domingo, 16 de novembro de 2008

A VIAGEM

José Saramago (n. Azinhaga - Ribatejo, 16 de Novembro de 1922) é ficcionista, roteirista, dramaturgo e poeta, tendo sido galardoado em 1998 com o Nobel da Literatura. Ganhou vários prémios em Portugal e no estrangeiro, tendo em Portugal também ganho o Prémio Camões, o mais importante prémio literário da língua portuguesa. José Saramago é considerado por muita da crítica o principal responsável pelo efectivo reconhecimento internacional da prosa em língua portuguesa. Acaba de ser editado o seu último livro, “A Viagem do Elefante”, provavelmente um dos melhores e talvez o melhor livro que escreveu depois de receber o Nobel.
Sobre a epígrafe do livro, o prémio Nobel da Literatura português sustentou que esta "é muito clara quando diz 'sempre acabamos por chegar aonde nos esperam'". "E o que é que nos espera? A morte, simplesmente. Poderia parecer gratuita, sem sentido, a descrição, que não é exactamente uma descrição, porque é a invenção de uma viagem, mas se a olharmos deste ponto de vista, como uma metáfora, da vida em geral mas em particular da vida humana, creio que o livro funciona", explicou. É novamente Saramago no seu máximo esplendor, restando saber se é mais um livro ou o seu último, como o próprio já se questionou. Do seu livro de poesia, “PROVAVELMENTE ALEGRIA", o poema:
Poema para Luís de Camões
.
Meu amigo, meu espanto, meu convívio,
Quem pudera dizer-te estas grandezas,
Que eu não falo do mar, e o céu é nada
Se nos olhos me cabe.
A terra basta onde o caminho pára,
Na figura do corpo está a escala do mundo.
Olho cansado as mãos, o meu trabalho,
E sei, se tanto um homem sabe,
As veredas mais fundas da palavra
E do espaço maior que, por trás dela,
São as terras da alma.
E também sei da luz e da memória,
Das correntes do sangue o desafio
Por cima da fronteira e da diferença.
E a ardência das pedras, a dura combustão
Dos corpos percutidos como sílex,
E as grutas do pavor, onde as sombras
De peixes irreais entram as portas
Da última razão, que se esconde
Sob a névoa confusa do discurso.
E depois o silêncio, e a gravidade
Das estátuas jazentes, repousando,
Não mortas, não geladas, devolvidas
À vida inesperada, descoberta,
E depois, verticais, as labaredas
Ateadas nas frontes como espadas,
E os corpos levantados, as mãos presas,
E o instante dos olhos que se fundem
Na lágrima comum. Assim o caos
Devagar se ordenou entre as estrelas.
.
Eram estas as grandezas que dizia
Ou diria o meu espanto, se dizê-las
Já não fosse este canto.
.
A flor mais grande do mundo - José Saramago e Emilio Aragón

http://caderno.josesaramago.org/

http://www.secrel.com.br/jpoesia/1saramago.html

http://www.estadao.com.br/arteelazer/not_art270371,0.htm

8 comentários:

Gabriela Rocha Martins disse...

deixar.TE

para lá da palavra

o espanto
de um OLÁ

[terno]




.um beijo

Helena Figueiredo disse...

Embora não sendo grande apreciador do romancista Saramago, nem de romancistas em geral, devo dizer, no entanto que gosto imenso das suas crónicas.
Mas a verdade, diga-se – é o Nobel português, e isso já é alguma coisa. Embora, digo: preferia que tivéssemos um Prémio Nobel poeta, po ex. o A.R.R., mas também o H.H. ou talvez mesmo, porque não, você. A meu ver o João não fica, qualitativamente, atrás dos outros bons poetas contemporâneos portugueses. Isto não é lisonja.
Sabe que o Bob Dylan também já foi nomeado para o Prémio Nobel Da Literatura?

Inseri um novo post no eu blogue ( e da Helena ) CÂNTICOS PARA SALUMITA. Se quiser fazer uma visita:
Será bem recebido.

Um abraço: L.C.

João Rasteiro disse...

Caro Luís, logicamente que também eu gostaria do Nobel entregue a um poeta português, neste caso o Herberto, embora também não ficasse triste, pelo contrário, se ele fosse atribuído ao A. Ramos Rosa.
Relativamente às suas palavras sobre a minha poesia, agradeço, profundamente, mas sem qualquer traço de modéstia, elas são nitidamente exageradas.
Um grande abraço e passarei como já começa a ser normal, pelo seu blog - "No Reino da Criatividade".
João Rasteiro

Helena Figueiredo disse...

Estimado João,

Embora haja em mim uma tendência inata para o exagero, talvez, e até goste imenso de usar a hipérbole, digo-lhe que, naquilo que lhe disse, não há qualquer ponta de exagero.
Embora conhecendo mal a sua poesia, só conheço o que me foi dado a ler até agora neste blogue (no entanto digo-lhe que, assim que me for possível, comprarei alguns dos seus livros. Em primeiro de todos: “ A respiração das Vértebras “. Porquê? Porque o título já é poesia.),
considero-o um poeta excepcional, isto porque se distingue, por aquilo que tenho vindo a ler , da maioria dos poetas da poesia portuguesa de hoje.

