, entre folhas, uma rosa branca. A bordadora, como era muito jovem, foi procurar por toda a parte aquela rosa branca perfeitíssima em cuja semelhança bordasse a sua. Mas sucedia que umas rosas eram menos belas do que lhe convinha, e que outras não eram brancas como deviam ser. Gastou dias sobre dias, chorosas horas, buscando a rosa que imitasse com seda, e, como nos países longínquos nunca deixa de haver pena de morte, ela sabia bem que, pelas leis dos contos como este, não podiam deixar de a matar se ela não bordasse a rosa branca. 
Por fim, não tendo melhor remédio, bordou de memória a rosa que lhe haviam exigido. Depois de a bordar foi compará-la com as rosas brancas que existem realmente nas roseiras. Sucedeu que todas as rosas brancas se pareciam exactamente com a rosa que ela bordara, que cada uma delas era exactamente aquela. 
Ela levou o trabalho ao palácio e é de supor que casasse com o príncipe. 
No fabulário, onde vem, esta fábula não traz moralidade. Mesmo porque, na idade de ouro, as fábulas não tinham moralidade nenhuma. 
......................................................Fernando Pessoa
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http://www.astormentas.com/din/biografia.asp?autor=Fernando+Pessoa
http://www.astormentas.com/din/poemas.asp?autor=Fernando+Pessoa

domingo, 21 de novembro de 2010

DIACRÍTICO

Ainda em Dezembro de 2010, o meu novo livro, intitulado DIACRÍTICO, com prefácio de Albano Martins e editado pela editora Labirinto, sairá do fundo da caverna, para ver os primeiros raios de luz. Dentro de alguns dias voltarei ao assunto. Em baixo, um dos textos do livro.
William Blake
III
.a lâmina arfou sobre a dicção do epinício no flanco disponível da fêmea ungida em sua extremidade viva. alumbrado o sangue esguicha nas mãos acesas. nos esteios nocturnos do estio. e não rastejas ainda no pó sedutor da terra redimida nas esporas do ocidente. a carne sem vida e misericórdia excita-se dobrando o verbo contra o barro. um feixe de ardósias negras alucinando o seu próprio nascimento. agora sabe apenas à coalescência dos líquidos. e há uma flor demasiado hirta. e mulheres alimentando-se em varas espavoridas. e pávidos risos aterrorizantes de animais com cio. e o céu brilha sumptuoso em cabeças de víboras admiravelmente impuras e sublimes. é a sólida candura das onomatopeias em repouso. a carne tornando-se corpo.
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sábado, 13 de novembro de 2010

LIVRO???

A verdade é que por muitas e variadas explicações (http://linguistica.publico.clix.pt/Cultura/gabriela-canavilhas-garante-que-divulgacao-do-livro-vai-continuar_1465732) e boas intenções que a Sra. Ministra da Cultura possa vir dar, como neste país, e principalmente na área do livro e da cultura, o caso ainda se agrava mais, hoje só importa afirmar que "Gato escaldado de água fria tem medo"! Por isso, Sra. Ministra Dr.ª Gabriela Canavilhas, nem com um fundo musical de um belo piano, a preocupação manifestada (embora não interesse para nada, ou a ninguém, que eu subscrevo totalmente) pelos escritores abaixo referenciados, se esbaterá! 
«Assunto: Extinção da Direcção-Geral do Livro e das Bibliotecas (*)


Ex.ma Senhora Ministra da Cultura

Dr.ª Gabriela Canavilhas



O livro representa, hoje em dia, um espaço de transformação acelerada a que nenhum de nós pode ficar indiferente. Sobre o livro repousa uma herança segura e ergue-se um futuro de novos contornos ainda indefinidos. Certo, porém, é que todos queremos que, através dele, sejam resguardados os valores fundamentais do Humanismo e da Cultura. Por isso os estados desenvolvidos, designadamente os europeus, não abdicam de preservar as instituições que os salvaguardam.

