terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Esquírolas

Os cães eram mudos e deu com eles por
acaso, farejando relógios de areia.
Naquela terra árdua havia ainda o enigma
dos homens e do seu alfabeto traído.

Podia pensar-se num simulacro. Era apenas
método. A obstinada construção de uma vontade
sem objecto.
Teria voltado fosse como fosse.

Antes de nós outros tentaram.
Muitos não sabem que viagem alguma
se repetirá. Toda a demanda é vã.
Aquele muro não está ali


por acidente. Sequer a gosto de qualquer
feitor com inclinações pré-rafaelitas.
A manhã tinha ficado parecida com um pedaço
de vidro e era nítida a evidência de desastre.

Toda a noite a luz multiplicou
o instantâneo de um rosto intraduzível.
Esquiva, a tua morte não escapou
à ladainha de regra.


Correu uma versão torpe quando
te viram a sorrir
uma ironia de druida clandestino,
indiferente à voragem dos bárbaros.

Doloroso compasso de espera
este de auscultar
os dias que nos ficaram
para habitar.


Somos uma fauna inóspita,
uma raiz tentacular
árida e seca
como a sede.
Eduardo Pitta
http://www.eduardopitta.com/Poemas.html

sábado, 26 de janeiro de 2008

A educação pela pedra I

João Cabral de Melo Neto é um dos maiores nomes da história da literatura brasileira. João Cabral, apresenta-nos uma poesia que é um marco dentro da poesia em língua portuguesa. A sua obra desencadeou uma revolução formal das mais importantes na história da poesia brasileira e até da poesia em língua portuguesa. Ela representa a maturidade das conquistas estéticas mais radicais do século XX. Em 1980, o poeta afirmava: "A poesia funciona como um pêndulo. Numa hora oscilou para o rigor e eu coloco aí o concretismo e a práxis. Agora o relógio vai noutra direcção (...). Parece que as pessoas criam em dois minutos, de um só jacto, e que não têm paciência de ler". João Cabral, opondo-se ao principal curso da poesia brasileira, sempre sentimental, retórica e ornamental, constrói uma poesia "não-lírica", não confessional, presa à realidade que o cerca e essencialmente dirigida ao intelecto.(...)Para João Cabral, o acto de escrever consistiu sempre, num trabalho imenso de depuração, as palavras sempre saboreadas e seleccionadas pelo seu "sabor" e "peso", não podendo "boiar" sem norma e/ou reflexão(...) - CORSINO FORTES e JOÃO CABRAL de MELO NETO ou OS ARTÍFICES da PALAVRA, João Rasteiro - http://www.triplov.com/
Tecendo a manhã
1.
Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito que um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
2.
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.
QUESTÃO DE PONTUAÇÃO
1.
Todo mundo aceita que ao homem
cabe pontuar a própria vida:
que viva em ponto de exclamação
(dizem: tem alma dionisíaca);
2.
viva em ponto de interrogação
(foi filosofia, ora é poesia);
viva equilibrando-se entre vírgulas
e sem pontuação (na política):
3.
o homem só não aceita do homem
que use a só pontuação fatal:
que use, na frase que ele vive
o inevitável ponto final.
João Cabral de Melo Neto
http://triplov.com/poesia/joao_rasteiro/Corsino-Fortes/Joao-Cabral-busca.htm
http://pt.wikipedia.org/wiki/Jo%C3%A3o_Cabral_de_Melo_Neto
http://www.casadobruxo.com.br/poesia/j/joao.htm

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Entidade Superior

Explicação de deus enquanto pedra

Fulmina-me, atravessa o meu corpo com as tuas lâminas
o amor não és tu, nunca o serás no mundo das rupturas!
Não te compadeças de mim, escuta o meu desafio justo
que vai subindo irado no reverso corpóreo das bocas,
olha-me nos olhos húmidos dos cães raivosos de frechas.

Ao pé do teu divino reflexo a tua covarde indiferença,
olha estas incisões esquivas como monstros em chamas
entre as cidades invisíveis e a morte discerne da sílaba.

Já contra a carne para embeber as tuas dúvidas, a loucura,
a mentira, a injúria, vozes num espaço opaco, cuja traição
só tu serias capaz de moldar como tributo em todos nós
- digo que todo o teu santo nome é repudiado sob as algas.

Se as tuas generosas dádivas se fincassem como ofício puro
a tua memória seria amaldiçoada esconjurada entre o pó
como um eco, pesadelo longínquo dos homens primitivos.


