quarta-feira, 28 de outubro de 2009

"Achar sem nunca achar o que procuro"

Portugal

1.
Morreu meu país de sol.
A sua própria geometria. Oblíqua. Prostrada e nua.
Sobre a rotação dos sonhos que se resgatam.
Todas as noites sua ausência se repete
unívoca com sua minúcia celeste no corpo
amplo da neve que anseia a lágrima.
Eu questiono,
mais do que a ausência e mais do que desbaratar
o assombro do assombro
nas margens do vento, a luz tem agora a idade
do mundo bebendo o silêncio, a escuridão
dobrada para si em esplêndida violência.
O medo de ansiar reinventar as ínfimas raízes
do sol em seu regaço – assim, o que será
a morte da fantasia?

2.
Questiono-te, meu país: o que será a morte
da fantasia, a clara hegemonia dos corações tristes
sob os gritos das aves, encontraste o precipício
que procuraste em teu perplexo e altivo desvario?
Encontraste a desumana melancolia da concisão
das águas nas virilhas do remorso de Abril
ou repousas suspenso e gemes sobre o solstício
da boca atulhada em sangue primordial,
o verbo imperceptível ao poema,
o nevoeiro que arqueja ainda em Alcácer Quibir?
Onde se perdem as crias da gestação mais dura,
do total desamor dos seres que concebiam
as vozes puras das vísceras fecundas,
uma cobra de cabeça cristalina desposa os quadris
oprimidos e aspergidos de um país ausente,
que já não impulsiona o impetuoso encantamento
da utopia, os sonhos acesos dentro do tempo?

3.
Questiono-te, meu país: agora, se algumas
coisas são os mortos aprisionados nas estrofes
de Camões, cânticos como se só a poesia
fosse estrela de oiro intacta,
ou se só a utopia fosse um desmesurado verbo
numa espécie de batalha silenciosa
que compreende tudo o que os deuses
e as ninfas traiçoeiras no roteiro dos imensos mares
do sul, não podem realizar tudo o que elas
guardaram sob os seios onde os cravos dão flor,
como um oceano fechado secando
o esquecimento que nenhum oceano detém.
E o meu louco desejo é o trilho salgado
que ficou das gaivotas. O uivo de um navio
onde agora o olhar se perde e era o infinito.
Estas esquivas modelações do tempo: os sonhos
selvagens de um país onde começo.

4.
Morreu meu país de sol.
Eu partirei para qualquer pais de sol. Onde não é.
Onde não subsista a infinita solidão da sílaba muda,
o corpo exacto para lhe ser sangue e flor
e aves alucinadas por entre os mastros de bronze.
O sonho do verbo. Um outro sonho de terra,
ténue, o vulto encoberto de outro canto.
Um novo eclipse no âmago do mundo,
ao fundo do coração. Há-de emergir um país
na visão feroz do rosto dos deuses.
Iminente, em insondável ilusão. Onde não é.
..................................................João Rasteiro

1 comentário:

Gabriela Rocha Martins disse...

extraordinário poema .... e se ,por acaso ,encontrares esse lugar ao sol ,reserva.me um lugar - não ocupo muito espaço ,prometo!



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um beijo,
na opacidade de um País sonhado