domingo, 2 de maio de 2010

VISÃO TOLD(O)ADA

Surgiu recentemente de forma avassaladora, surpreendente e polémica, a obra de um "novo" poeta chamado Joaquim Manuel Magalhães, intitulada Toldo Vermelho. Por acaso há quem veja nele indícios de um outro poeta, infelizmente "já falecido", que também se chamava Joaquim Manuel Magalhães.
Confusão, brincadeira, provocação? Na verdade, se Toldo Vermelho termina com a seguinte nota: “Este volume constitui a minha obra poética até 2001, a que acrescento um poema publicado em 2005. Exclui e substitui toda a anterior”, estamos então na presença de um novo poeta!
A verdade é que, se é perfeitamente legitimo tal acto, uma vez que Joaquim Manuel Magalhães é para o bem e para o mal (infelizmente, penso que para o mal) dono e senhor da sua obra, logo poderá fazer dela o que bem entender (mesmo querer apagá-la), só na sua imaginação (ou falta dela) ou mente told(o)ada, poderia ser concebida a ideia de "apagar" aquilo que existe, que está aí, nas bibliotecas, nas casas particulares, nos livros, nos poemas e essencialmente, na influência em vários poetas, não esquecer que o autor se afirmou como a figura tutelar de uma corrente estilística que ao longo das últimas décadas (vide Manuel de Freitas, Rui Pires Cabral, Ana Paula Inácio e outros) se tornou algo central na poesia portuguesa: o prosaísmo e um discurso poético-narrativo assente na permanente olhar e atenção ao quotidiano. Assim, estes poetas em autêntica angústia questionam: se me influenciei em um poeta/poética que não existe/não deverá existir, então a minha poética existe?). Como já comentou o poeta Luís Quintais: "Terá agora Manuel de Freitas ficado órfão?"
Negar livros anteriores ou rescrever e depurar a obra de forma continuada, não é novo, Herberto Helder fá-lo permanentemente, mas, em um Toldo Vermelho, Joaquim Manuel Magalhães nega e estupra, de forma absolutamente radical e violenta toda a sua obra poética desde os anos 70 até ao início deste milénio. O problema surge, quando esta reescrita manifesta não a correcção do gesto, não a renovação do corpo, mas o deliberado refazer de toda a estrutura, num quase sacrilégio iconoclasta. Sim, porque agora, a ilegibilidade das vozes do corpo é quase totalitária.
Certamente haverão de aparecer críticos a louvar esta obra e sua reescrita. O seu conteúdo atingiu um tal grau de ininteligibilidade que, para uns, vai ser complicado atacá-la e, para outros, vai ser delicioso elogiá-la, sendo certo, que será o próprio tempo a determinar se estamos perante um acto de loucura, ou um acto de génio!
Como diria a D. Zulmira, a vizinha a quem fazia os recados na minha aldeia, andou um tal de Joaquim Manuel Magalhães a trabalhar a linguagem uma vida inteira, a alimentar-se no fogo infinito da poesia, para agora, vir este Joaquim Manuel Magalhães mais velho (que não mais sábio) e simplesmente arrasar tudo como bomba atómica, numa espécie de automutilação, entregando-se "à feroz acção de deuses nos vulcões, / ao odor sacrílego de alquimistas mortos" (J.M.M.). De Toldo vermelho, dois poemas:
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O balneário,
toalha revolta.
Tensa na súplica.
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Eco, fivela, gume.
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Recolhe o júbilo dos invólucros de látex.
Na sujidade
a fita adesiva um afago.
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Bolça-os à fornalha
nauseabunda,
doma o clamor bonançoso,
incinera.
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Cadinho hermético,
operário do soturno.
....................Joaquim Manuel Magalhães
Segundo livro de "Um Toldo Vermelho" (2010)
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http://bibliotecariodebabel.com/geral/cinco-poemas-de-joaquim-manuel-magalhaes/

http://poesiaseprosas.no.sapo.pt/joaquim_manuel_magalhaes/poetas_jmmagalhaes01.htm

http://poesiailimitada.blogspot.com/2010/03/joaquim-manuel-magalhaes_01.html

http://www.dglb.pt/sites/DGLB/Portugu%C3%AAs/autores/Paginas/PesquisaAutores1.aspx?AutorId=8502

3 comentários:

Maria João disse...

Julgo que este "novo" poeta matou o outro, devido a um ataque de pânico. Pânico de ser compreendido. Pânico de não ser considerado um bom poeta, se não for exageradamente hermético. E este transtorno não pode ser tratado com medicamentos nem psicoterapia.
Obrigada, João, pela lucidez desta crítica e pelos bons momentos que ela me proporcionou. :0)

Um abraço
Maria João Oliveira

Gabriela Rocha Martins disse...

está bem ,pronto...... e mais não digo .... porque se dissesse ou me matavam ou interditavam


fico pela minha normalidade (in)sana




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um beijo

João Rasteiro disse...

Sejam bem aparecidas meninas gabriela e maria joão. Eu sei que me arrisco, ou à indiferença, ou à mais dura crítica, tendo em conta os comentários que por vezes faço aqui - mesmo se eles muitas vezes resultam de leituras efectuadas, também já ao nível das críticas de outros aos textos ou poetas mencionados. Se concordo com essas críticas e acho que também as devo subscrever...aí vou eu...depois, seja o que deus quiser. Mesmo se a indiferença. Por isso, a vossa visita e comentários é muitas vezes um autêntico bálsamo. Para as duas, um grande beijinho.

joão