Ergue-se por fim a nuvem a melancolia intangível do verbo
a hegemonia transitória da sombra que te oculta dos mortos.
E agora é o aperto dos dedos que abatidos se acorrentam.

A pedra está dobrada sobre si mesma, transbordante de luz
como se desabrochasse nos abismos profusos da cegueira.

Quero emergir sob a glória da minha guerra. Mas a pedra
está despida por dentro, o coração – então morrerei solitário.
João Rasteiro





sábado, 19 de janeiro de 2008

As mãos e os frutos

Faz hoje 85 anos que nasceu José Fontinhas, conhecido no meio literário como Eugénio de Andrade.
Eugénio de Andrade (Fundão, 19 de Janeiro de 1923 — Porto, 13 de Junho de 2005) foi um poeta português que, em 2001, ganhou o Prémio Camões, o nobel para a língua portuguesa.
Estudou no Liceu Passos Manuel e na Escola Técnica Machado de Castro, tendo escrito os seus primeiros poemas em 1936, o primeiro dos quais, intitulado "Narciso", publicou três anos mais tarde.
Em 1943 mudou-se para Coimbra, onde regressa depois de cumprido o serviço militar convivendo com Miguel Torga e Eduardo Lourenço. Tornou-se funcionário público em 1947, exercendo durante 35 anos as funções de inspector administrativo do Ministério da Saúde. Uma transferência de serviço levá-lo-ia a instalar-se no Porto em 1950, numa casa que só deixou mais de quatro décadas depois, quando se mudou para o edifício da Fundação Eugénio de Andrade, na Foz do Douro.
A sua consagração já acontecera dois anos antes, em 1948, com a publicação de "As mãos e os frutos", que mereceu os aplausos de críticos como Jorge de Sena ou Vitorino Nemésio. Entre as dezenas de obras que publicou encontram-se, na poesia, "Os amantes sem dinheiro" (1950), "As palavras interditas" (1951), "Escrita da Terra" (1974), "Matéria Solar" (1980), "Rente ao dizer" (1992), "Ofício da paciência" (1994), "O sal da língua" (1995) e "Os lugares do lume" (1998).
A sua poesia caracteriza-se pela importância dada à palavra, quer no seu valor imagético, quer rítmico, sendo a musicalidade um dos aspectos mais marcantes da poética de Eugénio de Andrade, aproximando-a do lirismo primitivo da poesia galego-portuguesa ou, mais recentemente, do simbolismo de Camilo Pessanha. O tema central da sua poesia é a figuração do Homem, não apenas do eu individual, integrado num colectivo, com o qual se harmoniza (terra, campo, natureza - lugar de encontro) ou luta (cidade - lugar de opressão, de conflito, de morte, contra os quais se levanta a escrita combativa).
A figuração do tempo é, assim, igualmente essencial na poesia de Eugénio de Andrade, em que os dois ciclos, o do tempo e o do Homem, são inseparáveis, como o comprova, por exemplo, o paralelismo entre as idades do homem e as estações do ano. A evocação da infância, em que é notória a presença da figura materna e a ligação com os elementos naturais, surge ligada a uma visão eufórica do tempo, sentido sempre, no entanto, retrospectivamente. A essa euforia contrapõe-se o sentimento doloroso provocado pelo envelhecimemto, pela consciência da aproximação da morte (assumido sobretudo a partir de Limiar dos Pássaros), contra o qual só o refúgio na reconstituição do passado feliz ou a assunção do envelhecimento, ou seja, a escrita, surge como superação possível. Ligada à adolescência e à idade madura, a sua poesia caracteriza-se pela presença dos temas do erotismo e da natureza, assumindo-se o autor como o «poeta do corpo». Os seus poemas, geralmente curtos, mas de grande densidade, e aparentemente simples, privilegiam a evocação da energia física, material, a plenitude da vida e dos sentidos.
Em prosa, publicou "Os afluentes do silêncio" (1968), "Rosto precário" (1979) e "À sombra da memória" (1993), além das histórias infantis "História da égua branca" (1977) e "Aquela nuvem e as outras" (1986). Recebeu inúmeras distinções, entre as quais o Prémio da Associação Internacional de Críticos Literários (1986), Prémio D. Dinis (1988), Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores(1989), atribuído a O Outro Nome da Terra (1988), e com o Prémio de Poesia Jean Malrieu, por Branco no Branco (1984). Recebeu ainda, em 1996, o Prémio Europeu de Poesia. Em 2001 obteve o Prémio Camões. Foi criada, no Porto, uma fundação com o seu nome.
Em prosa, publicou "Os afluentes do silêncio" (1968), "Rosto precário" (1979) e "À sombra da memória" (1993), além das histórias infantis "História da égua branca" (1977) e "Aquela nuvem e as outras" (1986).
Apesar do seu enorme prestígio nacional e internacional, Eugénio de Andrade sempre viveu distanciado da chamada vida social, literária ou mundana, tendo o próprio justificado as suas raras aparições públicas com "essa debilidade do coração que é a amizade". Obteve sem dúvida um lugar destacado na poesia portuguesa contemporânea.A respiração entre as mãos e os frutos. As Amoras
O meu país sabe as amoras bravas
no verão.
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país, talvez
nem goste dele, mas quando um amigo
me traz amoras bravas
os seus muros parecem-me brancos,
reparo que também no meu país o céu é azul.
Eugénio de Andrade