Entre nós, conhecidos por estarmos no fundo das estatísticas no que a estes campos diz respeito, vimos, para felicidade de todos, ao longo das últimas décadas, a situação alterar-se. A implicação activa do Estado Democrático foi determinante nessa mudança da qualificação dos cidadãos. No que diz respeito à leitura, o Instituto Português do Livro foi a cabeça promotora dessa alteração. Além disso, desde que foi criado, em 1980, e através duma história rica em acontecimentos, é inegável que a promoção da Literatura portuguesa e lusófona, tanto em Portugal como no estrangeiro, se deveu muito ao esforço de encontrar e estimular parceiros para a edição e difusão dos nossos autores. A sua eficácia tem sido amplamente reconhecida. Apesar dos magros recursos, o IPL foi até há pouco considerado uma instituição modelar perante as suas congéneres. No entanto, nos últimos tempos, ficou bem claro o desinvestimento a que foi sujeito, designadamente com a passagem de Instituto a Direcção Geral.

Mesmo assim, isso não impediu que essa imagem institucional, para as entidades e personalidades estrangeiras que procuram apoio e conselho para iniciativas ligadas ao livro se mantivesse. Nem a redução drástica de meios foi obstáculo a que a experiência e o empenhamento dos funcionários do Instituto e, depois, da Direcção Geral, sempre tivessem respondido às várias solicitações, a que se deve acrescentar o excelente trabalho da rede de Bibliotecas Públicas nascida da iniciativa do IPL.

É por isso com estupefacção que os abaixo-assinados tomaram conhecimento daquilo que, na prática, é a extinção do único organismo que representava o empenhamento do Estado Português, através do Ministério da Cultura, numa das áreas que melhor tem representado o nosso país na sua transformação democrática: a difusão da sua literatura. Se isto não significa, como é óbvio, o fim da criação literária, nem o fim dos hábitos de leitura, nem o fim do livro, esta fusão vem dar no entanto uma imagem cada vez mais pobre de um mundo político que confunde gestão de meios com o extermínio cego das instituições que funcionam.

A reintegração da gestão dos assuntos do livro e da leitura na Biblioteca Nacional de onde em devido tempo foi autonomizada, significa a desvalorização, secundarização e desprezo por todo um sector que está em mudança, que carece de elos de coordenação, confrontação com as práticas globais, protecção das obras literárias portuguesas e lusófonas, articulação com os agentes nacionais e estrangeiros que as difundem. A dispersão das pessoas que conhecem o assunto, a desintegração dos saberes acumulados, a redução drástica de meios, significarão um retrocesso real e efectivo e nós não nos conformamos com esta perda.

Creia, Senhora Ministra, que o protesto que fazemos é um sinal de indignação, mas também de desalento perante o rumo que está a ser dado a este sector da Cultura no nosso País, e que nenhuma crise económica, que aceitamos ser grave e obrigar a sacrifícios, justifica.
Pedimos-lhe que reconsidere.
Lisboa, 10 de Novembro, 2010
Ana Luísa Amaral
Almeida Faria
António Lobo Antunes
Gastão Cruz
Gonçalo M. Tavares
Hélder Macedo
Hélia Correia
Inês Pedrosa
Lídia Jorge
Maria Velho da Costa
Mário de Carvalho
Mário Cláudio
Nuno Júdice
Pedro Tamen
Vasco Graça Moura
© Bibliotecário de Babel (*)
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sábado, 30 de outubro de 2010

Prémio Literário Manuel António Pina

Foto de Jorge Velhote
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Para meu grande espanto, algum temor, mas, como será absolutamente compreensível, com uma imensa alegria e naturalmente, uma grande honra, ontem, dia 29 de Outubro, o júri da 1º Edição do "Prémio Literário Manuel António Pina", deliberou por unanimidade, atribuir o prémio à minha obra "A Divina Pestilência". O prémio foi instituído pela Câmara Municipal da Guarda, em parceria com a editora Assírio & Alvim, que publicará a obra. A entrega do prémio será efectuada em Sessão Solene, na Biblioteca Municipal Eduardo Lourenço, na Guarda, no dia 18 de Novembro, dia do aniversário do escritor Manuel António Pina ( http://www.mun-guarda.pt/index.asp?idedicao=51&idseccao=625&id=1481&action=noticia ). O júri foi constituído pelo próprio Manuel António Pina, Manuel Rosa (representante da editora Assírio & Alvim), José Manuel Vasconcelos (representante da Associação Portuguesa de Escritores), Virgílio Bento (Vice-Presidente da Câmara Municipal da Guarda) e pelo poeta Américo Rodrigues (Director do Teatro Municipal da Guarda). A todos eles, um muito obrigado.    

