segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Cesário Verde

Faz hoje 153 anos que nasceu em Lisboa um dos maiores poetas portugueses e um dos grandes nomes da história da literatura portuguesa - Cesário Verde.
Poeta falecido com apenas 31 anos, deixou-nos uma obra (O Livro de Cesário Verde, 1887) onde emerge de forma bastante original o sentimento da modernidade oitocentista, ao modo de Baudelaire e dos parnasianos, perceptível na expressão lírica acompanhada da crítica poética dos seus exageros sentimentais e dos lugares comuns da sua retórica, tendo como objectivo detectar e revelar a poesia da matéria trivial e corrente, e assentando numa elaboração formal cuidada e cheia de inovações uma poesia que veio a ser admirada, entre outros, por Fernando Pessoa.
Para Cesário Verde ver é perceber o que se esconde na realidade, é captar as impressões que as coisas lhe deixam e, por isso, percepcionar o real minuciosamente através dos sentidos e refletir essa mesma impressão que o exterior deixa no interior do sujeito poético. Ou seja, o real exterior é apreendido de forma absoluta e directo pelo mundo interior que o interpreta e recria com profunda nitidez, numa atitude de captação do real pelos sentidos, com predominância dos dados da visão: a cor, a luz, a sombra, o recorte e o movimento . É essencialmente uma poetização do real na sua plena essência.
"A sucessiva actualidade da sua poesia deve-se, por um lado, à intemporalidade própria de toda a grande poesia (se a intemporalidade da arte não é uma ilusão) e, por outro lado, à forte originalidade que a caracteriza, em parte procurada intencionalmente ou resultante de influências assimiladas de forma muito pessoal (de Baudelaire, por exemplo), noutra parte, e sobretudo, devido à própria índole poética do autor, "frio, pausado, calculista, como todas as organizações criadas [no] meio comercial", refractário à abstracção e às expansões líricas, pouco espontâneo como artista, escrevendo mesmo com dificuldade ("não sei executar o que concebo e para o meu pulso a coisa mais pesada é uma pena") e ao mesmo tempo dotado de um "gosto literário muito exigente". Tais predicados fizeram dele um "artista muito lúcido, com invulgar consciência crítica" (Jacinto do Prado Coelho - in Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, Vol. II, Lisboa, 1990).
DE TARDE
Naquele pique-nique de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.
.
Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.
Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, inda o Sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão-de-ló molhado em malvasia.
.
Mas, todo púrpuro a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas!
Cesário Verde

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