Não é preciso escrever-se muito para se ser um poeta excepcional, basta escrever-se dois ou três poemas para que isso aconteça. Kavafys não escreveu muito, mas o que escreveu é excepcional, o mesmo acontece com Tranströmer, com Hölderlin, com Trakl etc.
E porque é que um poeta continua sempre a escrever? A reposta é simples: porque anda à procura do poema par excellence, o poema que o imortalize, poema esse que talvez nunca venha a encontrar.

Outra pergunta: será que Rimbaud ou Lautréamont se teriam tornado nos poetas que hoje são, poetas universais, se não tivessem existido aqueles outros poetas, que se lhe seguiram, e que por eles se interessaram e lutaram, tirando-os do fundo das estantes empoeiradas? Se Philippe Soupault ( e os seus amigos surrealistas ) não tivesse descobrido um exemplar dos “ Chants de Maldoror” esquecido no canto de uma pequena livraria de Paris, na secção de livros de matemática, talvez hoje ninguém falasse em Lautréamont. E no entanto a qualidade desta poesia é inegável. E não foi mais ao menos isto o que aconteceu com Hölderlin, com Pessoa e com outros mais?

O lugar e a fama de um poeta, dependem, muitas das vezes, do interesse que os poetas e intelectuais do futuro lhe dediquem. Não será também o que acontecerá no caso do Prémio Nobel da literatura? Embora aqui, a meu parecer, se trate mais de uma questão política do que propriamente literária.
E Nobel quererá sempre dizer qualidade? E afinal porque é que um Borges, um Ungaretti, um Proust, um Joyce, um Salinas, um Lorca, um Rilke, um Char, um Kafka etc. nunca receberam o Nobel?

Sendo amante incondicional de poesia, e conhecendo muitos poetas, desde os mais desconhecidos até aos mais conhecidos, digo-lhe: a maior parte das vezes os maiores são, precisamente, os mais desconhecidos. Mas a verdade é que se não houver alguém que se interesse por eles, ficarão esquecidos para o resto dos dias, no canto empoeirado de uma estante qualquer.
Isto é o que está a acontecer com Sebastião Alba e com o Luís Miguel Nava, que, a meu ver , são dois dos grandes poetas portugueses dos últimos 20 anos e que pelos seus estilos, tão peculiares, se distinguem da maioria, assim como acontece com um Herberto e um António Ramos Rosa e mais alguns.


Um abraço:

L.C.

João Rasteiro disse...

Caro Luís, só poderei voltar a agradecer as suas prezadas palavras, embora continue a considera-las exageradas em relação à minha poesia.
Relativamente às considerações que tece sobre a poesia e o seu cânone, sobre as raízes que determinam esse mesmo cânone na poesia e literatura em geral, de forma genérica subscrevo-as na íntegra. O centro e as margens são muito expostos a vários factores contextuais e sociológicos (daí os casos de um Borges, um Ungaretti, um Proust, um Joyce, um Salinas, um Lorca, um Rilke, um Char, ou um Kafka por isso a crítica faz e faz-se à custa dos autores. Alguns sobreviverão quase eternamente – ninguém sobreviverá infinitamente, nem Homero, Virgílio, Horácio, Dante, Shakespeare, Baudelaire, Eliot, Heaney ou Camões, Pessoa e Hélder -, e esse, muito poucos, serão aqueles que o tempo se encarregará de julgar de uma forma ou de outra.
E para isso, tanto se pode estar a falar de uma poética abundante (em quantidade), como de uma poética de apenas um só poema, mas que por “ironia dos deuses”, era o tal poema, o poema que mais se aproximava do véu que nos encobre a morte, dessa morte que todos ousamos aceitar como o último esplendor do eco do verbo.
Relativamente ao Sebastião Alba e a Luís Miguel Nava, poeta, ou melhor, poética que me diz mais, que me perturba mais - factor que muito me atrai e inspira (“a perturbação” como condição fundamental de poiésis -, do que Alba, são na verdade dois excelentes poetas/duas excelentes poéticas de língua portuguesa.
Hoje em dia, acho que a poesia tem essencialmente que questionar e questionar-se relativamente ao mundo – eu diria aos mundos -, em que se insere e actua. Que função, que acção ou que movimento de acção em reflexo, poderá ela ter? Será que a poesia e os poetas estão na disposição e possuem a convicção ainda hoje de que a poesia terá de ser cada vez mais acto e não função? Por agora ficamos por aqui, porque como diria João Cabral de Melo Neto: " A poesia não é nenhum instrumento, nenhuma propaganda. A poesia nada resolve. A poesia não é uma coisa útil. A poesia é um mistério amável"
Ou ainda, como diz o poeta brasileiro e meu amigo Ricardo Aleixo: “A poesia não serve para nada, não se compra pão com palavras, mas não se vive sem ela. O dizer poético é a dimensão amplificada da crise do humano. Não acalma. Ao contrário, nos mostra o quanto ao vivo é muito pior”, afirma o poeta, com a maturidade de três décadas rendidas à imperativa necessidade de se expressar através de versos provocativos.
Grande abraço,

João Rasteiro

P.S. – Já agora pode visitar os meus blogues, onde no primeiro encontrará alguns ensaios/dizeres que vão? ao encontro do que se acabou de abordar – no triplov também há 2/3 ensaios que de alguma forma abordam estas questões!!!.

