sábado, 13 de fevereiro de 2010

OS "JARDINS" da POESIA PORTUGUESA

No final de 2009 foi editada a antologia Poemas Portugueses. Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI, organizada por Rui Lage e Jorge Reis-Sá. Apesar de na última década terem sido editadas as antologias, Anos 90 e Agora, organizada por Jorge Reis-Sá; Desfocados Pelo Vento. A Poesia dos Anos 80, Agora, organizada por valter hugo mãe; Poetas Sem Qualidades e A Perspectiva da Morte, ambas de responsabilidade de Manuel de Freitas. Inclusive, saiu recentemente uma pequena antologia (10 poetas portugueses contemporâneos) na Colômbia, que organizei a pedido da revista ARQUITRAVE e intitulada A Poesia Portuguesa Hoje, contudo, foi a antologia Século de Ouro. Antologia Crítica da Poesia Portuguesa do Século XX, organizada por Osvaldo Manuel Silvestre e Pedro Serra que verdadeiramente ainda criou alguma polémica. Realmente, cada vez mais se aceita o que aparentemente nos é "entregue de mão beijada" pelos "entendidos" e pelo Cânone, daí, os poetas sem reconhecimento ou ainda em luta pelo seu espaço, pouco ou nada reagem, no âmbito crítico, e os membros de cadeira do cânone, não ousam por princípio, criticar os seus comparsas. Se é verdade, que não precisamos sempre de voltar a 2002, quando "os deputados do círculo de Coimbra na Assembleia da República, mais Helena Roseta, apresentaram protesto formal junto da estrutura dirigente de Coimbra 2003 (Capital Nacional da Cultura), sponsor da edição, pelo facto de Afonso Duarte, Miguel Torga e Manuel Alegre... não terem sido seleccionados. E que, em extenso artigo no Diário de Notícias, Ana Marques Gastão tenha feito a lista das ausências “intoleráveis” (o adjectivo é meu): Intelligentsia deixa de fora mais de 30 autores" (Eduardo Pitta - "Da Literatura"), seria altamente recomendável que, tal como nos portamos hoje, de forma geral, na sociedade, na política, nos valores, etc, ou seja, de um modo absurdamente indiferente, apático e desapaixonado, não o fizéssemos em relação à poesia e à literatura em geral.
Assim, voltando à antologia Poemas Portugueses. Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI, e mencionando antecipadamente, de que apesar de tudo, e até tendo em conta a falta de antologias do género, a antologia passou a ser um dos meus livros de poesia de cabeceira, terei de refirir o seguinte:
A antologia reúne num só e gigantesco (até talvez assustador) volume de mais de 2000 mil páginas, 267 poetas portugueses, que vão de Pai Soares de Taveirós (início de séc. XIII) até Pedro Mexia (nascido em 1972). Os responsáveis (sobretudo no que concerne ao séc. XX, o grande paradigma desta antologia) vacilam entre não deixar fora das margens, nenhum autor "suficientemente" canónico e a tentação inversa de deixar a marca do seu gosto pessoal, qualquer que seja a origem desse gosto (aliás, perfeitamente válida, se não se caísse por vezes no absurdo, para não dizer escândalo de algumas escolhas, quer seja pelos nomes, pelo conteúdo ou pelo espaço, atribuído neste “jardim” da poesia portuguesa ).
Pode-se discordar um pouco do número de páginas (quer devessem ser mais ou menos) atribuídas a poetas como Camões (82 páginas); Bernardim Ribeiro (19 páginas); Bocage (12 páginas); Almeida Garrett (20 páginas); João de Deus (2 páginas); Florbela Espanca (3 páginas); Teixeira de Pascoais (12 páginas); Mário de Sá-Carneiro (22 páginas); Fernando Pessoa (159 páginas); José Régio (7 páginas); Jorge de Sena (24 páginas); E. M. de Melo E Castro (6 páginas); Carlos Oliveira (19 páginas); Manuel Alegre (6 páginas); Luísa Neto Jorge (11 páginas) ou Vasco Graça Moura (16 páginas), para dar alguns exemplos (sempre sem esquecer o agradecimento que Manuel Gusmão deveria dar aos organizadores por lhe ter sido incluído um poema nesta casta de poetas). Mas, alguns "atentados" são efectuados na poesia, nos poetas do século XX, realmente o espaço privilegiado definido pelos organizadores (isto, sem deixar de realçar uma selecção inatacável, que foi a efectuada relativamente aos cancioneiros dos séculos XIII e XIV). Assim, passo a apontar alguns casos que causam bastante perplexidade. Como entender uma antologia onde são incluídos 14 poemas de Eduarda Chiote, 27 de Jorge de Sousa Braga e apenas 1 (!!!), repito, um, de Manuel Gusmão? (já para não referir os 2(!) poemas de Natália Correia). Aliás, Eduarda Chiote, com 14 poemas, possui mais do que António Maria Lisboa, António José Forte, Armando da Silva Carvalho, Fátima Maldonado e Manuel Gusmão em conjunto (é obra - de quem?). Se aceitamos as 39 páginas de Ruy Belo, como explicar as escassas páginas, tendo em conta as simetrias atrás expostas, de Herberto Helder e Mário Cesariny? Mas, guardado estava o bocado - então não é que afinal, o grande poeta das últimas décadas em Portugal se chama Daniel Maia-Pinto Rodrigues (!!!)