sábado, 18 de outubro de 2008

Divindades

Deus por deus
.................A Eduardo Lourenço
.
Mas o poeta, o alucinado e incandescente poeta,
revestido de sílabas – poucas – aparentando o tempo,
uma breve autoridade, poeta preso nas cidades vastas,
mostrando as suas habilidades perante a ânsia dos céus
dentro de muralhas que devaneiam o diacrítico do mar,
o exacerbado poeta, ingenuamente concebe o sussurro
das pétalas de rosa azul que nunca ninguém ousou criar
porque os deuses julgam-se imutáveis na luz do espelho.
.

Os antigos trovadores invocavam as musas sob as luas
Shakespeare, o pequeno e terno irmão de Deus, aquele
imortal que viu a obra duplicar fantasmagoricamente no
oitavo dia da criação, rogava diariamente a seu irmão,
ele, o poeta da cidade, o que amplia criação à realidade,
à criação urbana, renovando o mundo em suas nuas leis
do circo urbano, a arena onde nos digladiamos no desejo
nós, os mais altivos e singulares leões de nós mesmos,
invoca-se a si próprio, deus díspar da única criação, a
obra da ironia da linguagem e da melancolia do verbo,
mas como sei que não aparecerá nas rotações do poema,
em raro ensejo de lucidez irrompe os espaços e conceitos
deita fogo a todas as suas recentes e geniais criações
de pétalas de rosas azuis e galáxias de cristalina garganta.
.

Quando as muralhas se abrirem ao mar e aos raios do sol
o poeta da cidade, não se invocará omnipotente em vão
e descansando entre divinos anjos e animalescos humanos
contemplará a absoluta redenção do caos por si criado
e cantará a devastação das lágrimas da tristeza e da alegria
onde floresce o dialecto assimétrico das novas gramáticas
porque a purificação do caos é tão assombrosa e excitante
como o paraíso primordial de onde nos julgámos expulsos
devido à linguagem da única arca de Noé que sobreviveu.
.

Hoje, o poeta da cidade emprega artifícios e não magia
tentando tornar visível a efémera ostentação de si mesmo
no manto doirado da poesia – esse trama em que o mundo
se construiu – e repudiando Cavafis, quando este cantava
os acúleos bárbaros em seus lamentos – "aquela gente era
uma solução"
– porque das guelras um anzol trepava ao céu.
João Rasteiro
Pedro Abrunhosa - A cada não que dizes

2 comentários:

Gabriela Rocha Martins disse...

não resisto

ao BELO

que me encanta no canto das PALAVRAS originais


AQUI



.
um beijo, amigo

JOSÉ RIBEIRO MARTO disse...

E...
assim te vou lendo e reconhecendo,
grato vou ficando com o que tens vindo a partilhar ...
Um abraço
ZéMarto