Acaba
de ser publicada no México em Junho de 2012, pelas Ediciones Libera, a antologia
de poesia portuguesa contemporânea, "Cortei
a laranja em duas", organizada e traduzida por Fernando Reyes,
professor na UNAM - Universidade Nacional Autónoma do México e que, com bastante satisfação, tenho o prazer de integrar .
A
antologia inclui poemas de onze autores portugueses (Maria do Rosário Pedreira,
Ruy Ventura, João Rasteiro, Fernando Aguiar, Inês Lourenço, Aurelino Costa,
Pedro Ribeiro, Alexandre Nave, Filipa Leal, Américo Teixeira e José Rui
Teixeira). O prefácio é de Jesús Gómez Morán.
Neste,
afirma o autor: (…) “a cultura portuguesa caracteriza-se por ser o oposto da
brasileira. Se, grosso modo, o temperamento polícromo e alegre é claramente
brasileiro, o lusitano tem como qualidades intrínsecas o claro-escuro e a
melancolia. Penso, por exemplo, na poesia de Pessoa, cuja figura enorme seria
capaz de eclipsar qualquer nome: poeta com a altura de Eliot e de Pound na língua
inglesa e de Octavio Paz e Neruda em espanhol, o seu impacto (juntamente com o
de Mário de Sá-Carneiro) é tão evidente que a sua sombra caiu praticamente
sobre todos os autores portugueses dos períodos posteriores, a tal ponto que
explorar o seu contributo lírico se transformou num repto difícil mas iniludível.
(…)
Quando se pensa nas conexões culturais existentes entre Portugal e México, é possível
aceitar que a poesia lusa foi reinventada em 1888, ano do nascimento de
Fernando Pessoa. Além disso, esse temperamento taciturno e saudoso parece gémeo
do meio-tom, dessa nota crepuscular que caracteriza, por sua vez, a poesia
Mexicana, pela voz do seu autor mais representativo nesse período, Ramón López
Velarde. Logo, o que se aplica a um poeta pode ser válido para o outro, e o
nosso conhecimento das letras e da cultura portuguesa, além desse temperamento,
não manifestou em todo este tempo um eixo ou um acontecimento particular que as
tenha vinculado.
(…)
Estas ligações não passariam muito tempo despercebidas e Pessoa haveria de ser
analisado, principalmente por Octavio Paz, e traduzido profusamente por
Francisco Cervantes, a quem devemos, além disso, a publicação póstuma da
antologia Cara Lusitana, editada pelo
Instituto de Cultura Queretano (2010), cuja lista se compõe de nomes
posteriores a Pessoa e a Sá-Carneiro: Adolfo Casais Monteiro, Raul de Carvalho,
Luiza Neto Jorge, Manuel Gusmão, Miguel Torga, Fiama Hasse Paes Brandão,
Vitorino Nemésio, Eugénio de Andrade, Alberto de Lacerda, António Osório,
Fernando Guimarães e outros. Essa abordagem a esta etapa da lírica portuguesa
teve, contudo, pelo menos mais duas antologias prévias. Uma foi preparada por
Fernando Pinto do Amaral, Antología de la
poesía portuguesa contemporânea, publicada pela UNAM (1997), e a outra foi
dada a estampa pela editora madrilena “Hiperión”, Portugal: la mirada cercana (2001). Em qualquer delas, o rol de
poetas incluídos anda muito próximo da supracitada Cara Lusitana.
Apesar
disto, já se notava a necessidade de uma incursão pelas vozes lusitanas mais
recentes, lacuna que a actual antologia preparada e traduzida por Fernando
Reyes vem colmatar. O leitor terá oportunidade de tirar as suas próprias conclusões,
mas quanto a mim a característica mais relevante que posso destacar desta nova
empresa compiladora é a tensão estabelecida entre tradição e inovação nos autores
selecionados. Nota-se, desde logo, a aparição do temperamento taciturno antes
mencionado, a saudade nascida ante a contemplação do mar (com clara índole sebastianista),
o espirito órfico herdado de Fernando Pessoa e da sua geração, ao lado de continuas
referências intertextuais e das definições da função que o poeta deve assumir,
como nestes versos de Inês Lourenço: “habitar
um planeta / de versos suicidas / é o primeiro ofício do poeta”. Em união com
estes traços, verifica-se uma inquietude experimental que dinamiza a expressão lírica,
tanto em poemas dialogados de forma tal que se aproximam bastante da heteronímia
(como é o caso de Ruy Ventura), quanto noutros com versos tao breves que
parecem enformar linhas verticais (como sucede com Fernando Aguiar). Apesar
disso, há poetas como João Rasteiro em cuja obra se unificam a tendência experimental,
quando publica poemas em prosa (com versos praticamente justapostos), e a tendência
tradicional, quando escreve em tercetos medidos.
Ao
analisar o temperamento do romantismo, Octavio Paz traçou dois enfoques
primordiais: a analogia e a ironia. E é este segundo elemento o que emprega
Fernando Aguiar para rasgar o véu melancólico da tradição poética lusitana.
Isto acontece quando descreve algo aplicável tanto na operação de uma torre aéreo-portuária
quanto na composição de um texto literário: “para quem julga que estou a / exagerar, não diga apenas que / não há dúvida
que está realme / nte mesmo cada vez mais um / ito difícil. nem que está d / ificílimo.
está dificilíssimo” E certamente, “ não
há dúvida”. Por mais difícil que pareça, neste caso, estender uma ponte sobre
este território poético marcado pelos contrastes de um claro-escuro, existem
dois pontos salientes: estamos diminuindo a distância que nos afastava da
poesia portuguesa contemporânea e, paulatinamente, essa tradição vai mostrando
evidentes signos de regeneração (que, ao fim de contas, é um postulado de ascendência
órfica) e frescura lírica.
Jesús Gómez Morán
(Tradução: Ruy
Ventura)
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