quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

FELIZ 2010

XV

.tudo se transmutou no equilíbrio do caos. o mundo acordou sob a vigilância dos modernos alfabetos envoltos num alvéolo de fosforescente metal. e uma recente e definitiva espécie de criaturas que se distanciam dos sonhos da sílaba mística irrompe das galáxias prenhes da lógica dos algarismos. e são empoadas de extraordinárias preeminências biológicas relativamente aos primitivos organismos com coração e lágrimas. agora o pó envolve em espirais de névoa a aniquilada estátua de adriano. a partir dos seus olhos os besouros-do-fumo procuram a visibilidade da cidade. o escaravelho sagrado. aí se bifurca o novo dialecto dos heróis. a profecia dos poetas eclodiu como castigo etéreo.

JOÃO RASTEIRO - In, DIACRÍTICO (Inédito - a publicar em 2010)

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

NATAL

Ser divino, criança cativa
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Tu és ser divino em eterna meia-noite
esse chegar de repente que não esbate ao espanto.
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Tu és ser divino em eterna meia-noite
um não-concebido astro em ventre de bem-querer,
indefinido corpo único de tão temeroso verbo
o que sempre foi esplendor e terá que ser!
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Tu és ser divino em eterna meia-noite
sílaba acesa em que já não desabrocham deuses,
irreconhecível voz de tão recente fábula
a noite que se fracciona em estrelas prenhes de luz!
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Tu és ser divino em eterna meia-noite
carne arrebatada na espinhosa inundação da língua,
inexplicável geografia de tão subtil cântico
esse jogo dos homens em que te devem louvar!
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Deus te proteja, criança cativa da meia-noite
que tudo é noite na imensidão do mundo – e nada mais!
.............................................................João Rasteiro

domingo, 20 de dezembro de 2009

"A Poesia Portuguesa Hoje" - X

Pela 10º e última vez, a publicação dos poetas, pela ordem de inclusão na revista, que incluí na antologia de poesia portuguesa que recentemente organizei para a revista Colombiana ARQUITRAVE (http://www.arquitrave.com/principal.html), hoje, a poeta referenciada, como habitualmente, com dois dos poemas escolhidos para a antologia, juntamente com a respectiva análise critica à sua poesia e que integra o ensaio de introdução da antologia "A Poesia Portuguesa Hoje", é a poeta Catarina Nunes de Almeida:
"(...)a poesia de Catarina Nunes de Almeida, que de alguma forma se situará próxima de uma poesia de forte carga imagética, reflecte o fascínio pela poesia oriental. Nota-se nela um esforço de transparência e simplicidade que a aproxima do género de haikai, numa relação mulher-natureza, sempre mais evocada do que contemplada. Sente-se o objectivo de transmitir “sentimentos”, de alguma forma contraditórios, entre o real e o metafísico, através de um jogo de palavras “especiais”, um jogo assente em termos que são essencialmente da botânica". - João Rasteiro
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Solo

Um dia os nossos gestos serão verdes.
Dormiremos aos pés da terra
nas nossas bocas só os pés da terra
e a folhagem em vez dos meus braços.
Basta um grão de pó na unha
a noite dedilhada no centro do poro
para que eu estenda os seios no deserto
depois da vindima. Entre a pele e as espigas
já não restam reticências – apenas uma escama
com que agasalho o mundo.
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Fusão

I
Quando as amoras estão maduras
a menstruação corre no vale
vinda do teu lado. A noite é uma ponte
deitada sobre as margens da cintura:
lugares de xisto onde repousam
sombras de animais.

II

Por vezes os seios crescem-me no teu peito.
Os dias vêm quando vêm os teus lábios
maçã que mordo entre as pernas.
Todo o nosso corpo é flor mútua
escultura que brotou do mesmo chão
imperfeita.
...............................................C.N.A.
....AMÁLIA (10 anos de saudade) - "Não sei porque te foste embora"