? Daniel Maia-Pinto Rodrigues que alguns querem à força comparar a Adília Lopes (também há quem compare a noite ao dia), com as suas vinte e tal páginas é sem dúvida, uma, talvez a maior (ao nível de Manuel Gusmão - 1 poema), das extravagâncias desta antologia (Luís Miguel Queirós, afirma que ele «escreve na arejada ignorância de toda a tradição literária»), porque parece que nesta antologia (de que apesar de tudo teremos que entender determinados critérios e metodologias, tendo em vista a editora e de alguma forma, existir perfeitamente delineada uma intenção pedagógica, uma vez que a antologia deveria, ou deverá, funcionar como um largo manual poético-escolar da poesia portuguesa) por vezes ficamos sem saber se os responsáveis colocam ou não colocam autores, tendo em conta que apenas os seus gostos pessoais, ou se conhecem minimamente determinados poetas e sua respectiva poesia (e falo essencialmente de poetas do séc. XX, talvez até da segunda metade do séc. XX), uma vez que é o grande campo de incidência da antologia.
Já para não falar na exclusão de poetas (até tendo em conta a inclusão de outros) como, António Feijó, José Blanc de Portugal, Guilherme de Faria, Saúl Dias, António Salvado, Edgar Carneiro, Ernesto Sampaio, António Barahona, Vergílio Alberto Vieira, José Sebag, Manuel da Silva Ramos, Nuno de Figueiredo ou Carlos Bessa, isto só para citar nomes (poderia ainda referir mais alguns) que encarnam o número do azar (13) e que poderiam perfeitamente ter sido incluídos.
Concluindo (apesar de ser sempre mais cómodo, estar no exterior, do que no centro, de uma tarefa como esta), estamos perante uma antologia em que aos organizadores terá que ser atribuído o mérito de terem conseguido juntar mais de dois mil poemas (ou fragmentos deles) de 267 poetas, num arco temporal de oito séculos, mas que até devido a tal facto, deveriam em determinadas situações, por um lado, ter sido mais exigentes consigo próprio e por outro, não acharem que este jardim (pequeno jardim) da poesia portuguesa, aceita ou aceitará qualquer planta, só porque é regada em abundância (aliás, "água de mais mata a planta").
P.S. - Se a antologia terminou com Pedro Mexia que nasceu em 1972 e que publicou pela primeira vez em 1999 - ficamos sem ter a certeza, se não ter terminado com um poeta nascido em 1974, o mais lógico (uma vez que seria terminar um ciclo temporal numa data importante, não só da sociedade, mas também, da literatura portuguesa) ou publicado pela primeira vez em 2000, se deveu ao facto de ter sido assumido o objectivo de não incluir Manuel de Freitas?
Dois poemas de Manuel Gusmão (1 poema) e Daniel Maia-Pinto Rodrigues (23 páginas na antologia – como disse numa carta que me escreveu em 2006, Herberto Helder: “E eu que ainda não li todos os gregos”):
.
A velocidade da luz
.
Há, houve uma rotação do teu corpo
e há qualquer coisa de irreparável
que me fizeste quando rodaste no mundo –
o quase homem aposta tudo em que voltará.
Joga tudo em que o mundo regressará
a essa forma de uma onda suspensa na música
a essa rotação fora dos eixos.
Porque é que dizes então «irreparável»?
Irreparável aponta para onde?
.
Irreparável é o mesmo que antiquíssima
e não idêntica?
A cicatriz é irreparável porque a ferida é perpétua,
esquecida e perpetua?
Tocas-lhe a milímetros de distância,
como quem não quer
a coisa,
e tu devias dar e não dar por isso.
Dir-se-ia que o ar se moveu, que uma coluna
do tempo se deslocou, dançou como a luz por entre nuvens
na parede verde de um canavial.
..............................................................M.G.
.
Um Pequeno Poema de Amor
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Nos tempos primitivos
o australopiteco dizia para a mulher:
"ó minha macaquinha, sorria
olhe ali um mamute!"
Nos tempos de hoje em dia
o homem diz para a mulher:
"ó minha dama de companhia, mamo-te."
Prefiro o setentão sinfónico dos Camel
que dizia:
ó minha dama de fantasia, amo-te.
..........................................D.M.P.R.
.......................Sérgio Godinho - Só neste país

