domingo, 19 de setembro de 2010

HABITAR A POSSIBILIDADE!

Foi recentemente editado um dos mais esperados livros, para mim, de poesia (Cem Poemas), não só por ser um livro de uma das mais extraordinárias "poetas" que já li/lemos, Emily Dickinson, mas também por ter sido organizado e traduzido  por uma excelente poeta, Ana Luísa Amaral, que sobre Dickinson afirma: «Emily Dickinson é a poeta mais fascinante que conheço. O não ter praticamente publicado em vida autorizou sucessivas e revistas edições dos seus versos, espalhando a polémica entre críticos e organizadores. O ter incluído poemas em cartas, o ter falado da poesia como carta e trazido para o corpo das cartas o ritmo, a rima e a música da poesia fez com que dos seus textos uma poeta mais recente escrevesse: “os poemas chamar-se-ão cartas e as cartas chamar-se-ão poemas”. A sua linguagem poética, ao mesmo tempo metafórica e elíptica, sincopada e oblíqua, sem muitas vezes concordância de formas verbais, nem respeito por plurais ou regras de gramática, deixou espaço a que dela se acentuasse o excessivo ofício com a gramática ou se falasse até de uma gramática própria. O seu uso recorrente de travessões, que fragmentam e questionam o verso, permitiu que deles se dissesse serem formas de dispersão da unidade discursiva, ou, sexualizados, uma espécie de hímen-hifen. Tudo isto me fascina em Emily Dickinson. E mais ainda: o ter falado de tudo, misturando Deus com ladrões, aranhas com vassouras, alma com vulcões, sonho com abelhas, gerânios, piscos e trevos; ou o ter examinado a morte e a vida, explorado o amor e o inferno, o êxtase, a mais pura alegria, o sofrimento, a misteriosa energia das coisas todas do universo. Ainda o tê-lo feito numa voz de mulher, aparentemente submissa, de facto poderosa. “Habito a Possibilidade - / Uma Casa mais bela do que a Prosa –“, escreveu. Depois disto, que melhor definição de poesia?» - (Poesia & Lda).

I
Habito na Possibilidade —

Uma Casa mais bela do que a Prosa —
Em Janelas mais numerosa —
Em Portas — superior —


De Quartos como Cedros —
Impregnáveis ao Olhar —
E por Telhado Duradouro
Os Telhados do Céu —


De Visitantes — a mais bela —
Isto — para a Ocupar —
O abrir largo as minhas Mãos estreitas
Para colher o Paraíso —

II
Diz toda a Verdade mas di-la oblíqua —

O Êxito reside no Circuito
Brilhante por demais para nosso enfermo Deleite
A suprema surpresa da Verdade
Como Relâmpago às Crianças oferecido
Num brando explicar
Deve a Verdade aos poucos deslumbrar
Ou cego qualquer um —
.
In Cem Poemas, de Emily Dickinson,
tradução de Ana Luísa Amaral, Relógio d'Água, 2010
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http://www.arlindo-correia.com/180700.html

http://www.algumapoesia.com.br/poesia/poesianet067.htm

http://www.citador.pt/poemas.php?poemas=Emily_Dickinson&op=7&author=202

http://pt.wikipedia.org/wiki/Emily_Dickinson

http://www.biographyonline.net/poets/emily_dickinson.html

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