sábado, 23 de outubro de 2010

"Os vasos comunicantes"


Primeira revista-objecto surrealista portuguesa


No dia 09 de Outubro, foi lançada no CAE – Centro de Artes e Espectáculos da Figueira da Foz, a revista Debout Sur L´oeuf, cujo editor é Miguel Carvalho. Como referiu a jornalista Licínia Girão no Jornal de Notícias, “Debout Sur L"oeuf" (de pé sobre o ovo) foi o nome escolhido para a primeira revista-objecto surrealista portuguesa, lançada, anteontem, sábado, no Centro de Artes e Espectáculos (CAE) da Figueira da Foz, por Miguel Carvalho, poeta, editor surrealista e livreiro antiquário. Numa tiragem de 100 reproduções, feitas à mão e com 30 exemplares que comportam seis obras originais de desenho, pintura, fotografia e objectos, assinadas e numeradas, a nova revista "é um lugar de (re)encontros, pondo frente a frente as motivações dos que fazem do seu modo de vida a liberdade, o amor e a poesia", realça Miguel Carvalho. Segundo o editor, a "Debout Sur L"oeuf" (DSO) nasceu no Cabo Mondego e colabora com surrealistas do movimento/grupo criado em torno de Breton, portugueses e internacionais, centrando a sua actividade na produção editorial, mas também na organização de exposições internacionais de surrealismo. (…) A "revista" encontra-se albergada numa caixa de madeira, cujo conteúdo reúne objectos poéticos, folhetos, fotografias, colagens, manifestos, poemas visuais, livretos cosidos manualmente à maneira japonesa de poemas e textos teóricos de colaboradores convidados”.
A revista Debout Sur L´oeuf, integra dois poemas meus, Iniciação”, com fotografia do brasileiro Marcus Salgado (RJ) e “Colmeia”, inserido em “autumn leaves”, colectivo de Cabo Mondego Section of Portuguese Surrealism, constituído por folhas de eucalipto pintadas, fotografia e “pintura” de Seixas Peixoto.
Embora sendo de alguma forma parte interessada, sugiro a sua compra, pois será uma excelente prenda de Natal, quer seja a edição especial (30 exemplares), quer seja a edição normal (70 exemplares), uma vez que se  trata de uma magnífica revista objecto. É sem dúvida um trabalho diferente, mas cativante e muito aprazível. 

COLMEIA

Na juba da boca quando as palavras
não forem senão a saliva das larvas
há um  excesso de língua atravessada
na sombra adolescente de Yanis Ritsos,

no espaço onde a reminiscência é avidez
no sulco mais longínquo da lascívia
alma minha gentil dos espectros viçosos
és a fonte derradeira dos anjos e suplicas:

arrebatam-me de júbilo a íris das abelhas
irrompam-me o coração por bilhas vivas
brotem-me as profundas raízes siderais. 

Há um desejo infundido de livros prenhes
jorrando o hipnótico sopro das geografias
sob um céu diluído pela abertura de um deus

e as vozes murcharão de paixão pelos ferrões
espinhadas pela garganta das crianças nuas.

As construtoras ainda ejacularão o puro mel
fendendo altivas sobre a pele o incesto dos lírios.
...............................................João Rasteiro

domingo, 17 de outubro de 2010

"A Imobilidade Fulminante"

António Ramos Rosa, (17 de Outubro de 1924). Poeta, tradutor e ensaísta, é hoje, dia em que faz 86 anos, um dos grandes nomes da poesia contemporânea portuguesa. É sem dúvida, "um dos mais fecundos poetas portugueses da contemporaneidade, a sua produção reflecte uma evolução do subjectivismo, em relação à objectividade. Reflectem-se nela variadas tendências, desde certas formas experimentais até a um neobarroquismo. A sua escrita, caracterizada por uma grande originalidade e riqueza de imagens tácteis e visuais, testemunha muitas vezes uma fusão com a natureza, uma busca de unidade universal em que o humano participa e se integra no mundo, estabelecendo uma linha de continuidade entre si e os objectos materiais, numa afirmação de vida e sensualidade" - (astormentas).  Recebeu numerosos prémios nacionais e internacionais, entre os quais o Prémio Pessoa, 1988 ou em tradução, o Prémio Jean Malrieu. Para ler alguns poemas seus: (http://poesiaseprosas.no.sapo.pt/antonio_ramos_rosa/poetas_aramosrosa01.htm ).
Do meu livro de 2008, O Búzio de Istambul, o meu poema de homenagem a António Ramos Rosa:
Antes ramos e rosas
............................Ao A. Ramos Rosa

Ter um corpo de branco, um eco
todo silêncio: palavra!
Vozes, céu, terra, linho, o acto desnudo
fresco e fresco, fresco
e mãos acesas de sexos iniciais de imensos universos.
Um eco: uma língua
quase frémito, no coração dos hortos , completa e contínua.

