quarta-feira, 19 de março de 2008

A rotação do mundo

Herança
............Ao Manuel Rasteiro

Junto às margens impassíveis dos rios da Babilónia
os salgueiros têm fólio espinhos hábeis de silêncios,

o silêncio obriga-me a ouvi-lo e agride sem compaixão
a memória absoluta a chama que se desfibra metálica
entre as cordas a última jangada nas veias da água,

o meu amor é uma navalha na cúmplice garganta
reinventando hoje o retorno da tua voz hálito genuíno
iluminando-te lentamente na cozedura plena das palavras,

agora tu és uno como o tempo despido dos dias robustos
na tua morte floresce a arquitectura nua da minha morte
aves em vigília serena sobre os rebentos dos salgueiros,

quero apreender a semente nas águas puras da Babilónia
acústica sagrada do búzio que cadencia a tua imagem
espelho hibernal que subsistia entre ti e a boca da morte,

emudecido sei que onde as feridas se alojam indolentes
a cria dobra-se do regaço incorruptível e agora sou adulto.
João Rasteiro

http://tw.youtube.com/watch?v=26g1jQG-n4Y&feature=related
http://tw.youtube.com/watch?v=Jek6iP6AuAQ

2 comentários:

Maria João disse...

"(...) O meu amor é uma navalha na cúmplice garganta/reinventando hoje o retorno da tua voz hálito genuíno/iluminando-te lentamente na cozedura plena das palavras"(...)"
Uma bela homenagem a um Pai que partiu, há muito, mas que, nas asas de um poema, voa ainda...
Neste dia especial, um grande abraço de parabéns, João.

Maria João Oliveira

Anónimo disse...

um poema denso de grande beleza e uma homenagem valiosa, caro joão. desejo-te uma boa páscoa. beijinho.