domingo, 29 de agosto de 2010

ROTAS


Pela primeira vez, o Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, tem a decorrer uma exposição dedicada a um autor português, o que não deixa de causar alguma estranheza. Depois de ter homenageado os brasileiros Guimarães Rosa, Clarice Lispector e Machado de Assis, o museu alberga até 30 de Janeiro de 2011, a exposição "Fernando Pessoa: plural como o universo", é uma rota pela vida e obra do escritor através de textos, música, imagens ou vídeos.
Explica Richard Zenith, especialista na obra do poeta e um dos curadores da mostra, juntamente com o poeta e ensaísta  brasileiro Carlos Felipe Moisés (meu querido amigo, que elaborou o posfácio do meu terceiro livro "Os Cílios Maternos"), e que tem sido um dos maiores especialistas na análise da obra de Pessoa, tendo publicado já em Portugal muita obra sobre Pessoa, inclusive já publicou um belo conto sobre o jovem Pessoa, no livro saído em 2005 no Brasil, "Fernando Pessoa; almoxarifado de mitos" e intitulado "Lisboa: 1893"; mas, como dizia, Richard Zenith afirma que "A viagem marítima é um leitmotiv da exposição" e que "Há o mar do livro Mensagem, o mar tão presente na geografia e na história portuguesa, o mar que tanto marcou a infância e a juventude de Pessoa (fez quatro travessias entre Lisboa e África do Sul) e o mar que é preciso navegar".

Sendo uma exposição profundamente interactiva, onde se pretende que o visitante se envolva fortemente e que seja um absoluto cúmplice, esta é uma exposição onde o azul é a cor predominante da exposição. Nesta, encontramos montadas cinco cabines dedicadas a Fernando Pessoa e heterónimos (Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos e Bernardo Soares) onde poemas ou excertos são projectados. Há ainda uma sexta cabine, intitulada "Eu sou muitos", a qual é dedicada a outras personalidades literárias criadas pelo poeta.
Assim, aproveito a porta aberta da segunda cabine, para recuperar um poema de derivação e/ou glosa ao poema de Alberto Caeiro, "O rio da minha aldeia" de "O Guardador de Rebanhos", que efectuei para uma leitura conjunta do TEATRÃO, em 2008, na Casa Municipal da Cultura de Coimbra.

O silencioso rio da minha aldeia
...........................................A Alberto Caeiro

O Tejo é um rio inseguro
sobre a profusão das águas
vulcânicas
insustentáveis
mas não é um rio imemoriável
revelado
opulento na ferocidade dos líquidos sagrados
sedentos
que correm desvairados o regaço ígneo da minha aldeia.

.......................O

O Tejo tem barcos de metal
sustido no ostentação das trovoadas
despojado da alma das rosáceas
dobrado contra o tempo
que multiplica as órbitas das rotas odoríficas
a velocidade
terrestre dos casulos estranhos de vozes
mapas batendo por dentro
do sangue das cosmogonias das lâminas
que se descobrem rosa no rio que se ignora labareda
no rio que se pertence aberto
às coisas mínimas
primitivas no eco surdo da palavra vulcânica
águas iniciais do rio que incendeia pelos dedos
aplainados
amores da minha aldeia.

......................O

Pelo Tejo ascende-se a desarmonia de Lisboa
das vísceras extremes
ausentes
da carne incendiada de lascas
no silêncio que oculta os girassóis – as silhuetas desnudas
que existem além do rio sagrado
da minha aldeia.

......................O

Sementes de milagres crus
porque rio
morada única que invade as margens
contra o tempo e a carne
o amor e o sangue
a rosa e o substantivo
e
nas veias que correm o rio da minha aldeia
o corpo
a eternidade
o silêncio
de se estar ao pé – a sílaba fecundando o júbilo do Mondego
que corre inócuo o verbo da minha aldeia.
..................................................João Rasteiro
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http://poemasdomundo.wordpress.com/category/fernando-pessoa-alberto-caeiro/

http://pt.wikipedia.org/wiki/Fernando_Pessoa

http://casafernandopessoa.cm-lisboa.pt/

http://www.youtube.com/odeapessoa

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