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

AMOR ETERNO

A Bela Acordada
Era uma vez uma mulher que tão depressa era feia era bonita, as pessoas diziam-lhe:
- Eu amo-te.
E iam com ela para a cama e para a mesa.
Quando era feia, as mesmas pessoas diziam-lhe:
- Não gosto de ti.
E atiravam-lhe com caroços de azeitona à cabeça.
A mulher pediu a Deus:
- Faz-me bonita ou feia de uma vez por todas e para
sempre.
Então Deus fê-la feia.
A mulher chorou muito porque estava sempre a apanhar
com caroços de azeitona e a ouvir coisas feias. Só os animais
gostavam sempre dela, tanto quando era bonita como quando
era feia como agora que era sempre feia. Mas o amor dos animais
não lhe chegava. Por isso deitou-se a um poço. No poço,
estava um peixe que comeu a mulher de um trago só, sem a
mastigar.
Logo a seguir, passou pelo poço o criado do rei, que
pescou o peixe.
Na cozinha do palácio, as criadas, a arranjarem o peixe,
descobriram a mulher dentro do peixe. Como o peixe comeu a
mulher mal a mulher se matou e o criado pescou o peixe mal o
peixe comeu a mulher e as criadas abriram o peixe mal o peixe
foi pescado pelo criado, a mulher não morreu e o peixe
morreu.
As criadas e o rei eram muito bonitos. E a mulher ali era
tão feia que não era feia. Por isso, quando as criadas foram
chamar o rei e o rei entrou na cozinha e viu a mulher, o rei
apaixonou-se pela mulher.
- Será uma sereia ? – perguntaram em coro as criadas ao
rei.
- Não, não é uma sereia porque tem duas pernas, muito
tortas, uma mais curta do que a outra – respondeu o rei às
criadas.
E o rei convidou a mulher para jantar.
Ao jantar, o rei e a mulher comeram o peixe. O rei disse à
mulher quando as criadas se foram embora:
- Eu amo-te.
Quando o rei disse isto, sorriu à mulher e atirou-lhe com
uma azeitona inteira à cabeça. A mulher apanhou a azeitona e
comeu-a. Mas, antes de comer a azeitona, a mulher disse ao rei:
- Eu amo-te.
Depois comeu a azeitona. E casaram-se logo a seguir no
tapete de Arraiolos da casa de jantar.
Adília Lopes
http://www.germinaliteratura.com.br/alopes.htm

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Do livro dos Salmos Hereges, Cântico dos Líquidos II

....................... Quadro de Fernando Lemos............................................
Precedo o alastro das mãos sob a incandescência das frísias.
Desses-me os três beijos do crime a tua saliva purificação do dilúvio
maior do que a da água.
Pelo rizoma de teus pântanos acúleos pântano perfurado o teu murmúrio
feras confusas apaziguam-te.
O
Prolonga-me na tua pele renasceremos enlouqueceu-me o búzio nas suas insónias
ressuscitaremos irromperemos
sob tua pele beberemos tua saliva na purificação contornos nós
puros antíscios que te apaziguam.
Vermelho e belíssimo ó sangue do sagrado ser igual oceano primordial
raízes de caminhos de azulíneo e pérgulas de mãos atravessadas.
Não me sufoqueis desenvolto envolveu-me o voo os opiáceos
meus reflexos fracturados
contra o corpo me ordenaram laminar os loucos a minha insidiosa loucura
que não laminei desenvolto
em sete camadas de áleas de roseiras e bruma azul.


