sábado, 24 de dezembro de 2011

ESPAÇOS


O Órfico discurso do Natal


Ele entranha-se pelas paisagens do sol
pelos olhos das aves em que adejamos o incomensurável,
aconchega-se às nossas vísceras mais íntimas
e pressentimos que podemos ser criaturas de Dezembro,
criaturas dos dias de não se ser esquecido
criaturas fervilhando lava pelos dedos
em circunstâncias estranhas,
também nós concebidos e destruídos sem porquê
por essa sitiada substância
de que é erigida a adusta boca das quimeras.


Ele mergulha pelos corpos da terra
pelas frestas dos oceanos em que expurgamos a cegueira,
acerca-se inevitavelmente do nosso funesto alento
e intuímos ser os guardiões dos salmos da bem-aventurança,
guardiões que vigiam as infâncias no Inverno
guardiões fascinados pela loucura do mundo
em noite de tamanha abundância,
vínculos em que espargimos e aduzimos a púrpura
numa criança indefesa
de que se constrói uma humanidade que não há.


Ele submerge pelo avesso dos corações
pela estreita extensão das vozes sem tempo nem vento,
encosta-se no reflexo dos sonhos intemporais
e de forma desumana reinventa o natalício choro e riso
para que não se suspenda a esperança
e vergamo-nos trespassados no órfico cântico do poeta:
não cortem o cordão que liga o corpo à criança do sonho!
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..................................João Rasteiro (Natal de 2011)

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