Um corpo que morre no sabor entre as palavras
sobre o rosto incandescente do espanto: deus
nas talhas, no barro, no fresco, no sangue,
pai, filho, sílaba e espírito obscuro
de paragens, sopros, paisagens, círculos e hortos,
a terra branca, límpida nas veias: antes ramos e rosas.

O Corpo?
Um corpo de água?
O animal atónito, inabitado?
Um animal de branco, desejos no interior de constelações
sumptuosas, a terra aberta, silêncios: toda a terra, branca.

Não conheço esse corpo fresco, não fui a esse branco
espaço de todas as palavras, o hálito vivo da inquietação,
a respiração inaudível das formas nuas: antes ramos e rosas.
.........................................................João Rasteiro
Rodrigo Leão - ROSA


http://www.astormentas.com/ramosrosa.htm
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ant%C3%B3nio_Ramos_Rosa
http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/letras/recen018.htm
http://www.astormentas.com/biografia.aspx?t=autor&id=Ant%C3%B3nio%20Ramos%20Rosa

domingo, 10 de outubro de 2010

ROTAS

Acaba de sair o nº 13 da revista literária CUADERNOS TELIRA, editados por Telira - tertulia literaria arandina y ribereña, de Aranda de Duero (Burgos) - Espanha. Nela consta o meu poema (em edição bilingue) "Visão Maior", com tradução de Alfredo Pérez Alencart.

Visión mayor                                 

La plaza es la ciudad una rosácea luz
llama hambrienta del fuego de la piedra:
sus raíces confundidas en la luz
sus huellas en ofrendas de venas,
el mensurable movimiento de la memoria
cuando nos golpea como halcones,
palabras antiguas sobre túnicas rojas
excelsas en su dulce y estimulante obstinación.


Visiones, quimeras de Salamanca,
el corte audaz que desafía los cielos
que cierran el soplo sísmico de las aves,
se levantan como un dios de blasfemia
ciego y desnudo rasgando las gárgolas de mármol
 y hay exceso de simientes maduras el pólen
 rasgando las estaciones sagradas de otoño.


Otras, en la anticipación del movimiento
sumergiendo la impurificación de los cuerpos,
subliman la ciudad preñada de respiración
como frutos en maduración persistente
que sangra entera como cosas primitivas.


Y siempre un centro inflamado de fábulas
en conchas límpidas en la sangre del agua
agitando por dentro de bocas y anémonas,
una ciudad emergiendo a las cinco de la tarde.

............João Rasteiro (Traducción: Alfredo Pérez Alencart)

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http://www.telira.net/

sábado, 2 de outubro de 2010

Os caminhos da República

Segunda-feira, dia 04 de Outubro, pelas 20h30, no âmbito das comemorações no Município de Alvaiázere do Centenário da República, estarei na Biblioteca Municipal de Alvaiázere, onde efectuarei uma sessão de leitura da minha poesia. A noite prosseguirá com o lançamento do livro "Diz sempre que sim...", de Miguel Ângelo Portela da Silva Caetano e encerrará com o espectáculo "Contos com História" de Carlos Piecho (Vide cartaz abaixo). Quem puder aparecer, será bem-vindo, até porque a escolha é bastante variada, incluindo exposições, música, etc. Segue-se um poema meu, intitulado: "Al-Bai-Zir".

Al-Bai-Zir

Aqui eu sei,
como no centro dos oceanos de pérolas
que o fogo brota,
e morre, e volta a brotar,
como na fonte da serra o mesmo corpo
sacia a sede nos rios
que em seu leito têm lágrimas de dolinas
antigas e cativas em seu peculiar odre de mel.

