domingo, 22 de abril de 2012

ROTAS OUTRAS


assim a mão escrita se depura
  .............................................................................Ao Mário Guerra

Um velho caderno moleskine de Herberto
que se julgava uma lenda
maior que o livro do riso de Aristóteles
(é tão bom rirmo-nos de tudo, de nós
dos críticos, de Deus e sobretudo da poesia)
e que presumivelmente encerrava
o manuscrito inédito
“a vida inteira para fundar um poema”
apareceu absolutamente preservado
das manchas de lápis da viarco – hoje
o poeta mantém-se fiel ao fogo
do carvão que inunda o branco de alegria,
 .
este mítico caderno
a que toda a crítica sempre se referiu
e que cada vez mais ia deixando de ocupar
os alucinados sonhos
dos adoradores de poesia
foi encontrado no início do ano pelo mário
neto do antigo merceeiro da rua
quando substituiu o soalho da antiga loja
do avô na rua do salitre,
 .
mas parece que será um caderno falso
e uma acção de propaganda
pois não só o mário quer abrir uma livraria
bastante completa aliás
apenas de livros de poesia – cada livro vendido
será docemente acompanhado
da oferta de um pastel de belém
como apenas na página 31 surge uma mancha


no intemporal branco do moleskine
que diz: “assim a mão escrita se depura”
e alastra o âmago do mundo
mas o mundo de onde se avista a morte.

Ah, e não está escrito a lápis viarco
mas sim por uma lapiseira
e para o poeta o carvão é sagrado
carvão é carvão
que a blasfémia do verbo será sempre
uma "bic cristal preta doendo nas falangetas".
.............................................. João Rasteiro
In, "O sabor dos dióspiros  a Deus pertence" (Inédito)

1 comentário:

r.A. disse...

... e eu que não consigo nem se quer assinar o nome se não for com essa tal bic preta (sorriso com o canto dos lábios). Por isso que sofro? Pois é.

Gostei muito do poema, mesmo de passagem e bisbilhoteiro, não pude deixar de comentar.

r.A.