1- http://alapidacaodasilaba.blogspot.com/

2- http://fotoseliteratura.blogspot.com/

Helena Figueiredo disse...

Estimado João,

A poesia deve ser acto e nunca função, porque ao ser função o poeta afasta-se da essência da verdadeira poesia, ou diria, trai-a, tentando-a usar como um instrumento técnico, a seu belo prazer. Ora a meu ver não há coisa mais falsa do que isso. Para essas incursões temos a prosa.
A poesia será deste modo a forma de linguagem mais próxima do ser. Esta linguagem cria o seu próprio código. E embora usando-se da linguagem do dia-a-dia a poesia diz sempre outra coisa, fala-nos dentro do tempo e para lá do tempo.
Como Adonis diz:

A poesia “ traz consigo a invenção de novas relações insólitas entre as palavras, a invenção de novas relações entre palavra e objecto dentro ou fora dele. É , sobretudo, a tentativa de captar aquilo que não é racionalmente possível, visto que a poesia, sobretudo a lírica, representa uma forma de violação; ela procura obrigar a língua a dizer aquilo que a prosa usual jamais será capaz de exprimir “

E Já agora cito também José Ángel Valente:

“ a palavra poética, quando ela realmente se nos revela e nós realmente a recebemos, convida-nos a entrar no território da mais extrema interioridade. Lugar do Não-lugar, caverna, matrix, materia mater, matéria da memória, material da memória. “

O poeta deve ser o humilde servidor da poesia e nunca o seu usurpador. No entanto, embora concordando com a primeira parte da frase de João Cabral de Melo Neto, já não concordo tanto com a segunda. Dizer que a poesia é um “ mistério amável “, é a meu ver pouco, muito pouco, diria mesmo é empobrecê-la. A poesia sendo mistério é também perturbante e por isso quanto a mim revolucionária a nível espiritual. E que coisa mais provocante pode haver, num mundo todo virado para o lucro e o hedonismo como o nosso do que poetar? Do que sentir o fogo das palavras de um poema de Herberto Helder, ou a lacónica clareza de um Kavafis? Perguntarão os homens do dia-a-dia: afinal que fim tem a poesia, que sentido prático ou lucrativo? Porquê afinal escrever poesia? Mas poderão eles algum dia compreender isso? Eles vêem na poesia um simples jogo, uma espécie de passatempo para crianças, um negócio absurdo. Não é já isto uma forma de provocação, por parte da poesia, não é já isto, uma forma de revolta contra o mundo do pragmatismo materialista? O Homem do dia-a-dia desconfia disto, desconfia do poeta, ele olha a poesia de lado. Talvez a poesia seja mais perigosa do que pensamos, dirá ele. Talvez seja o último lugar onde o homem ainda é homem, diremos nós, pois é nela que o homem testemunha aquilo que é, pois é nela que ele se expõe nu, sem máscaras, morais ou hipocrisias. No universo poético tudo tem o direito de ser: o homem, a terra e os animais encontram-se ao mesmo nível, olhos nos olhos, filhos do grande princípio universal que arrasta tudo com a sua poderosa e violenta corrente. Chegado aqui o homem prático sente-se perdido, chegados aqui, o poeta que há dentro do homem acorda-se. Entregue à corrente do uno universal o homem canta, pois que mais lhe resta agora senão cantar? É neste momento que o cântico se intensifica, que as portas de um outro mundo se nos abrem, as portas da percepção. o outro lado das coisas, sempre presente, que no dia-a-dia da sua labuta faminta de poder e êxito o homem tende a esquecer. O homem atravessa as fronteiras de si mesmo, torna-se num deserto, um habitante do império dos ventos.
Sim, a meu ver a poesia não é um “ mistério amável “, ela é, isso sim, um mistério violento e perturbante que pode fazer estremecerr os corações dos homens. E cito Hölderlin:
“ Mas o que fica,
É fundado pelos poetas”
Ou ainda:

“ Mas, dizes tu, os poetas são como o santos padres do Deus do vinho

Que seguem de terra em terra pela noite santa. “

E para terminar Char:


« La réalité sans l’énergie disloquente de la poesie, qu’est ce? «


PS

Prezado João desculpe todo este palavreado, mas quando falo de poesia incendeio-me.

Um abraço firme:

L.C.

Helena Figueiredo disse...

Caro João,

se encontrar alguns erros ortográficos, desculpe-me pois escrevi num jacto.

Um abraço:

L.C.

João Rasteiro disse...

Lido e relido.
Grande abraço Luís.

João Rasteiro