4 comentários:

Gabriela Rocha Martins disse...

se me permites ,porque não só concordo a 100% com o que escreves ,como ,e depois de ,por força das circunstâncias ter comprado há meia dúzia de dias tal Antologia - o que não tencionava fazer ,no imediato - já que os meus colegas da Biblioteca Municipal de Silves resolveram dar papel de relevo a esta obra e incluir a sua apresentação na IV Bienal de Poesia de Silves ,aliás ,como terás oportunidade de verificar no Programa e "in loco" .... como a responsabilidade não é minha ,e ,mesmo que fosse ,não retiraria uma palavra ao que escrevo ,porque às tuas observações ,acrescento outros nomes relevantes na Poesia Portuguesa do séc. XX ,na década de oitenta e que não se encontram mencionados - caso ,por exemplo ,de Paulo da Costa Domingos ,Rui Baião ,José Alberto Oliveira e Miguel Serras Pereira ,só para mencionar estes .vai.me dar muito gozo questionar e perceber os critérios de selecção ( e não só! ) no que concerne a Antologias ,sobretudo quando a Editora tem ,como dizes e muito bem ,responsabilidades pedagógicas .reservemo.nos ,pois!!!!!




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um beijo
( a fim de alimentar a polémica )

João Rasteiro disse...

então lá estaremos para "falar" sobre esta antologia (importante sem dúvida, mas...)que assenta em parâmetros muito "estranhos", no mínimo!!!
BJS.

JOÃO

António Rodrigues Duarte disse...

Não deixa de ser curioso verificar que o que João Rasteiro diz, com ironia, Manuel António Pina, em 2005, também o escreveu, mas sem qualquer ironia, com as seguintes palavras: "É preciso que eu diga algo se calhar cruel e comprometedor: a maior parte da poesia portuguesa de autores mais jovens (a revelada, digamos, nas últimas duas décadas) parece-me, senão decepcionante, ao menos, e em geral, desnecessária. Com raríssimas excepções, ela tem apenas, de novo, a idade dos seus autores; muitas vezes nem velha é, é apenas de idade indefinida. A sua principal característica é a desnecessidade, quero eu dizer que, da parte dela, não há-de vir mal nenhum, nem bem nenhum, ao mundo. (De qualquer modo, a minha opinião não tem qualquer relevância na matéria, e não há-de ser decerto ela a determinar o seu destino ou o seu não-destino...)
A poesia de Daniel Maia-Pinto Rodrigues é, para mim, leitor compulsivo, mesmo se frequentemente distraído, da poesia que se vai publicando, uma dessas raríssimas excepções. E o seu carácter excepcional resulta não só da sua singularidade, mas, simultaneamente, do modo como essa singularidade, essa estranheza, transporta um emocionado e desconcertante reconhecimento do funcionamento do próprio poético."

João Rasteiro disse...

Meu caro António Rodrigues Duarte, ainda bem que por aqui aportou, logicamente que fico contente.
Relativamente ao seu comentário, apenas lhe direi o seguinte:
A) na minha opinião, a chamada "nova poesia portuguesa", nem é tão boa e inovadora como alguns defendem, mas, também não é tão má como outros querem apelidar/demonstrar.
Se assim o desejar, poderá pesquisar/ver/procurar no meu blogue, as notícias/comentários e publicação de poemas dos autores de uma pequena antologia (10 poetas) que organizei para a revista colombiana ARQUITRAVE - mesmo se alguns dos poetas não são inteiramente do meu agrado, mas tentei dar alguma abrangência do que se vai fazendo por cá.
B)Relativamente à critica à antologia organizada pelo Jorge Reis-Sá e o Rui Lage e concretamente ao nº de poemas inseridos, do Daniel Maia-Pinto Rodrigues, a critica não é tanto à poesia dele, mas mais à importância dada ao Daniel, no contexto da antologia, tendo em conta a comparação com a obra de outros poetas. É certo que na minha modesta opinião, a poesia e a obra do daniel maia-pinto Rodrigues é algo desequilibrada, juntando alguns excelentes poemas, com outros demasiado frágeis e até algo artificiais. Por outro lado incomoda-me a vontade de algumas pessoas (e aí o exagero tem limites) em quererem comparar e colocar ao mesmo nível o Daniel e a Adília Lopes, mas é provável que seja eu que esteja errado.
C) Mas, como muito bem diz, e isto serve para si e para mim: "a minha opinião não tem qualquer relevância na matéria, e não há-de ser decerto ela a determinar o seu destino ou o seu não-destino...)"
A única diferença para alguns, é que eu aquilo que penso (muitas vezes erradamente e outras até com alguma falta de conhecimentos - todos julgamos saber muito sobre tudo e os outros, mas, na realidade, sabemos sempre muito pouco) digo-o e assumo-o, e não me calo ou digo sempre bem para tirar daí dividendos, ou pelo menos tento, porque todos somos humanos e por vezes todos pecamos - o problema são aqueles que fazem disso "o dia a dia"!
Apareça mais vezes, opine, critique, elogie (aqui não há, nem haverá nunca censura - excepto se colidirem com direitos fundamentais do ser humano e quiça da constituição, mas censura por delito de opinião: JAMAIS!), ...fale, porque "entre nós e as palavras/ o nosso dever falar".
Um grande abraço,

joão rasteiro