O

Tu aquela que perfurou minhas sílabas indica-me onde corres duende
a imolar ou permaneces
nas vigílias. Porque hei-de sugar as seivas puras ignotas fendas
sobre os filamentos do fogo?
Se não fecundas em ti a borboleta o corpo será das rochas ávidas vai
regressar à água torrencial
das lavas imolar tuas feridas próximo das gargantas vulneráveis faíscas
os quatro vulcões.
Tu meu presságio da asfixia das áscuas te experimentei limpo dobrado
nos presságios meu peregrino
das sete camadas sobre os sulcos da água sulco maternal da terra e do fogo
na boca prenhe dos quatro rios.

O

Ah que benévola a minha morte que benévola artrópodes e hulhas
hulhas da linfa.
Ah que benévolo o meu destino também aprazível também o nosso
acto de sangue sem água.
Romper o tecido da memória a construção entre as sementes
do crime purificador
as forças outrora a unidade originária o alastro múrmur da água
saliva purificando a queda.
João Rasteiro

domingo, 13 de janeiro de 2008

Literatura Mundial

James Augustine Aloysius Joyce (Dublin, 2 de Fevereiro de 1882 — Zurique, Suíça, 13 de Janeiro de 1941). Faz hoje 67 anos que faleceu aquele que é amplamente considerado um dos autores de maior relevância do século XX. As suas obras mais conhecidas são o volume de contos Dublinenses (1914) e os romances Retrato do Artista Quando Jovem (1916), Ulisses (1922) e Finnegans Wake (1939) - o que se poderia considerar um "cânone joyceano".
Embora Joyce tenha vivido fora de seu país natal pela maior parte da vida adulta, as suas experiências irlandesas são essenciais para a sua obra e forneceram-lhe toda a ambientação e muito da temática das sua geniais obras. O seu universo ficcional enraíza-se fortemente em Dublin e reflecte a sua vida familiar e eventos, amizades e inimizades dos tempos de escola e faculdade. Desta forma, ele é ao mesmo tempo um dos mais cosmopolitas e um dos mais particularista dos autores modernistas de língua inglesa.
Sendo certo que Ulisses (Ulysses no original), se tornou na sua obra de marca, composta entre 1914 e 1921 em Trieste, Zurique e Paris e publicado no ano seguinte nesta cidade - por descrever, em diversos pontos, aspectos da fisiologia humana então considerados impublicáveis, o livro foi amplamente censurado em diversos países, como nos Estados Unidos da América e no Reino Unido, não nos podemos esquecer dessa fabulosa obra que é Finnegans Wake (Finnicius Revém), que veio a ser o último romance de James Joyce. Publicado em 1939, é sem dúvida um dos grandes marcos da literatura experimental por ter sido escrito em uma linguagem composta pela fusão de outras palavras, em inglês e outras línguas, buscando uma multiplicidade de significados. A sua tradução para qualquer língua é complicadíssima, e qualquer tentativa é um acto de ousadia desde a primeira palavra do romance.
Joyce também veio a publicar poesia, escrevendo os seus primeiros poemas na Universidade, expressando estados de espírito de júbilo e melancolia, que reuniu nos livros manuscritos: Ânimus e Luz e Escuridão.
"Em 1927 James Joyce publica o segundo volume de poesias, Pomes Penyeach pela Shakeaspeare and Company, editora que havia publicado em 1922 o seu livro mais polêmico, Ulysses, e que era composto de uma dúzia de poemas": (Gilfrancisco Santos - CRONÓPIOS)

Ele viaja guiando-se pelo sol invernal,
Tocando o gado por uma estrada fria e vermelha,
Aboiando para eles, uma voz que conhecem,
Guia seus animais pelas colinas de Cabra.

A voz lhe diz que em casa há calor.
Eles mugem e fazem rude música com os cascos.
Ele os guia empunhando um galho florido,
Vapor emplumando-lhes as frontes

Campônio, elo de rebanho,
Esta noite, estica-se junto ao fogo!
Eu sangro a beira do negro regato
Pelo meu ramo arrancado.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Novas Vozes

