(...)Entontece meu hálito com a sombra,
tua boca penetra a minha voz como a espadase perde no arco.E quando gela a mãe em sua distância amarga, a luaestiola, a paisagem regressa ao ventre, o tempose desfibra - invento para ti a música, a loucurae o mar.
*
Toco o peso da tua vida: a carne que fulge, o sorriso,a inspiração.E eu sei que cercaste os pensamentos com mesa e harpa.Vou para ti com a beleza oculta,o corpo iluminado pelas luzes longas.Digo: eu sou a beleza, seu rosto e seu durar. Teus olhostransfiguram-se, tuas mãos descobrema sombra da minha face. Agarro tua cabeçaáspera e luminosa, e digo: ouves, meu amor?, eu souaquilo que se espera para as coisas, para o tempo -eu sou a beleza.Inteira, tua vida o deseja. Para mim se erguemteus olhos de longe. Tu própria me duras em minha velada beleza.
*
Então sento-me à tua mesa. Porque é de tique me vem o fogo.Não há gesto ou verdade onde não dormissemtua noite e loucura,não há vindima ou águaem que não estivesses pousando o silêncio criador.Digo: olha, é o mar e a ilha dos mitosoriginais.Tu dás-me a tua mesa, descerras na vastidão da terraa carne transcendente. E em tiprincipiam o mar e o mundo.
(...)
Herberto Helder - O Amor em Visita
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