sábado, 2 de fevereiro de 2008

"Um beijo no centro do coração"

O Instituto Politécnico de Leiria organizou o II Encontro de Escritores de Língua Portuguesa. Subordinada ao tema “A escrita e a cidadania”, esta iniciativa que decorreu nos dias 24 e 25 de Janeiro de 2008, no auditório da Escola Superior de Tecnologia e Gestão, em Leiria pretendeu acolher autores de expressão portuguesa de várias nacionalidades e continentes, tendo contado contando com a presença de cerca de duas dezenas de prestigiados escritores, não só portugueses, mas também provenientes de países como o Brasil, São Tomé e Príncipe, Angola e Cabo Verde. Destaco entre outros, a participação de António Torrado, Vasco Graça Moura, Ana Maria Magalhães, Rui Zink, Carlos Pinto Coelho ou Nuno Júdice, e no panorama Afro-lusófono, Ana Maria Machado, Ruy Duarte de Carvalho, Olinda Beja ou Corsino Fortes
E foi precisamente com Corsino Fortes, poeta maior da língua portuguesa, e com quem estive pessoalmente pela primeira vez, que confraternizei e sobretudo aprendi. E, sobretudo, fiquei profundamente admirado, por Corsino Fortes me referir o facto de já algum tempo tentar saber quem era este humilde escriva, só pelo facto de ter tido acesso a um pequeno ensaio - "CORSINO FORTES e JOÃO CABRAL de MELO NETO ou OS ARTÍFICES da PALAVRA" - que elaborei para a cadeira de Lietraturas Africanas II, ensaio que logicamente possui determinados "defeitos" e condicionalismos inerentes ao seu objectivo, mas que de alguma forma terá agradado ao poeta, que o leu no site. (www.TRIPLOV.COM).
Corsino Fortes, esposa e João Rasteiro
Corsino Fortes nasceu na Ilha de São Vicente, em Cabo Verde, em 1933. Formou-se em Direito (em Lisboa), fez parte de alguns governos de Cabo Verde e foi embaixador em Lisboa. De 2003 a 2006, foi Presidente da Associação dos Escritores de Cabo Verde. Tem vários livros publicados, entre os quais Pão & Fonema, Árvore & Tambor e Pedras de Sol & Substância. Em 2002 é editada então a antologia (integra as 3 obras já mencionadas) A cabeça calva de deus.
Como refiro no ensaio, "CORSINO FORTES é sem sombra de dúvidas uma das maiores vozes da poesia em língua portuguesa das últimas décadas. É inegável, que a osmose e a identificação entre o Poeta e a Palavra, entre a Palavra e a consciência nacional, ou sentido de Pátria, é não só um facto, mas o facto capital da sua poesia. Para Corsino, na sua poesia, embora escrita e "cantada" em Português, todo o "material e/ou mobiliário" deverá ser, é, de identificação Cabo-Verdiana, na sua fatia universal, da sua experiência humana, da sua coexistência, do seu conteúdo e podendo-se inclusive afirmar, da sua semântica".
Por isso, reafirmo, de que "é nesse contexto que o primeiro livro, Pão & Fonema, da trilogia A cabeça calva de Deus, que incorpora também Árvore & Tambor e Pedras de Sol & Substância, procura de forma emblemática e até de forma telúrica, expressar essa luta titânica de afirmação do homem cabo-verdiano, entre a secura do céu e a cabeça calva da Ilha".
A Cabeça calva de Deus
apresenta-se-nos como uma trilogia fundacional e épica da história do país, e que nos revela com o último livro, fundamentalmente, a vertente arqueológica e cultural, ao executar nos três cantos a substância solar da criatividade cabo-verdiana, nas suas múltiplas vertentes, quer seja ao nível musical, pictórica, literária, política, etc, que ductilizam a dureza mineral das ilhas no paciente requebro nostálgico da morna, na ordem compassada do rondó, ou no ritmo agitado e harmónico da antiga mazurca ou do funaná. (www.TRIPLOV.COM).
"A sua poesia é assim, uma poesia fundacional e da identidade, condensando o universo Cabo-Verdiano, configurado num percurso que vai da anunciação da libertação do país(primeira fase), passando pela sua exaltação(segunda fase) e acabando na sua mitificação". (www.TRIPLOV.COM).(...)
Da antologia, A Cabeça calva de deus, três poemas exemplificativos, não só do que afirmei no ensaio referido, mas e essencialmente o espelho de que Corsino Fortes, que nutre um admiração profunda por outros dois grandes da poesia em língua portuguesa, Cesário Verde e João Cabral de Melo Neto, é o artíficie que trabalha a palavra como o moldador do fogo, é sem qualquer dúvida um dos poetas mais poderosos no trabalho da linguagem poética em língua portuguesa. O poeta em diálogo e interacção perante o mundo (ou o “seu mundo”), perante a palavra, perante o “poder da palavra e da linguagem”, sempre com um objectivo essencial e permanente: FAZER!

A cabana oca de vocábulos
I
Agosto arranca as âncoras do deserto
Depondo-as
....................................Às portas do povoado
Setembro cresce ossos & ventre
E da barriga de Outubro
................................Ouvia-se
O crocitar das sementes da erosão
Aqueles que sem embargos do sétimo dia
Partem do umbigo das três ribeiras
Trazem no enlaço dos destinos
A cana-de-açúcar como oxiúros
Quem não ama? os navios loucos da minha aldeia
Abalroam na planura! nos baixios
..................................Os casebres da vizinhança
À procura de mastro & oceano no olho das salinas
De Boca a Barlavento I
Esta
.........a minha mão de milho & marulho
Este
.........o sól a gema E não
.........o esboroar do osso na bigorna
.....................................................E embora
O deserto abocanhe a minha carne de homem
E caranguejos devorem
..........................esta mão de semear
Há sempre
Pela artéria do meu sangue que.g
......................................o
......................................t
......................................e
......................................j
......................................a
.............................De comarca em comarca
A árvore E o arbusto
Que arrastam
As vogais e os ditongos
...................para dentro das violas
ILHA
Sol & semente: raiz & relâmpago
Tambor de som
Que floresce
A cabeça calva de Deus.
Corsino Fortes

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