sábado, 25 de outubro de 2008

Nas margens do Tormes

Agora que o Francisco Curate anda por terras do Tormes, sorrio lembrando-me da minha estadia em Salamanca em 2005, no âmbito do lançamento da bela antologia "Cánticos de la frontera", coordenada pelos poetas e amigos Alfredo Pérez Alencart e António Salvado e das memoráveis leituras efectuadas por todos os poetas na Casa de las Conchas, coloco hoje no blogue um poema publicado por mim na revista "Papeles del Novelty", revista que é editada pelo mais antigo e famoso café de Salamanca, situado na Plaza Mayor, homenageando os Miguéis e naturalmente a extraordinária e mágica Salamanca e a frescura divina do Tormes. A música também é de um amigo Salmantino, o trovador Gabriel Calvo.

Na rota dos faunos
......................A Unamuno e Torga
1.

Em Agosto, a cidade tem o nome acorrentado
à pedra acesa que vislumbra a luz dos poetas,
vieram dos trilhos onde os animais respiram
as juras sagradas da liberdade que aprisiona.
.
2.
Pela tarde, o sol rasga a ferocidade da muralha
obstinada, Tormes cerca, lentamente, enquanto
se vai cerrando o coração das aves e as bocas
da Plaza Mayor. O que as cores embrionárias
alienavam só a palavra alteia nas veias, agora.
Todos os lugares regressam sísmicos, mesmo
a noite que conjectura os olhos das serpentes
com sede. A cidade cega persiste junto à cal.
.
3.
De puro oiro é a cidade, e de pedras que ferem
adornadas as estirpes da Casa de las Muertes, só
o sangue aflora das cânulas dos ancestrais livros
que abrigam o sopro dos sete poemas revelados
pelas fábulas, pela quimera opulenta dos Migueis.
.
4.
E a noite brota a blasfémia das pedras arrosadas,
o assombro das águas, o augúrio das vozes nuas,
o universo absoluto percorrendo a peleja do verbo.
.
5.
Têm agora a idade das pedras, a paixão da sílaba
na arquitectura dos sulcos, aberta sobre o mundo.
...................................................João Rasteiro
In, Papeles del Novelty - Revista de creación y mantenimiento, nº 17, Salamanca, 2008
.
Gabriel Calvo

5 comentários:

Helena Figueiredo disse...

Um poeta desconhecido visita um poeta conhecido e diz-lhe:
Leia o poema “ Funchal “ de Tomas Tranströmer, e viste o meu blogue, vale a pena:
Basta carregar:
http://noreinodacriatividade.blogspot.com/2008/10/funchal.html

Evoé:

L.C.

João Rasteiro disse...

Será um prazer - ler o poema e visitar o seu blog.
Obrigado pela visita, cá o espero mais vezes.
João

Gabriela Rocha Martins disse...

há um pouco do muito

ou a tradução da mística

onde nos perdemos ,achando.nos

SALAMANCA

o outro lado do verso



.
um beijo ,João

Helena Figueiredo disse...

Caro poeta,
e por aqui passo, de novo, hoje com mais tempo para poder ler um pouco da sua poesia que, até há pouco tempo, me era totalmente desconhecida. Dei consigo no triplov, onde também já editei algumas coisas. Pelo que pude ler, penso que há na sua poesia, aquilo que a meu ver tem vindo a faltar na poesia portuguesa dos últimos anos: a força do fogo e da tempestade, mas também da religião. Não falo aqui da religião no sentido ortodoxo, mas antes poético, ou seja, no sentido de religação. Mas não são os verdadeiros poetas pessoas profundamente religiosas? Não terão Novalis e Hölderlin razão? Isto porque passam a vida a procurar, por meio da potência miraculosa da palavra, religar o homem à fonte esquecida que jorra dentro dele?
E já agora se quiser dar uma vista pelo meu blogue, ficarei contente. Inseri mais alguns poemas.

Um abraço:

L.C.

PS
Reparo que entre os seus livros de leitura favoritos se encontra a bíblia. A bíblia que também é um dos meus livros favoritos.
O Cântico dos Cânticos é, a meu ver, um poema fabuloso!
E na música preferida, encontro os Doors. Jim Morrison era também um excelente poeta. Tive o “ prazer de o visitar”, no ano passado, em Paris: Père Lachaise

João Rasteiro disse...

Apenas para dizer que fico extremamente contente pelo seu regresso. Para além disso, as suas palavras sobre a minha poesia deixam-me, naturalmente, muito contente, não pelos elogios/comentários que faz à poesia que escrevo, de certeza exagerados, mas pela atenção que colocou na sua leitura antes de tecer qualquer consideração - sim, porque um dos problemas, para não dizer tragédia da critica em Portugal, é muitas vezes ser notório na própria critica efectuada, a falta de leitura, ou de alguma atenção na leitura feita por esses "criticos".
A Bíblia e especialmente o Cântico dos Cânticos (é urgente ler ou reler Herberto Helder e Fiama Hasse Pais Brandão)são muito importantes para a minha poesia (e não necessáriamente para mim, pelo menos com a mesma importância, ao nível do meu "eu" cidadão). E claro, ainda sempre Doors ou Dylan.
Um grande abraço e naturalmente passarei no seu/vosso blog.
João Rasteiro