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Espaço Sagrado




................pós-soneto
.............................Augusto de Campos
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....................................................Seu Jorge - "Tive Razao"

http://www2.uol.com.br/augustodecampos/poemas.htm

domingo, 13 de dezembro de 2009

"A Poesia Portuguesa Hoje" - IX

Pela nona vez, a publicação dos poetas, pela ordem de inclusão na revista, que incluí na antologia de poesia portuguesa que recentemente organizei para a revista Colombiana ARQUITRAVE (http://www.arquitrave.com/principal.html), hoje, a poeta referenciada, como habitualmente, com dois dos poemas escolhidos para a antologia, juntamente com a respectiva análise critica à sua poesia e que integra o ensaio de introdução da antologia "A Poesia Portuguesa Hoje", é a poeta Filipa Leal:
" (...)é uma poesia luminosa e em certa medida inumana. Como referiu Eduardo Prado Coelho, ela demarca-se de grande parte da poesia portuguesa que actualmente se vai escrevendo, uma vez que não cultiva “as memórias esparsas, o lirismo difuso, uma certa vulnerabilidade”. Depois das primeiras poesias, de cariz mais confessional, Filipa Leal apresenta agora uma poética mais madura, numa carga simbólica grandiosa na sua relação com a cidade, a natureza, o mundo, que se tornam o quotidiano e a própria pessoa. Ela se estrutura e alimenta com sugestões insistentes de oralidade e um jogo muito sóbrio no uso da metáfora, apresentando-nos uma distorção permanente do uso habitual das frases. E é precisamente essa concisão irradiante das frases que nos deslumbra e arrasta para o poema". - João Rasteiro
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A CIDADE ESQUECIDA

Para o António.
Ela disse: Sou uma cidade esquecida.
Ele disse: Sou um rio.
Ficaram em silêncio à janela
cada um à sua janela
olhando a sua cidade, o seu rio.
Ela disse: Não sou exactamente uma cidade.
Uma cidade é diferente de uma cidade
esquecida.
Ele disse: Sou um rio exacto.
Agora na varanda
cada um na sua varanda
pedindo: Um pouco de ar entre nós.
Ela disse: Escrevo palavras nos muros que pensam em ti.
Ele disse: Eu corro.
De telefone preso entre o rosto e o ombro
para que ao menos se libertassem as mãos
cada um com as suas mãos libertas.
Ela temeu o adeus, disse: Sou uma cidade esquecida.
Ele
riu.
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LINHA FONÉTICA

Era uma linha fonética no vidro.
Linha como árvore obsessiva deste livro,
como linha verdadeira, como página
que se organiza por causa dela.
Linha que não era de comboio, linha sem agulhas
penduradas, sem linha da mão, sem linha
de gente do outro lado da linha, de gente
que quer manter a linha. Linha fria de transparência,
fria de vidro, de janela deitada, de tentativa de poema.
Linha sem o branco da noite nos outros, sem o pó
da noite nos outros. Assim era a minha linha:
linha realmente fonética, absolutamente inalterável.
.............................................................F.L.
..........AMÁLIA (10 anos de saudade) - "Tudo isto é fado"

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

O QUE É A POESIA?

No sábado passado, 05/12/2009, na Casa das Rosas - Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura, em São Paulo ( que abriga também a primeira biblioteca do país especializada em poesia), foi lançada a obra "O que é poesia?", organizada pelo poeta Edson Cruz e da responsabilidade das editoras, Confraria do Vento e Calibán. A obra integra 45 relevantes poetas brasileiros, portugueses (eu, simplesmente me sinto honrado em integrar este magnífico conjunto de poetas) e hispano-americanos em atuação respondendo a essa pergunta simples, mas nem de longe simplória. Surgido como uma provocação em seu blog (SAMBAQUIS), onde Edson Cruz propunha ainda duas outras perguntas (sobre o que um iniciante deveria perseguir e quais textos e autores lhe eram referenciais), o questionário resultou na seleção deste livro que, além de um calidoscópio reflexivo do fazer poético, revela-se um documento vivo do panorama literário contemporâneo, propiciando, inclusive, alguns raríssimos encontros para uma mesma edição.
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Eis os autores nesta edição: Ademir Assunção, Affonso Romano de Sant'Anna, Amador Ribeiro Neto, Ana Elisa Ribeiro, André Vallias, Aníbal Beça, Antonio Cicero, Augusto de Campos, Bárbara Lia, Carlito Azevedo, Carlos Felipe Moisés, Claudio Daniel, Claudio Willer, Eunice Arruda, Fabiano Calixto, Felipe Fortuna, Flávia Rocha, Floriano Martins, Frederico Barbosa, Glauco Mattoso, Horácio Costa, Jair Cortés, João Miguel Henriques, João Rasteiro, Jorge Rivelli, Jorge Tufic, José Kozer, Luis Serguilha, Luiz Roberto Guedes, Marcelo Ariel, Márcio-André, Marcos Siscar, Micheliny Verunschk, Nicolas Behr, Nicolau Saião, Ricardo Aleixo,Ricardo Corona, Ricardo Silvestrin, Rodolfo Häsler, Rodrigo Petrônio, Sebastião Nunes, Tavinho Paes, Victor Paes, Virna Teixeira, Washington Benavides.
No final do post, alguns links que remetem para este evento e respectivo lançamento.