-----------------João Rasteiro e Andityas Soares de Moura----------------------
No próximo dia 14 de Janeiro pelas 19h na Casa Municipal da Cultura em Coimbra, proceder-se-á ao lançamento da antologia de poesia Algo Indecifravelmente Veloz, do poeta ANDITYAS SOARES DE MOURA, hoje já um dos nomes mais representativos da nova vaga da poesia brasileira. Autor e obra serão apresentados pela Dra. Graça Capinha da Universidade de Coimbra, no âmbito da Oficina de Poesia da FLUC e do Projecto de investigação "Novas Poéticas de Resistência".
Andityas Soares de Moura, mineiro de Barbacena, é poeta, tradutor e ensaísta, além de professor universitário e Mestre em Filosofia do Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, instituição onde atualmente cursa o Doutorado em Direito.
Publicou: Ofuscações (Barbacena, edição do autor, 1997), Lentus in umbra (Barbacena, edição do autor, 2001), OS enCANTOS (Belo Horizonte, in vento, 2003) e FOMEFORTE (Belo Horizonte, in vento/Crisálida, 2005). Lentus in umbra foi traduzido para o castelhano pelo poeta e professor Francisco Álvarez Velasco e lançado na Espanha (Gijón, Trea, 2002).
No campo da crítica literária publicou em Portugal o estudo A letra e o ar: palavra-liberdade na poesia de Xosé Lois García (Lisboa, Universitária, 2004) e organizou uma edição da Lírica de Camões (Belo Horizonte, Crisálida, 2004).
Selecionou, introduziu, traduziu e anotou os poemas da escritora galega Rosalía de Castro reunidos em A rosa dos claustros (Belo Horizonte, Crisálida, 2004). Traduziu vários livros do poeta argentino Juan Gelman, a exemplo de Isso (em parceria com Leonardo Gonçalves, Brasília, UnB, 2004) e Com/posições (Belo Horizonte, Crisálida, 2007). Traduziu também À boa teta e outros quatro licenciosos poemas da França renascentista (Belo Horizonte, Crisálida, 2005). Tem traduções inéditas do catalão Joan Brossa e do galego Manuel Antonio.
Um breve comentário/análise da minha parte, a convite (que muito me honrou) do Andityas Soares de Moura e incluido na badana/orelha do livro.
"Não se nasce poeta. No entanto acredito que alguns nascem com algumas propensões para poderem vir a emboscar-se no acto poético. Contudo, a leitura, o estudo, a prática, o intenso exercício de oficina, escrevendo e reescrevendo, são essenciais para talvez se vir a ser um excelente poeta. E é tudo isso que Andityas Soares de Moura é, fez e continua a fazer. Conjuntamente com nomes como Iacyr Anderson de Freitas, Claudia Roquette-Pinto, Ricardo Aleixo, Claudio Daniel, Fabrício Carpinejar ou Márcio André, é, sem dúvida, hoje, um dos mais expressivos poetas da poesia contemporânea brasileira.
Soares de Moura possui a capacidade de conjugar a sua alta erudição (ao grande domínio da língua e cultura latinas, alia um tratamento de grande intimidade com os poetas provençais e escreve com a mesma facilidade e docilidade com que fala mineiro) com a realidade que o cerca como espigões acesos, um/som//:o do peito sendo aberto/.
Em Soares de Moura encontramos uma poesia quase sempre espalhada no branco da página, assente em formas rebeldes, mas ajustadas numa escrita concisa, onde a preocupação extrema com a estética das palavras é reflectida na sua sonoridade. Sendo um poeta virado para o real, para quem a poesia é a arte do fazer, é a arte e faculdade poética, mas sempre como poiesis – criação, cri(ação) sob todas as arestas- a sua poesia é tudo que respira/canta a glória de estar/por enquanto,//e só por enquanto,//vivo/.
Soares de Moura não concebe a arte poética, se esta não questionar constantemente o real, como se a poesia fosse o último guerreiro atento à tirania do poder, à tirania da própria linguagem. A arte e a poesia ao serviço do carpe diem, do ensejo único, o nosso.
Como refere o poeta Glauco Mattoso, a poesia de Andityas Soares de Moura, oscila entre o moderno e o arcaico, com traços concretistas namoriscando o mais arrevesado latinório, que embebida numa alta tensão lírica, fará decerto de Andityas Soares de Moura um dos nomes maiores da poesia brasileira deste desencorajado início de século". (João Rasteiro)
Incluidos na antologia, os poemas: Epitáfio para as ilhas e Procissão
EPITÁFIO PARA AS ILHAS
no alto,
o cansaço, o
espasmo

