quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

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Quebrada está a memória, podia ser Janeiro já que a geada e as laranjas se agarravam às árvores como um amor híbrido que juntas se amam à distância. O amor é feito contra todos, e por um só, e depois pelo outro, ainda só; de cada vez, sempre em círculos azuis, um jogo sob as árvores, só. E nos ramos e folhas aquecidas surge o enigma das mágoas.
Os pomares não voltarão a ver acariciados os antigos cachos de ouro e marfim. Bebia-se o vinho e a água da aldeia dos homens. E a sede era o coração tecendo as ramadas de um sangue mais salgado e campestre, de um sangue profundo e sumptuoso que por vezes cheirava a rosmaninho. E nas tardes de trovoada, no eco venerável das trindades, os corpos entontecidos regeneravam-se na ternura das ribeiras que lavavam a solidão dos corpos.
É assim quando se vem de longe, dos espaços cegos por entre ramadas de pedra e granito impuro, de constelações de fluxos e refluxos alucinados de linguagens geladas, de corações espalhados sob depósitos de larvas à procura das aldeias lácteas, lugares ateados na limpidez do seu desesperado exercício de ecos. Nem centro, nem berma, apenas a incisão das arestas.
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Fecha-se a paisagem na direcção dos campos inaugurados. A memória levanta-se. Cada imagem é o segredo de outra imagem – e eu abro-me a cada uma delas em oferenda. É preciso reinventar de novo a paisagem e demarcar os campos onde os amieiros são retalhados, refulgindo luz. O que procuro é a árvore que fica quando a longa tempestade se afasta pela insídia.
In, O Búzio de Istambul - 2008
João Rasteiro

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