Aqui o murmúrio chama,
furioso em seu galope de veias de urzes
a oliveira, o coração e o ouro
das constelações dos campos de milho,
nesta terra fêmea dos brancos e ocres casarios
e dos rebanhos e das cabras,
as crias na curva do astro-rei
que os deuses entregaram às Epigéias,
para que em fábulas florissem matriciais
nos ciclos mais auríferos dos algares do mundo.

Tens uma boca de trevos e silêncios
e nos dedos a infância das ânforas túmidas
errantes espíritos dos dias vorazes
que percorrem as muralhas
das torres de prata
onde já não há espaço ou horizonte
e o mundo se dilui sobre o campo de lapiás
no horto que respira a claridade
sob os olhos das orquídeas celestes
e incessantemente
o solo com vida, como a rotação da mó do sangue.

No tempo em que as coisas se ofereciam a deus
ofereceu-se-lhe Al-Bai-Zir
e o céu acendeu-se,
e morreu e voltou a acender-se
onde principia a vindima de teu carnívoro nome.

Alguém pronuncia terra para verbalizar vida
e cada movimento ígneo é o alfabeto das primaveras.
....................................................João Rasteiro

http://www.cm-alvaiazere.pt/

http://www.centenariorepublica.pt/

sábado, 25 de setembro de 2010

"O DURADOURO do EFÉMERO"


O poeta Albano Martins completou recentemente 80 Primaveras (em 24 de Julho), e na altura que celebra 60 anos de vida literária, viu editada a antologia que reúne toda a sua poesia: As Escarpas do dia - (poesia 1950-2010), com a chancela das Edições Afrontamento.
Albano Martins tem tido a gentileza de manter comigo um relação bastante generosa (aliás, dentro de alguns dias, darei algumas notícias/novidades que confirmarão tal facto).
Assim, mais do que colocar aqui algum poema seu (colocarei no fim deste post alguns links que remeterão para a sua poesia, biografia, entrevista, análise à sua obra, etc,), coloco um poeema em sua homenagem, poema esse que intitulei de "Poema Verde".


Poema Verde
.............Ao Albano Martins
I

Nada já há a pronunciar em tua defesa
sob o viço das oliveiras. Enterra o teu segredo
num verbo apócrifo e gentio.
Oculta-o de perfil por entre a língua
que nunca possuíste na boca. Agasalha-o inteiro
até clarear o musgo na fissura do chão.
Preserva-o como se só a voz queime intacta
o sulco de uma lua de enxofre.

...................Ó ser,
cujas alegorias foram as sombras aprazíveis
do ígneo clarão. Como é verde a raiz duma planta
que secou, o mecanismo afectuoso da barbárie
e o curso trémulo do peregrino.
Entre o odor da terra e o calor difuso do coração,
a chuva ancorada sobre a flor de lótus
equilibrando-se corpo virado para as fogueiras
da água que pugna a seiva.

II

Há-de o tempo perpetuar aquela farsa arquitectónica
de um poema perfeito. Pois ermas estão as águas,
a divina força de sua granítica soberania
em nossas condenadas elegias.
Parece um lugar para amar no escuro, o indistinto
e primordial eco do anjo no Inverno?

...................Tu, poeta,
que deslindaste perplexo que há lodo sob as algas,
sob a pele, como uma vã condenação.
Na verdura da sílaba, em ti, qualquer crença nua
no oficio de romeiro, íntima
na sede mais forte dos líquidos, no pranto do sol,
poderá subsistir ao ensejo dos aguaceiros.
Tu, que não perduras no cântico mágico do poema,
mas tão só ciciado nas múltiplas máscaras
do tempo anterior ao acasalamento dos besouros.

III

Em cada árvore depois do fogo, o poema
regressa nu e a morte verde, a lágrima
corre como se uma enxurrada tolhesse as palavras
em homem e bicho, em água e sangue, em eco e cântico,
em borboleta e mariposa. Para sepultar os prados.
Falo do inexplicável sopro. Aí, tudo permanece.
E tudo é teu. Tu és o sangue, o verão e a pedra sagrada.
O poema é verde. Sinto-lhe o odor materno.
.............................................................João Rasteiro
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http://www.cnc.pt/Artigo.aspx?ID=738

http://poesiaseprosas.no.sapo.pt/albano_martins/poetas_albanomartins01.htm

http://comlivros-teresa.blogspot.com/2009/10/entrevista-albano-martins.html

http://pt.wikipedia.org/wiki/Albano_Dias_Martins

domingo, 19 de setembro de 2010

HABITAR A POSSIBILIDADE!