murmúrios travam
conhecimento conosco

que solos negros!
duros como as orações
de antigos capatazes

sabor de milho
no pescoço

enfim, a porteira aberta

cercada
de musgos
doces
-----ooo-------------
PROCISSÃO
é uma névoa bisonha

dedos debaixo
da língua

eu vi o incenso roxo
brotar como feijão

ladainhas fervorosas
de sexos
aduncos
sérios mesmo

esta agremiação

de interior mais fundo
que
a raiva
Andityas Soares de Moura

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

(...)
Quebrada está a memória, podia ser Janeiro já que a geada e as laranjas se agarravam às árvores como um amor híbrido que juntas se amam à distância. O amor é feito contra todos, e por um só, e depois pelo outro, ainda só; de cada vez, sempre em círculos azuis, um jogo sob as árvores, só. E nos ramos e folhas aquecidas surge o enigma das mágoas.
Os pomares não voltarão a ver acariciados os antigos cachos de ouro e marfim. Bebia-se o vinho e a água da aldeia dos homens. E a sede era o coração tecendo as ramadas de um sangue mais salgado e campestre, de um sangue profundo e sumptuoso que por vezes cheirava a rosmaninho. E nas tardes de trovoada, no eco venerável das trindades, os corpos entontecidos regeneravam-se na ternura das ribeiras que lavavam a solidão dos corpos.
É assim quando se vem de longe, dos espaços cegos por entre ramadas de pedra e granito impuro, de constelações de fluxos e refluxos alucinados de linguagens geladas, de corações espalhados sob depósitos de larvas à procura das aldeias lácteas, lugares ateados na limpidez do seu desesperado exercício de ecos. Nem centro, nem berma, apenas a incisão das arestas.
(...)
Fecha-se a paisagem na direcção dos campos inaugurados. A memória levanta-se. Cada imagem é o segredo de outra imagem – e eu abro-me a cada uma delas em oferenda. É preciso reinventar de novo a paisagem e demarcar os campos onde os amieiros são retalhados, refulgindo luz. O que procuro é a árvore que fica quando a longa tempestade se afasta pela insídia.
In, O Búzio de Istambul - 2008
João Rasteiro

domingo, 6 de janeiro de 2008

LUÍS PACHECO

Morreu Luiz Pacheco.
Luíz José Gomes Machado Guerreiro Pacheco (Lisboa, 7 de Maio de 1925 — Montijo, 5 de Janeiro de 2008) foi um escritor, editor, polemista, epistológrafo e crítico de literatura português.
Desde cedo manifestou enorme talento para a escrita. Chegou a frequentar o primeiro ano do curso de Filologia Românica da Faculdade de Letras de Lisboa, onde foi óptimo aluno, mas optou por abandonar os estudos. A partir de 1946 trabalhou como agente fiscal da Inspecção Geral dos Espectáculos, acabando um dia por se demitir dessas funções, por se ter fartado do emprego. Desde então teve uma vida atribulada, sem meio de subsistência regular e seguro para sustentar a família crescente (oito filhos de várias mulheres), chegando por vezes a viver na maior das misérias, à custa de esmolas e donativos, hospedando-se em quartos alugados e albergues. (Esse período difícil da vida inspirou-lhe o conto Comunidade, considerado por muitos a sua obra-prima.) Nos anos 60 e 70, por vezes viveu fora de Lisboa, nas Caldas da Rainha e em Setúbal.
Começa a publicar a partir de 1945 diversos artigos em vários jornais e revistas, como O Globo, Bloco, Afinidades, O Volante, Diário Ilustrado, Diário Popular e Seara Nova. Em 1950, funda a editora Contraponto, onde publica escritores como Raul Leal, Vergílio Ferreira, José Cardoso Pires, Mário Cesariny, António Maria Lisboa, Natália Correia, Herberto Hélder, etc., tendo sido amigo de muitos deles. Dedicou-se à crítica literária e cultural, tornando-se famoso (e temido) pelas suas críticas sarcásticas, irreverentes e polémicas. Denunciou a desonestidade intelectual e a censura imposta pelo regime salazarista.
A sua obra literária tem um forte pendor autobiográfico e libertino, inserindo-se naquilo a que ele próprio chamou de corrente "neo-abjeccionista".
Alto, magro e escanzelado, calvo, usando óculos com lentes muito grossas devido a uma forte miopia, vestindo roupas muitas vezes andrajosas e abaixo do seu tamanho, hipersensível ao álcool, hipocondríaco sempre à beira da morte, cínico impenitente, Luís Pacheco é sem dúvida, como pícaro personagem literário, um digno herdeiro de Luís de Camões, Bocage, Gomes Leal ou Fernando Pessoa.
Debilitado fisicamente e quase cego devido às cataratas, mas ainda a dar entrevistas aos jornais, nos últimos anos passou por três lares de idosos, tendo mudado para casa do seu filho Paulo Pacheco em 2006 e daí para um lar, no Montijo, onde viria a falecer.
Um ano após a morte de Mário Cesariny, a 26 de Novembro de 2007, Comunidade foi editada em serigrafia/texto com pinturas de Cruzeiro Seixas. Nessa efeméride, Luiz Pacheco foi entrevistado pela RTP, encontrando-se num lar do Montijo.
A sua última intervenção terá sido na entrevista para o documentário que a RTP passou no final de 2007 sobre outro grande da literatura: Herberto Helder.
Com uma vida atribulada, por vezes sem meios de subsistência para sustentar a família, Luiz Pacheco chegou a viver situações de miséria que ia ultrapassando à custa de esmolas e donativos, hospedando-se em quartos alugados e albergues. Foi nesse período difícil da sua vida que se terá inspirado para escrever o conto "Comunidade" (1964), que muitos consideram ser a obra-prima de Luiz Pacheco.
A "Carta-Sincera a José Gomes Ferreira" (1958), "O Teodolito" (1962), "Crítica de Circunstância" (1966), "Textos Locais" (1967), “Exercícios de Estilo” (1971), “Literatura Comestível” (1972) e "Pacheco versus Cesariny” (1974), são apenas algumas das muitas obras publicadas por Luiz Pacheco.
Ontem à noite, Luiz Pacheco, nascido a 7 de Maio de 1925, em Lisboa, a contar 82 anos, chegou já sem vida ao Hospital do Montijo. O óbito do escritor foi registado às 22h17, adianta a Lusa. O resto anda por aí, em bibliotecas e nas bocas dos amigos e das entrevistas nas revistas e nos jornais, também disseminadas pela Internet.
Na poesia, campo onde poderia ter sido a querer, um supra-Pessoa, afirmou o próprio, pode ser lido na Antologia da poesia erótica e satírica (1966), organizada por Natália Correia. Quis ser crítico feroz, denunciando a desonestidade intelectual. Vítima mediática dessa vontade foi Fernando Namora, a quem Luiz Pacheco acusou de plagiar algumas passagens de Aparição (1959), de Vergílio Ferreira, em Domingo à Tarde (1961).
Morreu Luiz Pacheco. Parece-me óbvio que se aguentou até 2008 para não ter que morrer no mesmo ano que Mário Cesariny.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Surrealismo II

