sábado, 19 de janeiro de 2008

As mãos e os frutos

Faz hoje 85 anos que nasceu José Fontinhas, conhecido no meio literário como Eugénio de Andrade.
Eugénio de Andrade (Fundão, 19 de Janeiro de 1923 — Porto, 13 de Junho de 2005) foi um poeta português que, em 2001, ganhou o Prémio Camões, o nobel para a língua portuguesa.
Estudou no Liceu Passos Manuel e na Escola Técnica Machado de Castro, tendo escrito os seus primeiros poemas em 1936, o primeiro dos quais, intitulado "Narciso", publicou três anos mais tarde.
Em 1943 mudou-se para Coimbra, onde regressa depois de cumprido o serviço militar convivendo com Miguel Torga e Eduardo Lourenço. Tornou-se funcionário público em 1947, exercendo durante 35 anos as funções de inspector administrativo do Ministério da Saúde. Uma transferência de serviço levá-lo-ia a instalar-se no Porto em 1950, numa casa que só deixou mais de quatro décadas depois, quando se mudou para o edifício da Fundação Eugénio de Andrade, na Foz do Douro.
A sua consagração já acontecera dois anos antes, em 1948, com a publicação de "As mãos e os frutos", que mereceu os aplausos de críticos como Jorge de Sena ou Vitorino Nemésio. Entre as dezenas de obras que publicou encontram-se, na poesia, "Os amantes sem dinheiro" (1950), "As palavras interditas" (1951), "Escrita da Terra" (1974), "Matéria Solar" (1980), "Rente ao dizer" (1992), "Ofício da paciência" (1994), "O sal da língua" (1995) e "Os lugares do lume" (1998).
A sua poesia caracteriza-se pela importância dada à palavra, quer no seu valor imagético, quer rítmico, sendo a musicalidade um dos aspectos mais marcantes da poética de Eugénio de Andrade, aproximando-a do lirismo primitivo da poesia galego-portuguesa ou, mais recentemente, do simbolismo de Camilo Pessanha. O tema central da sua poesia é a figuração do Homem, não apenas do eu individual, integrado num colectivo, com o qual se harmoniza (terra, campo, natureza - lugar de encontro) ou luta (cidade - lugar de opressão, de conflito, de morte, contra os quais se levanta a escrita combativa).
A figuração do tempo é, assim, igualmente essencial na poesia de Eugénio de Andrade, em que os dois ciclos, o do tempo e o do Homem, são inseparáveis, como o comprova, por exemplo, o paralelismo entre as idades do homem e as estações do ano. A evocação da infância, em que é notória a presença da figura materna e a ligação com os elementos naturais, surge ligada a uma visão eufórica do tempo, sentido sempre, no entanto, retrospectivamente. A essa euforia contrapõe-se o sentimento doloroso provocado pelo envelhecimemto, pela consciência da aproximação da morte (assumido sobretudo a partir de Limiar dos Pássaros), contra o qual só o refúgio na reconstituição do passado feliz ou a assunção do envelhecimento, ou seja, a escrita, surge como superação possível. Ligada à adolescência e à idade madura, a sua poesia caracteriza-se pela presença dos temas do erotismo e da natureza, assumindo-se o autor como o «poeta do corpo». Os seus poemas, geralmente curtos, mas de grande densidade, e aparentemente simples, privilegiam a evocação da energia física, material, a plenitude da vida e dos sentidos.
Em prosa, publicou "Os afluentes do silêncio" (1968), "Rosto precário" (1979) e "À sombra da memória" (1993), além das histórias infantis "História da égua branca" (1977) e "Aquela nuvem e as outras" (1986). Recebeu inúmeras distinções, entre as quais o Prémio da Associação Internacional de Críticos Literários (1986), Prémio D. Dinis (1988), Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores(1989), atribuído a O Outro Nome da Terra (1988), e com o Prémio de Poesia Jean Malrieu, por Branco no Branco (1984). Recebeu ainda, em 1996, o Prémio Europeu de Poesia. Em 2001 obteve o Prémio Camões. Foi criada, no Porto, uma fundação com o seu nome.
Em prosa, publicou "Os afluentes do silêncio" (1968), "Rosto precário" (1979) e "À sombra da memória" (1993), além das histórias infantis "História da égua branca" (1977) e "Aquela nuvem e as outras" (1986).
Apesar do seu enorme prestígio nacional e internacional, Eugénio de Andrade sempre viveu distanciado da chamada vida social, literária ou mundana, tendo o próprio justificado as suas raras aparições públicas com "essa debilidade do coração que é a amizade". Obteve sem dúvida um lugar destacado na poesia portuguesa contemporânea.A respiração entre as mãos e os frutos. As Amoras
O meu país sabe as amoras bravas
no verão.
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país, talvez
nem goste dele, mas quando um amigo
me traz amoras bravas
os seus muros parecem-me brancos,
reparo que também no meu país o céu é azul.
Eugénio de Andrade

Sem comentários: