sexta-feira, 2 de novembro de 2007

TRAGÉDIA


O poeta

Ele é a alta voltagem de um nome,
o selo que reverbera de dentro
quando as cavilhas fecham as córneas.
Jorge Melícias

Apenas vi mais um condenado, simplesmente
invadindo paisagens como demência de pássaros
o poeta com mais sangue que água - festim
mais ingénuo que agonia - corpo vasto despido
como se encobrisse cada golpe o mênstruo novo.

Na cilada guinchos sagrados triturando chagas
forma robusta de lume rasgada pelos dentes
sulco álgido da alucinação sedenta de banquetes
farejando o eclipse materno porque desígnio,
poeira, onde bichos se devoram extasiados entre si.

E ele, que se via atravessado pelas garras prenhes
flores virgens nas entranhas agonizantes de sol,
da carne à terra a matéria extraída do doce crime.

Ao seu lado as suas próprias vísceras nuas abertas
lágrimas cosidas numa tábua aplainada de desejos.
A seiva do mundo espetada na pele como esporas
vozes órfãs reunindo-se oferenda contra a morte.

Aí nasce pela primeira vez o clamor do relâmpago
sangue sem nome gerando a pupila do besouro.
Ninguém já sabe o que busca entre a ávida língua.
João Rasteiro


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