Legenda: João Rasteiro, Fernando Lemos e Régis Bonvicino - Universidade de Coimbra, 2004.
Fernando Lemos nasceu em Lisboa, em 1926. Actualmente, reside em São Paulo, no Brasil. Frequentou a Escola de Artes Decorativas António Arroio e o curso livre da Sociedade Nacional de Belas-Artes. Com um percurso profissional ligado às artes gráficas e à publicidade, Fernando Lemos circula por muitos territórios da arte ao longo do seu percurso. A sua obra multifacetada estende-se ao domínio da poesia, pintura, do desenho, da ilustração e à fotografia, campo que alcançou maior visibilidade pública nos últimos anos. Foi Prémio Nacional de fotografia, 2001, Centro portugês de Fotografia, Porto.
O Surrealismo Português no olhar de Fernando Lemos:
"Não me sinto um fotógrafo. Sou um derivado das artes plásticas e da poesia, afirma Fernando Lemos".
Naquele dia, Alexandre O'Neill falava em suicidar-se mas os amigos deram-lhe, literalmente, a volta à cabeça. O momento ficou registado na câmara fotográfica Flexaret de Fernando Lemos eis o poeta de cachimbo no canto da boca, a gravata sob o pulôver e o cabelo em desalinho devido às mãos amigas e mexeriqueiras. Lavagem Cerebral é uma das 117 fotografias de Fernando Lemos que incorporaram recentemente a Colecção Berardo e foi em volta delas que se organizou a exposição "Fernando Lemos e o Surrealismo" no Museu de Arte Moderna de Sintra.
Artista plástico, dedicou--se à fotografia "por curiosidade". "No nosso grupo, a fotografia não era muito utilizada, só como experiência. E eu decidi experimentar para ver se conseguia dar uma imagem compatível com o nosso país e com as nossas gentes que não fosse apenas paisagem. Queria fazer uma coisa mais ligada à psicologia humana", recordou em entrevista ao DN, sentado na cadeira de rodas, quando visitou a exposição.