Foi recentemente editado um dos mais esperados livros, para mim, de poesia (Cem Poemas), não só por ser um livro de uma das mais extraordinárias "poetas" que já li/lemos, Emily Dickinson, mas também por ter sido organizado e traduzido  por uma excelente poeta, Ana Luísa Amaral, que sobre Dickinson afirma: «Emily Dickinson é a poeta mais fascinante que conheço. O não ter praticamente publicado em vida autorizou sucessivas e revistas edições dos seus versos, espalhando a polémica entre críticos e organizadores. O ter incluído poemas em cartas, o ter falado da poesia como carta e trazido para o corpo das cartas o ritmo, a rima e a música da poesia fez com que dos seus textos uma poeta mais recente escrevesse: “os poemas chamar-se-ão cartas e as cartas chamar-se-ão poemas”. A sua linguagem poética, ao mesmo tempo metafórica e elíptica, sincopada e oblíqua, sem muitas vezes concordância de formas verbais, nem respeito por plurais ou regras de gramática, deixou espaço a que dela se acentuasse o excessivo ofício com a gramática ou se falasse até de uma gramática própria. O seu uso recorrente de travessões, que fragmentam e questionam o verso, permitiu que deles se dissesse serem formas de dispersão da unidade discursiva, ou, sexualizados, uma espécie de hímen-hifen. Tudo isto me fascina em Emily Dickinson. E mais ainda: o ter falado de tudo, misturando Deus com ladrões, aranhas com vassouras, alma com vulcões, sonho com abelhas, gerânios, piscos e trevos; ou o ter examinado a morte e a vida, explorado o amor e o inferno, o êxtase, a mais pura alegria, o sofrimento, a misteriosa energia das coisas todas do universo. Ainda o tê-lo feito numa voz de mulher, aparentemente submissa, de facto poderosa. “Habito a Possibilidade - / Uma Casa mais bela do que a Prosa –“, escreveu. Depois disto, que melhor definição de poesia?» - (Poesia & Lda).

I
Habito na Possibilidade —

Uma Casa mais bela do que a Prosa —
Em Janelas mais numerosa —
Em Portas — superior —


De Quartos como Cedros —
Impregnáveis ao Olhar —
E por Telhado Duradouro
Os Telhados do Céu —


De Visitantes — a mais bela —
Isto — para a Ocupar —
O abrir largo as minhas Mãos estreitas
Para colher o Paraíso —

II
Diz toda a Verdade mas di-la oblíqua —

O Êxito reside no Circuito
Brilhante por demais para nosso enfermo Deleite
A suprema surpresa da Verdade
Como Relâmpago às Crianças oferecido
Num brando explicar
Deve a Verdade aos poucos deslumbrar
Ou cego qualquer um —
.
In Cem Poemas, de Emily Dickinson,
tradução de Ana Luísa Amaral, Relógio d'Água, 2010
.

http://www.arlindo-correia.com/180700.html

http://www.algumapoesia.com.br/poesia/poesianet067.htm

http://www.citador.pt/poemas.php?poemas=Emily_Dickinson&op=7&author=202

http://pt.wikipedia.org/wiki/Emily_Dickinson

http://www.biographyonline.net/poets/emily_dickinson.html

domingo, 12 de setembro de 2010

LUGAR(ES)

"Esquilino"

I


Os poemas virão inclusos
quando vier o orvalho,
chegarão antes do pecado.

II


O seu domínio é infinito,
longa é a garganta do medo
cego o coração do sussurro!

III

Uma boca deixo, ao dilúvio:
direi um segredo de bronze,
a nocturna borboleta chega.

IV

No princípio era a doçura
e a palavra ousou a lascívia.
Por esta se fará todo o flagício.

V

É o solstício sob as unhas.
A água separa-nos da sede,
não é só o que a boca refresca.

VI

Quando saboreei a carne
ia saborear a terra – aves
e Vénus vagueiam acesas.

VII

Em sua volúvel gestação
que seria do útero vazio
sem a caligrafia pestilenta?
........................João Rasteiro
In, A Divina Pestilência
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P:S: Agora uma música de alguém que nos últimos tempos... é até riscar o CD!!!
LENINE - O Atirador