http://sambaquis.blogspot.com/search/label/O%20que%20%C3%A9%20poesia

http://intradoxos.blogspot.com/2009/12/rave-cultural-lancamento-do-livro-o-que.html#links

http://www.poiesis.org.br/casadasrosas/

http://www.confrariadovento.com/editora/livro21.htm

http://www.editoracaliban.com.br/v2/

sábado, 5 de dezembro de 2009

"A Poesia Portuguesa Hoje" - VIII

Pela oitava vez, a publicação dos poetas, pela ordem de inclusão na revista, que incluí na antologia de poesia portuguesa que organizei recentemente para a revista Colombiana ARQUITRAVE (http://www.arquitrave.com/principal.html), hoje, o poeta referenciado, como habitualmente, com dois dos poemas escolhidos para a antologia, juntamente com a respectiva análise critica à sua poesia e que integra o ensaio de introdução da antologia "A Poesia Portuguesa Hoje", é o poeta José Rui Teixeira:

(...)cultiva cada vez mais uma poesia imagética e discursiva, alicerçada na relação do sujeito com o sobrenatural. Como já referiu o próprio poeta, a sua poesia é um lugar habitado por aparições oníricas e fantasmáticas, como memórias difusas, como narrativas subterrâneas ou luminosas, em que Deus paira como na superfície das águas (…), uma poesia neo-simbolista, mitológica e idiossincrática. Uma poesia onde o jogo imagético emerge sempre num presente absoluto que questiona a existência e a transitoriedade da vida. Como refere Pedro Sena-Lino, uma poética com um olhar consciente da transitoriedade do corpo (…), da mecânica do ser e da sua lógica profunda". - João Rasteiro

Os que vão morrer misturam barro
com limalhas e adoecem. O sémen
escorre do interior das mulheres
como se não houvesse promessa
ou manhã nos corpos caídos.
Os que vão morrer adormecem
como se a terra lhes pesasse
desmesuradamente sobre a carne,
como se insectos lhes devorassem
as entranhas. E morrem por amor, creio.

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Os velhos esperam os filhos dos filhos ao meio dia
como se esmagassem a força dos dedos contra
as carótidas e não houvesse tempo de vê-los crescer.
Atravesso a rua ao meio dia. Oráculo do Senhor.
E estremeço com o olhar lânguido da adolescente
que madura o útero na opacidade comovida
da sua juventude. Repito: o coração é um órgão
incendiado. Mas tu disseste-me: não despertes
o que dorme, não agites as águas paradas;
encontrarás Deus nas margens do grande rio
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............................................................J.R.T.

.........AMÁLIA (10 anos de saudade) - Solidão/"Canção do Mar"

http://equinociodeoutono.blogspot.com/

http://bibliotecariodebabel.com/tag/jose-rui-teixeira/

http://www.quasi.com.pt/index.php?manufacturers_id=4307

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

MENSAGEM

O INFANTE
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Deus quere, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quiz que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,
E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.
Quem te sagrou creou-te portuguez.
Do mar e nós em ti nos deu signal.
Cumpriu-se o Mar, e o Imperio se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!
.................................Fernando Pessoa
In, "Mensagem", 10/12/1934, Editora Parceria A. M. Pereira
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http://faroldasletras.no.sapo.pt/poesia_mensagem.htm

http://pt.wikipedia.org/wiki/Fernando_Pessoa

http://users.isr.ist.utl.pt/~cfb/VdS/pessoa.html