Não lhe interessava o lado documental, antes a procura de uma certa "poética lúdica" "A gente tinha liberdade para brincar. Nem a realidade a gente tomava a sério, quanto mais a nossa arte." E o desafio era também tecnológico - fotografava duas e três vezes sobre o mesmo negativo, apostando no "acaso", recorria à solarização, produzia efeitos que depois descobria na revelação. "Sente-se o pintor na fotografia de Fernando Lemos", escreveu em 1953 Manuel Bandeira. "Não retoca nunca. Tudo o que ele obtém é exclusivamente por meio da máquina."
Entre as suas imagens, encontramos a abstracção total, o olhar inusitado sobre o quotidiano (paisagens pouco convencionais, como as obtidas em Moledo, quando visitava o amigo António Pedro), o erotismo dos nus e os retratos, porventura as suas imagens mais conhecidas. Fernando Lemos fotografou os seus pais, os amigos e os familiares dos amigos. Lá está Vespeira e ao lado Maria Albertina, a mulher. Lá está Fernando Azevedo, mas também Maria Emília Azevedo. Nora Mitrani, a quem O'Neill disse adeus. Sophia de Mello Breyner (numa foto a que chamou A Guerreira) e os seus filhos (A Prole). Jorge de Sena, Vieira da Silva e Arpad Szenes, José Augusto França, Casais Monteiro, Augusto de Figueiredo (de mãos sobre o rosto na famosa Recusa de Identidade). "É o retrato de uma vivência, da minha juventude, todo um percurso com um grupo de pessoas. Porque eu só retratava pessoas com quem tinha contacto. Eles não só respeitavam o meu trabalho como se tornaram cúmplices das minhas experiências", explica o autor. "Eu não me sinto um fotógrafo", declara sem espanto Fernando Lemos. "Sou um derivado das artes plásticas e da poesia, mexo-me noutras áreas", diz, explicando assim o facto de a sua obra fotográfica se concentrar em apenas quatro anos, de 1949 a 1952.
Quando partiu para o Brasil, onde vive até hoje, fugindo das pressões políticas e das vistas curtas do país de Salazar, Fernando Lemos iniciou uma nova etapa da sua carreira, participou dos movimentos que então cresciam no Brasil (o país estava entusiasmado com o desenvolvimento tecnológico, surgiram o concretismo, as primeiras bienais e galerias de arte) e deixou de lado a máquina fotográfica. "Tenho fotografado, mas não necessariamente com os mesmo objectivos, fiz muitas coisas com os meus filhos. E cheguei a ter uma empresa de fotografia de moda, que foi um fiasco", ri-se. (maria joão caetano - Diário de noticias).
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Representado em diversas antologias e revista de poesia, dos seus livros, destacam-se: Teclado Universal (1952), Líricas Portuguesas (1985), Cá & Lá: Poesias (1985). Em 2004 Fernando Lemos integrou o programa dos 4º Encontro Internacional de Poetas - Universidade de Coimbra.
OBJETIROU
um instrumento precursor do industrial
design.
Foi dos primeiros objectos seriados
designados pelo
homem.
Espécie prioritária.
Uma bala puxa a outra.
Com aspectos semânticos e morais
definidos.
Faz a guerra e faz a paz.
Ataca e defende.
Proposta de tiro sem impressão digital.
Indispensável no desenvolvimento de
qualquer sociedade.
Fernando Lemos
http://blografiascomluz.blogspot.com/2005/04/biografia-01-fernando-lemos.html

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

2008 - A "Realidade" Futura

A Teoria das Cores

«Era uma vez um pintor que tinha um aquário com um peixe vermelho. Vivia o peixe tranquilamente acompanhado pela sua cor vermelha até que principiou a tornar-se negro a partir de dentro, um nó preto atrás de uma cor encarnada. O nó desenvolvia-se alastrando e tomando conta de todo o peixe. Por fora do aquário o pintor assistia surpreendido ao aparecimento do novo peixe.
O problema do artista era que, obrigado a interromper o quadro, onde estava a chegar o vermelho do peixe, não sabia que fazer da cor preta que ele agora lhe ensinava. Os elementos do problema constituíam-se na observação dos factos e punham-se por esta ordem: peixe, vermelho, pintor – sendo o vermelho o nexo entre o peixe e o quadro através do pintor. O preto formava a insídia do real e abria um abismo na primitiva fidelidade do pintor.
Ao meditar sobre as razões da mudança exactamente que assentava na sua fidelidade, o pintor supôs que o peixe, efectuando um número de mágica, mostrava que existia apenas uma lei abrangendo tanto o mundo das coisas, como o da imaginação. Era a lei da metamorfose.
Compreendida esta espécie de fidelidade, o artista pintou o peixe amarelo.»
Herberto Helder