sábado, 21 de janeiro de 2012

ROTAS


RUI COSTA: 1972/2012

Rui Costa era um dos nomes mais interessantes da nova poesia portuguesa.

Tinha vencido em 2005 o prémio de poesia Daniel Faria, com o seu livro "A Nuvem Prateada das Pessoas Graves", editado então pelas Quasi Edições.

Dois anos depois recebeu o prémio Albufeira de Literatura pelo romance "A Resistência dos Materiais".

Também em 2007, traduziu o livro de poesia "Só Mais Uma Vez", do poeta espanhol Uberto Stabile, para a coleção Palavra Ibérica, e em 2008 traduziu "Quarto Com Ilhas", do poeta espanhol Manuel Moya, para a mesma coleção, na qual publicou, em 2009, "O Pequeno-Almoço de Carla Bruni".

No mesmo ano, lançou ainda "As Limitações do Amor São Infinitas", pela editora Sombra do Amor.

Em 2008 co-organizou a Primeira Antologia de Microficção Portuguesa (Exodus).

Ainda no espaço algo complexo e hipócrita da Literatura Portuguesa, " terá cometido a façanha" de apresentar uma lista alternativa à direcção do Pen Clube Português em Janeiro de 2009, ao lado dos poetas Rui Lage e Rui Cóias.

Numa entrevista recente, Rui Costa defendeu o poder de resistência do livro face ao crescente primado da tecnologia e da mensagem instantânea.

O livro sólido, com peso de papel manchado de tinta, continuará a ter sentido enquanto usarmos as mãos que ainda temos”, afirmou.

Aqui ficam dois poemas de Rui Costa.

Poema inútil com montanha

Vejo a montanha à minha frente pousada
Sobre a água sempre verde, e penso na inutilidade
De tudo o que ela é, e na inutilidade de estar pensando nisto,
Quando um pensamento inútil me sugere
Que a montanha pode ser
Um pormenor pensado por ela
Na paisagem do meu próprio pensamento, para
Com isto me levar a pensar sobre pensamentos,
E não sobre montanhas, ficando ela, como antes,
Pousada na água sempre verde, sem ser
Pensada por ninguém.

O pão

Há pessoas que amam
Com os dedos todos sobre a mesa.
Aquecem o pão com o suor do rosto
E quando as perdemos estão sempre
Ao nosso lado.
Por enquanto não nos tocam:
A lua encontra o pão caiado que comemos
Enquanto o riso das promessas destila
Na solidão da erva.
Estas pessoas são o chão
Onde erguemos o sol que nos falhou os dedos
E pôs um fruto negro no lugar do coração.
Estas pessoas são o chão
Que não precisa de voar.

1 comentário:

fernando oliveira disse...

E agora Rui: In Memoriam. Rui Costa: 1972/2012


O poeta homem e obreiro
Soterrou-se com os seus pilares
Sem mostrar um só dedo
Para se dizer adeus

Com ele levou o segredo dos algarismos errados
Que apareciam no calendário como rios sem corrente
E os pedregulhos duma montanha em construção

Com ele levou uma sopa fria de palavras
Que vai escorrer para o ventre da terra
Até ressoarem e se unirem numa teia
Que o sol divino aquecerá

Como a aranha que conta o seu ninho
Ao pássaro que a visita
O poeta homem e obreiro
Se contará depois.

Fernando Oliveira